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Por que o Fora Temer é um erro brutal

Neste texto vou explicar por que gritar Fora Temer hoje é um erro brutal. O Fora Temer dos que se opuseram ao governo dos petistas é tão errado quanto era o Fora Temer dos petistas.

Os últimos eventos mostram que o presidente Michel Temer é refém de sua base parlamentar. Com poucas alterações, trata-se da mesma base fisiológica que deu sustentação ao governo do PT. Ele, Temer, sabe que se perder essa base, coalhada de corruptos comuns (ou seja, de políticos que cometeram crimes comuns), não poderá governar.

Os petistas que gritavam Fora Temer, todavia, não estavam apenas defendendo políticos que cometeram crimes comuns. Estavam defendendo políticos que cometeram crimes políticos, ou seja, crimes contra a democracia.

Tudo é crime, por certo. Mas os crime comuns (de corrupção e nepotismo) de um Péricles não são semelhantes aos crimes políticos de um Crítias ou de um Cáricles (que, entre outras barbaridades cometidas, é quase certo que também tenham aceitado dinheiro dos espartanos para autocratizar o regime democrático ateniense).

Para quem não tem muita intimidade com a história da democracia: Crítias e Cáricles, discípulos de Sócrates, foram membros da ditadura dos Trinta, que assassinou – segundo conta Xenofonte – 1.500 atenienses durante o curto período de oito meses em que estiveram no poder (um “número quase superior” ao dos que tinham sido mortos pelos espartanos durante os últimos dez anos da guerra do Peloponeso). Por isso, entre outras coisas, Sócrates foi condenado pela democracia ateniense.

Crítias e Cáricles praticaram corrupção? Sim, mas seus objetivos eram estratégicos e não apenas os de se dar bem na vida, amealhar fortunas individualmente. Não eram como Cunha e Sergio Cabral. Eram mais como Lula e Dirceu.

Dito isto, voltemos ao Fora Temer. O lema Fora Temer autocrático, gritado pelos petistas e derrotado pelas ruas e pelas urnas, não pode ser ressuscitado por um Fora Temer democrático, promovido pelos que foram responsáveis pela saída do PT no governo. Seria um contrassenso e um erro político.

Os democratas não são militantes de uma cruzada moral para limpar o mundo dos corruptos. Quem gosta de limpeza e de pureza são os autocratas (como os espartanos). A democracia é suja mesmo, como sujos ficam os que ralam o dia todo, prá baixo e prá cima, na praça do mercado (aquela Agora, onde a primeira democracia foi inventada). Se essa pulsão purificadora e moralizadora tivesse possuído os atenienses do século 5 AEC, a democracia nunca teria sido inventada. A primeira vítima teria sido seu principal expoente, Péricles (que andou desviando recursos de uma obra pública, a construção do Partenon) e sua amante Aspásia. Para não falar dos filósofos democráticos da sua companhia, como Protágoras e outros sofistas (que, não sendo ricos como Platão, tinham que tomar dinheiro dos jovens aspirantes a políticos em troca de aulas de retórica e argumentação circular). E nem de seus antecessores, como Clístenes e Efialtes (também considerados fundadores da democracia). Não havia nenhum santo ali. Quem quisesse encontrar um varão de Plutarco teria de viajar para Esparta, onde pontificava gente honestíssima, como Leônidas e outros autocratas.

Não vai dar para limpar um velho sistema político que apodreceu, caçando e punindo, no atacado, todos os corruptos. Não dá para cassar e prender de uma vez todos os que fizeram caixa 2, ou seja, que aceitaram doações eleitorais “por fora”). Numa democracia representativa, tal operação é impossível, pois a representação popular seria também cassada em grande parte. Uma ditadura poderia fazê-lo, por certo, instaurando, porém, um outro tipo de corrupção, muito mais deletéria para a humanidade, como a corrupção de um Fidel, de um Putin ou de um Maduro. Mas os democratas são democratas porque não trocam a liberdade (inclusive aquela que acaba permitindo que alguns se corrompam) pela limpeza (promovida pela ordem imposta por um senhor).

Quer-se, com isso, defender a corrupção. Não! Os corruptos comuns devem ser punidos, um a um, de acordo com as leis democraticamente aprovadas. Mas a democracia deve estar atenta para a natureza do delito. De tudo isso já tratei em outro texto, intitulado Pequeno tratado sobre a corrupção política. Não, não é tudo a mesma coisa. Crimes políticos contra a democracia são muito diferentes de crimes comuns cometidos por políticos. E a corrupção de um Silvio Berlusconi ou de um José Sócrates é muito diferente da corrupção de um Mussolini ou de um Chávez, praticada para nos reformar.

Desenhando agora. Berlusconi foi corrupto, contribuiu para “estancar a sangria” da operação Mani Pulite (a mal-terminada ofensiva judicial contra a corrupção sistêmica italiana nos anos 90) – assim como querem, Renan, Maia e alguns auxiliares de Temer, domesticar a operação Lava Jato -, mas a Itália continuou sendo uma democracia após a passagem de Berlusconi e as liberdades fundamentais não foram significativamente restringidas, coisa que não aconteceu após a ascensão de Mussolini.

Desenhemos de novo. Enquanto a Venezuela ia trocando Rómulo Betancourt por Raúl Leoni, por Rafael Caldera, por Carlos Andrés Pérez, por Jaime Lusinchi, novamente por Carlos Andrés Pérez e de novo por Rafael Caldera, era uma coisa. Depois que Hugo Chávez assumiu, passou a ser outra coisa. Os primeiros não eram corruptos? É claro que eram: a corrupção endêmica é uma doença da democracia. Mas quando Chávez assumiu, a corrupção mudou de natureza. O bolivarianismo chavista começou a fazer corrupção para se eternizar no poder, não permitindo mais o troca-troca democrático. A corrupção deixou de ser uma doença da democracia e passou a ser uma característica inerente ao regime que virou uma ditadura com Nicolás Maduro.

Voltemos ao caso em tela. Quando a oposição popular ao PT, que emergiu das ruas, pediu o impeachment de Dilma, nós sabíamos – pelo menos os democratas dentre nós deveríamos saber – que estávamos trocando a corrupção sistêmica do PT pela corrupção endêmica, praticada tradicionalmente pelos atores políticos. Foi uma troca do crime político contra a democracia pelo crime comum praticado pelos velhos atores políticos de um sistema que apodreceu. Quem foi para o governo, por imposição constitucional, foi o vice de Dilma, eleito na mesma chapa e com os mesmos votos e apoiado pela mesma base fisiológica que era usada pelo PT para esconder sua corrupção com objetivos estratégicos (que visava financiar um esquema de poder para nunca mais sair do governo) dentro da corrupção tradicional já endêmica na nossa política. Substituímos o partido que queria usar a democracia para nos reformar pelo pântano que dava base de sustentação para a estratégia autocratizante desse mesmo partido (o PT), mas – atenção aqui! – que não seguia essa diretriz “revolucionária”.

Quem é esse pântano? Ora, é exatamente a mesma base fisiológica do PT (acrescida de alguns atores muito parecidos, provenientes do que formalmente se considerava oposição).

É preciso entender que o governo Temer é um governo meio parlamentarista na prática. Temer não foi escolhido pelas urnas, nem ungido pelas ruas.  Assumiu porque era a única saída institucional que não violava as regras do Estado democrático de direito vigente no Brasil. Sua única força vem da antiga base parlamentar do governo petista, que não deixou de ser o que era só porque ocorreu o impeachment.

O impeachment não limpou magicamente a política, não varreu a corrupção da cena pública. Foi correto porque é mil vezes melhor termos políticos tradicionais praticando crimes comuns do que militantes autocráticos, com aspirações piradas de reformar o mundo e nos modificar, cometendo crimes políticos contra a democracia.

Pois bem. A quem servirá agora a diretriz Fora Temer? Vai que as ruas ficam novamente alvoroçadas e exijam a cabeça de Temer. Quem poderá ocupar o seu lugar? Rodrigo Maia? Renan Calheiros? Ou vai que, pressionado pela sociedade, o TSE resolva cassar a chapa Dilma-Temer. Pelo natural andamento do processo, quem elegeria um novo presidente (em 2017) seria o Congresso, segundo o que reza a Constituição Federal. Este mesmo Congresso composto majoritariamente pela base fisiológica de Temer e coalhado de corruptos. Digamos que isso acontecesse. Quem seria escolhido para substituir o atual presidente até 2018? Descartados Temer e sua base, quem teria maioria para fazer um novo presidente?

Será que os que gritam tolamente Fora Temer estão pensando em antecipar as eleições de 2018? Mas quem poderá aprovar isso, senão o mesmo Congresso atual? Ou será que andam pensando em uma saída não-constitucional, quebrando o que nos resta de legalidade e, por conseguinte, de legitimidade ao nosso regime político vigente sob um Estado ainda democrático e de direito?

Se isso acontecesse – ou seja, se houvesse uma quebra constitucional – caminharíamos para uma situação muito pior do que a atual. O país desceria ainda mais no fosso em que foi metido pelo PT. A segurança jurídica mínima que ainda temos, iria para o espaço. O mercado se retrairia. Aventureiros de todos os matizes surgiriam da noite para o dia. O próprio PT aproveitaria a chance para ressurgir das cinzas, apostando no caos. E a Lava Jato, aí sim, seria totalmente paralisada, sob o argumento de que a prioridade zero seria salvar o país da catástrofe.

Pessoas inteligentes, que tenham um mínimo de compromisso com a democracia, devem entender por que é um erro brutal levantar neste momento a bandeira Fora Temer. A pressão popular na atual conjuntura deve ser para que Temer consiga coibir – mesmo que não queira – as tentativas da sua base fisiológica de parar a Lava Jato, anistiar os que cometeram crimes e aprovar duas ou três medidas legislativas que permitam a navegação até meados de 2018, concluindo um programa mínimo de transição pós-PT. Mais do que isso ele não fará mesmo, não porque não queira e sim porque não pode.

A pressão popular contra as tentativas de anistia dos corruptos e contra outras medidas escandalosas propostas por caciques da base fisiológica – como Renan – para se livrarem da justiça, está surtindo algum efeito. É claro que a dita anistia não estaria de acordo com o direito, mas também é claro que se não fosse a gritaria da sociedade contra essa tentativa ilegal, Temer não teria se disposto a declarar que vetaria a medida caso fosse aprovada. A coisa vai assim mesmo, aos empurrões de baixo para cima. E é só assim que Temer conseguirá, no máximo, cumprir o papel de síndico da massa falida que herdamos do PT. Mas não se pode tentar retirar dele esse último papel que lhe resta, sobretudo sem ter o que por no lugar. E, o que é mais grave, sem ter acabado o processo de despetização do Estado. Do que se trata não é de Fora Temer e sim de concluir o Fora PT.

O Fora Temer, nunca é demais repetir, foi derrotado pelas ruas e pelas urnas. Só faltava agora ele ser ressuscitado pelos que o derrotaram.

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