O evento inteiro envolvendo a decisão estúpida de Toffoli-Moraes foi preocupante. Indica, infelizmente, que não podemos confiar tanto assim em nossos liberais.
Não me refiro, é claro, aos liberais-econômicos (tipo Paulo Guedes e a outros seguidores de doutrinas economicistas que infestam nossos auto-nomeados “institutos liberais”), pois estes já provaram que podem compactuar com o i-liberalismo político sem perder o sono. Me refiro mesmo aos já insuficientes liberais políticos que temos (sabendo que o que importa para a democracia é o liberalismo em política).
Ao criticarem a decisão de Alexandre de Moraes de censurar um veículo de imprensa sem alertar para o fato de que há uma orquestração de bolsonaristas e lavajatistas para deslegitimar o STF, nossos liberais serviram aos propósitos antidemocráticos dessas duas forças políticas. Contribuíram, ainda que indiretamente, para esconder que estão em curso iniciativas antidemocráticas de desqualificação da Corte e para dar razão aos que querem açular a ira e o ressentimento populares contra a instituição.
Caíram nessa armadilha – não há outra razão imaginável – por puro deficit de alfabetização democrática. Dahrendorf dizia que não há democracia sem democratas. Pois é. Eis o problema.
O carnaval armado – em parte pelos antagonistas, braço na imprensa do lavajatismo militante – serviu para promover o jornalismo cafajeste. Claro, a democracia também admite esse tipo de jornalismo, mas convém aos democratas saberem exatamente do se trata.
O Antagonista e a Crusoé são tão órgãos de imprensa quanto eram (ou são) Brasil 247, Opera Mundi, Correio do Brasil, Revista Forum, Carta Capital, Pragmatismo Político, O Cafezinho, Plantão Brasil, Conversa Afiada, GGN, Rede Brasil Atual, Diário do Centro do Mundo, Viomundo, Brasil de Fato, Caros Amigos, Carta Maior, Tijolaço, Outras Palavras, Mídia Ninja. São tão órgãos de imprensa quanto são (ou foram) o Conexão Política, o Terça Livre, os e-mails do Brasil Paralelo e o Mídia Sem Máscara. Um pouco diferentemente destes veículos citados acima, O Antagonista e a Crusoé não são definitivamente lulopetistas e não são bem bolsonaristas de carteirinha (embora tenham olavistas em seu expediente). São veículos oficiosos do lavajatismo militante, quer dizer, do “partido da polícia”. Sim, está valendo na democracia. E nenhum desses meios de comunicação devem ser censurados. Defenderemos sempre sua liberdade de expressão. Mas os democratas não somos trouxas.
O fato – contra o qual falecem todos os argumentos especiosos – é que os procuradores da força-tarefa da Lava Jato (independentemente de todos os erros políticos e eventualmente jurídicos cometidos por Toffoli e Moraes) não querem ser investigados. Vazam compulsivamente, vazam sistematicamente, vazam por método e estratégia de poder, mas não querem admitir que cometem tal crime. E vazam, preferencialmente, para O Antagonista, porta-voz oficioso de sua facção.
Por certo, nem todos os jornalistas e analistas caíram na armadilha. Maria Cristina Fernandes, por exemplo, no Valor Econômico de ontem (18/04/2019), escreveu corretamente:
“Com a censura à revista “Crusoé”, o “amigo do amigo do meu pai”, junto com seu colega togado, Alexandre de Moraes, acordaram o antipetismo e o colocaram no mesmo palanque daqueles que, estejam à direita ou à esquerda, simplesmente não aceitam uma imprensa censurada. O presidente do Supremo contra quem no processo nenhuma prova de malfeito há, deu ainda ao presidente Jair Bolsonaro a oportunidade de posar em defesa da liberdade da mesma imprensa com a qual tem tido litigiosa convivência.
Ainda foi capaz de unir toda a imprensa em defesa de uma publicação digital cuja antipatia pelo mercado da informação é traduzido pelo slogan “ilha de jornalismo”, sugerindo que todo o entorno é pântano. Dos processos que o site “O Antagonista”, costela que deu origem à “Crusoé”, acumula, alguns são movidos por jornalistas, caminho que pode ser seguido por qualquer um, até pelo presidente do Supremo. Isso não impediu que a imprensa e suas entidades de classe saíssem em defesa da revista e da liberdade de expressão.
Toffoli e Moraes foram além. Ressuscitaram, no Senado, as articulações por uma CPI da Toga, ou mesmo pelo impeachment de ministros. Com uma composição mais renovada que a da Câmara, a Casa se move, em grande parte, por redes sociais. Nas 24 primeiras horas depois da censura, a Bytes identificou a publicação de mais de meio milhão de tuítes em reação ao Supremo, liderados pela #ditatoga.”
A democracia admite esse tipo de jornalismo praticado por O Antagonista e pela Crusoé. Mas os democratas não podem fingir que não sabem que estão diante de um jornalismo de facção que, inclusive, só se coloca ao lado dos demais órgãos de imprensa quando é para tirar alguma vantagem econômica ou política. Em geral eles fazem questão de se diferenciar de todos os demais veículos porque não é bem jornalismo o que fazem e sim negócio e antipolítica. São instrumentos de combate, no caso, de uma cruzada de limpeza ética, seguindo uma visão antipolítica de terra arrasada.
Agora, que a coisa tende a esfriar, talvez seja o caso de ver se restou algum saldo positivo de toda a confusão armada.
Muito bom que Bolsonaro tenha dito (pegando uma carona na besteira de Toffoli-Moraes e ao contrário do que praticou até agora) que a imprensa é essencial para a democracia. Vamos ver se ele vai orientar seus milicianos virtuais para não demonizarem mais a imprensa (como sempre fizeram). Amanhã, quando a mesma imprensa cobrar providências para o caso Queiroz-Flávio Bolsonaro e explicações para o cheque na conta da Michele, esperamos que ele elogie a liberdade de imprensa e diga: muito bem!
Pelo menos podemos zoar dizendo:
“Atenção bolsonaristas! Nada mais de falar extrema-imprensa. Nada de repetir Globo-lixo. Nada de demonizar a Folha. O capitão falou que a imprensa livre é a essência da democracia. Vocês não gostam de obedecer? Chegou a hora: obedeçam!”
É óbvio que isso não vai acontecer. Os ardores libertários dos liberticidas não vão durar 24 horas.


