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Por que os democratas não devem se aliar – e se subordinar – ao PT

Alguns esquerdistas mais espertos estão dizendo o seguinte. A questão não é mais esquerda x direita e sim um campo democrático (bastião da civilização), onde cabem esquerda e direita x um campo autocrático (que representa a barbárie), onde se situa a extrema-direita bolsonarista. Então eles querem colocar o PT e seus aliados tradicionais de esquerda como centro de gravidade desse falso campo democrático.

O papo é tão ardiloso quanto enganador. É um canto de sereia. Ao atraírem os não-bolsonaristas, inclusive os democratas, para o seu próprio campo, o que esperam esses espertos é fazê-los presas fáceis do hegemonismo lulopetista. O PT, como mostra à farta a experiência histórica, não faz alianças a não ser para ficar mais forte e matar os aliados ao final. Todos os seus aliados são subordinados. Como diz Lula, o PT não foi feito para apoiar ninguém. Somente aceita ser apoiado.

A mentira é solerte. Eles dizem: vamos juntar todo mundo para barrar a truculência fascista e salvar a democracia, depois a gente vê como é que fica. É uma maneira de o PT se fortalecer para voltar ao poder. Depois, quem não se enquadrar no projeto neopopulista ou não se subordinar a ele será expelido ou exterminado.

Ocorre que o PT jamais se converteu à democracia. É uma força política i-liberal e majoritarista que aprendeu a usar a democracia (notadamente as eleições) contra a democracia. O projeto neopopulista do PT (uma via soft do bolivarianismo) almeja conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido para nunca mais sair do governo, ganhando tempo para alterar o DNA do regime democrático. É uma estratégia que prevê um golpe de Estado, porém em doses homeopáticas, vencendo eleições sucessivamente e, quando a correlação de forças permitir, mudar a natureza das instituições violando os critérios da legitimidade democrática.

Sim, democracia, para o PT, se reduz à soberania popular obtida nas urnas, quer dizer, o partido toma apenas o critério da eletividade, colocando-a absolutamente acima dos demais critérios da legitimidade democrática, como a liberdade, a publicidade ou transparência (capaz de ensejar uma verdadeira accountability), a rotatividade ou alternância, a legalidade e a institucionalidade. Assim, quem cair na conversa mole desses esquerdistas estará, muitas vezes sem o saber, contribuindo para asfixiar a democracia.

Se o PT quisesse de fato passar para o campo democrático teria de acertar contas com seu passado, fazendo uma autocrítica do mensalão e do petrolão, renegando a via de tentar fazer “a revolução pela corrupção” (na fórmula sintetizada pelo saudoso poeta Ferreira Gullar) e substituindo a velha direção corrupta e autocrática que o levou por esse mau caminho. Teria de adotar um ideário liberal (no sentido político do termo), abandonando sua visão de que a sociedade é dividida por uma única clivagem: povo versus elites. E teria de abrir mão da guerra (e da militância para a guerra) como modo de perverter a política democrática.

Ademais teria de parar de apoiar (e ademais denunciar) ditaduras como a cubana, a venezuelana, a nicaraguense e a angolana.

Teria que se livrar do líder populista Lula, que nunca permitiu que emergisse no partido qualquer outra liderança que lhe fizesse sombra, desacorrentando seus destinos ao de um condutor de rebanhos condenado.

Por último, teria de se desvencilhar do marxismo-leninismo e do gramscismo que ainda constituem as doutrinas referenciais do seu comportamento político. Nunca se pode esquecer que foi somente no seu primeiro congresso, em 1991, dez anos depois de fundado, que o PT abandonou, a contra-gosto e relutantemente, o dogma da ditadura do proletariado (que até então figurava nos seus documentos constitutivos).

Mas o PT não fez nada disso e, ao que tudo indica, jamais o fará. Pelo contrário, Lula solto reafirmou o hegemonismo petista, declarou que o partido não deve fazer qualquer autocrítica (como se nada tivesse feito de errado, como se o mensalão e o petrolão não passassem de acusações falsas de seus inimigos) e ainda prometeu mais polarização. Em síntese, mostrando que não evoluiu um milímetro, Lula fez o PT voltar ao lugar do passado onde sua triste trajetória foi interrompida, para proclamar que continuará trilhando o caminho do neopopulismo (o populismo de esquerda que abraçou juntamente com seus parceiros bolivarianos, castristas, chavistas, lugoistas, evoistas, correistas, orteguistas ou sandinistas de segunda geração, funesistas et coetera). Basta olhar a foto que ilustra este post. Ou então a foto abaixo, onde aparecem Lula e Dilma, agitando bandeirinhas de Cuba, ao lado dos ditadores Raul Castro e Nicolás Maduro:

Recalcitrando nesse caminho populista de esquerda, o lulopetismo se situa no campo autocrático, juntamente com o populismo-autoritário bolsonarista de extrema-direita. Os democratas, portanto, não devem transigir com o PT, não devem se deixar seduzir pela canto de sereia de Lula, mesmo que ele, o monolíder, recupere sua audiência popular e se torne, superada as questões legais que o impedem de concorrer, uma alternativa eleitoral viável ao bolsonarismo. Com a volta de Lula como grande Duce, o PT retoma sua triste trajetória bloqueada temporariamente pelo impeachment, como se nada tivesse acontecido. Como disse Talleyrand sobre os Bourbon (referindo-se à situação na França em 1814, sob Luís XVIII): “Eles não aprenderam nada e não esqueceram nada”.

Comunismo e fascismo são vestigiais na atualidade. Os populismos, não importa se ditos de esquerda ou de direita, são hoje os principais adversários da democracia, no mundo e no Brasil. O lulopetismo, juntamente com o bolsonarismo, são os reais adversários dos democratas.

Se aliar a qualquer um desses populismos equivale, para os democratas, agendar um suicídio político.

Claro que se o PT quiser entrar em uma frente de oposição ou resistência ao bolsonarismo, isso não será ruim. O que os democratas não podem permitir é ser puxados pelo nariz pelos lulopetistas. Ou seja, os democratas não podem imaginar que estão disputando hegemonia com o PT dentro do mesmo campo. Há contradições dentro do campo autocrático entre dois populismos (o bolsonarismo e o lulopetismo) e essas contradições podem ser aproveitadas politicamente. Mas é imperativa a formação de um campo democrático autônomo.

O truque do PT será agora dizer que Lula é a única alternativa a Bolsonaro. E o truque de Bolsonaro será dizer que ele é a única alternativa à Lula. Tudo falso. Populismos de esquerda e direita são, ambos, adversários da democracia.

Sim, bolsonaristas e lulopetistas não são players legítimos da democracia (não se fala aqui dos eleitores de Bolsonaro e de Lula e sim dos dirigentes e militantes que compõem essas seitas). A democracia tolera esses marginais políticos, desde que fiquem nas margens mesmo e não queiram ocupar o centro do espectro político.

Um centro de gravidade democrático não pode ser chamado de terceira via e sim de primeira via. É a primeira – e única – via democrática legítima. Bolsonarismo e lulopetismo devem ser denominados pelo que são: populistas i-liberais e majoritaristas, marginais na democracia.

Os democratas devem constituir – a partir de agora e não nas vésperas das eleições – a primeira e única via democrática.

O bolsonarismo é muito menor do que aparenta: o caso do impeachment de Gilmar Mendes

O populismo e o declínio da social-democracia