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Pouco importa se Bolsonaro se fará de vítima

Bolsonaro não está fazendo loucuras. Ele está erodindo a democracia brasileira. Anunciar um golpe (mesmo sem condições de desferí-lo), esculhambar as instituições, driblar as leis, desmontar as políticas públicas – é a nova forma de golpe aplicada pelo populismo-autoritário no século 21.

A reunião de Bolsonaro com os embaixadores no dia 18 de julho para divulgar notícias fraudulentas sobre as urnas eletrônicas foi um atentado à democracia, uma afronta às instituições e uma traição à república brasileira.

Bolsonaro só teve tempo para cometer um atentado como o de segunda-feira passada porque os que dizem defender a democracia não articularam um amplo movimento pelo seu impeachment quando era tempo. Ao contrário, houve sabotagem dos que queriam manter Bolsonaro (quanto pior, melhor) para vencê-lo mais facilmente nas urnas.

As instituições (inclusive a maioria dos partidos de oposição) concederam um tempo enorme a Bolsonaro para ele erodir à vontade a democracia (e é exatamente isso que ele está fazendo). Tudo na esperança de derrotá-lo mais facilmente nas urnas. Mas aqui não se trata de eleição e sim de respeito à Constituição.

O problema com Bolsonaro não é eleitoral e sim constitucional. Ao fechar os olhos para os graves atentados à democracia cometidos por Bolsonaro, apostando na loteria do calculismo eleitoreiro para substituí-lo por Lula, em vez de se articular no Congresso e nas ruas para barrar a escalada autoritária, o lulopetismo rasga a Constituição.

A opção de deixar a nossa democracia sangrar para substituir mais facilmente Bolsonaro por Lula na urnas deu nisso. E pode dar em coisa muito mais grave ainda.

Neopopulistas democratas eleitorais (mas não-liberais) – como Lula – têm uma especialidade: transformar tudo em eleição. Se há um grave atentado à democracia, eles dizem: isso se resolverá nas urnas. Mas urnas não podem substituir os mecanismos mais tempestivos do Estado democrático de direito.

É improvável que este Congresso aprove o impeachment de Bolsonaro? Sim. É improvável que ele seja interditado por incapacidade mental de governar? Sim. É improvável que o TSE não aceite o registro de sua candidatura? Sim. Mas nada disso significa que os setores democráticos e civilizados da sociedade brasileira não devam fazer uma campanha pelo impeachment, pela interdição ou pelo indeferimento da candidatura desse meliante.

“Ah! Mas não dá tempo de fazer o impeachment”. “Ah! Mas passou o momento”. “Ah! Mas não há clima político”. “Ah! Mas Lira jamais vai acatar o pedido”. “Ah! Mas as oposições não têm maioria de 2/3 para dar seguimento a um processo de impeachment”. “Ah! Mas nunca houve caso de interdição por incapacidade mental”. “Ah! Mas o TSE jamais vai rejeitar a candidatura de um líder com 30% de apoio na população”. Nada disso importa. Tem que haver um movimento da sociedade brasileira pelo impeachment, pela interdição ou pela rejeição de sua candidatura. Até para desencorajar de uma vez por todas o golpismo.

“Ah! É melhor ficar quieto e não agitar muito para confrontar Bolsonaro pois ele se fará de vítima, as eleições estão logo ali e ele vai perder”. Mas não estamos diante de uma questão de tática eleitoral para colocar Lula no poder. A questão tem a ver com a nossa democracia. Desse ponto de vista, pouco importa se Bolsonaro se fará de vítima. Ele se fará de vítima de qualquer jeito. Aliás, já está se fazendo ao dizer que não vai dar golpe, mas que está sofrendo um golpe.

Se Bolsonaro perder a eleição no primeiro turno, ele ainda terá 90 dias para continuar erodindo a democracia brasileira. Ficará três meses na presidência para questionar o resultado das urnas, destruir tudo que puder, torrar nosso dinheiro e inviabilizar o país.

Se Bolsonaro perder a eleição no segundo turno, ele ainda terá 62 dias para continuar erodindo a democracia brasileira. Ficará mais de dois meses na presidência para questionar o resultado das urnas, destruir tudo que puder, torrar nosso dinheiro e inviabilizar o país.

É por isso que Bolsonaro deve ficar, a partir de agora e até o final do seu mandato, sob pressão constante da sociedade. Deve sentir o repúdio da maioria da população. Tem que ser desencorajado a resistir e a tentar dar um golpe.

Todo o esforço dos democratas não-populistas deve ser para que estas duas condições se cumpram conjuntamente:

(1) Bolsonaro ser eliminado no primeiro turno; e

(2) Haver segundo turno.

Se isso vai ser possível, não sabemos. Mas sabemos que só será possível com um grande movimento da sociedade de repúdio a Bolsonaro: agora, antes das eleições.

Já sabemos que haverá um partido que vai sabotar esse movimento da sociedade de repúdio a Bolsonaro antes das eleições. A sociedade, para os populistas, só existe como eleitorado; ou como aquário para pescar militantes; ou como curral para ganhar seguidores.

De qualquer modo, o mundo não acaba em outubro. Seja qual for o resultado das eleições, os democratas liberais continuaremos resistindo aos populismos (seja o populismo-autoritário bolsonarista, seja o neopopulismo lulopetista). “Ah! Mas não são iguais”. Exatamente. Por isso resistimos aos dois de formas diferentes.

Disposições ótimas para a aprendizagem da democracia

Bernard Manin: Los principios del gobierno representativo – Capítulo IV