Classificando as forças políticas pelo seu comportamento (e não apenas – nem principalmente – por sua ideias)
Critica-se, com razão, a divisão esquerda x direita (e a classificação esquemática e vazia: extrema-esquerda, esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita, direita, extrema-direita). Essa classificação é vazia porque se aplica a qualquer ambiente político: por exemplo, há uma esquerda no DEM e uma direita no PSTU; há uma extrema-esquerda no PT que seria considerada direita no PCO ou na UP.
Mas para superar esse tipo de classificação burocrática não se deve classificar as forças políticas apenas com base na ideologia que professam e sim pelo seu comportamento político. A tríplice repartição – socialistas, liberais e conservadores – não capta toda a gama dos comportamentos políticos realmente existentes. E, o que é mais importante, não capta os comportamentos políticos mais importantes na contemporaneidade. Não capta, por exemplo, os populismos – que são, no mundo atual, os principais adversários da democracia. E não capta, por fim, as forças democráticas ou as que estão no campo da democracia.
Para caracterizar as forças políticas pelo seu comportamento (e não somente pelas suas crenças, reais ou declaradas) temos de considerar, basicamente, populistas e democratas.
Os populistas contemporâneos, em geral, aceitam a democracia, mas usam seus mecanismos e instituições contra a própria democracia. Os democratas, por sua vez, apostam na democracia, não querem adotá-la instrumentalmente, como meio tático para subvertê-la mais adiante, mudar o seu DNA ou chegar a outro tipo de regime. Tomam a democracia como valor universal e como principal valor da vida pública (e se comportam condizentemente com isso).
Não estamos falando de ideias, de adesão a um corpo doutrinário, e sim de comportamentos políticos. Populistas e democratas são dois tipos de comportamentos políticos.
Os populistas veem a sociedade como dividida em uma única clivagem – povo versus elite – e se comportam encorajando essa polarização e praticando a política como guerra do “nós” contra “eles”. Além disso, os populistas são majoritaristas, quer dizer, imaginam que é preciso fazer maioria em todo lugar, acumulando forças para conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido (ou de um grupo ideológico que faz as vezes de partido), visando a nunca mais saírem do governo que conquistaram eleitoralmente (sim, uma das características dos populistas é que eles não saem facilmente do poder apenas através do voto).
Paradoxalmente, para os populistas, democracia se reduz à eleições. Assim como Eco falou daquele “fascismo eterno”, para os populistas a política é a “eleição eterna”: guerra o tempo todo. Uma eleição começa quando o resultado da eleição anterior é anunciado. É assim que praticam sua política adversarial: usando as eleições contra a democracia.
Ademais, os populistas acham que as minorias políticas (antipopulares) não devem ser toleradas (e devem até ser deslegitimadas) quando impedem a realização das políticas populares. Avaliam que a legalidade institucional (o sistema, erigido para servir às elites) não deve ser respeitada quando se contrapõe aos interesses do povo (dos quais eles se acham os únicos intérpretes legítimos).
Os democratas, por sua vez, acham que é normal que a sociedade esteja dividida entre muitas – e, às vezes, transversais – clivagens e se comportam lidando com essas clivagens por meio de um debate aberto e livre, sob uma cultura política que valoriza a moderação e busca o consenso. Se comportam, em qualquer caso, respeitando o Estado de direito e os direitos das minorias.
Há também os antidemocratas (os que recusam a via eleitoral ou promovem farsas eleitorais), como os monarcas absolutistas, os ditadores comunistas ou islamistas-fundamentalistas e/ou os chefes de regimes teocráticos. Exemplos: Kim Jong-un, Xi Jinping, Ali Khamenei, Mohammad bin Salman e Abdul Fatah Khalil Al-Sisi. No Brasil essas forças políticas são vestigiais e não serão consideradas nesta classificação.
OS POPULISTAS CONTEMPORÂNEOS
Dentre os populistas contemporâneos, temos os neopopulistas (que se dizem de esquerda). Exemplos: Chávez, Evo, Correa, Lugo, Funes, Lula, Boulos. Alguns neopopulistas (que se dizem de esquerda e antifascistas) já viraram ditadores, como Maduro e Ortega.
Ainda entre os populistas contemporâneos, temos os populistas-autoritários (que se dizem conservadores, mas são reacionários ou retrogradadores; ou que se dizem de direita, mas se comportam como extrema-direita fascistoide ou nazistoide). Exemplos: Trump, Bolsonaro, Orbán, Kaczyński, Salvini, Farage, Le Pen.
OS DEMOCRATAS (E OS QUE ESTÃO NO CAMPO DEMOCRÁTICO)
Dentre os democratas, temos os democratas formais que acham que democracia se reduz à eleição, compreendendo também os que fazem da política uma profissão: são os populistas à moda antiga, como os demagogos, os fisiológicos e, não raro, os que praticam a política como negócio privado (e podem mais facilmente resvalar para a corrupção). Exemplo: o chamado “centrão” no Brasil. Eles estão no campo democrático porque não têm nenhum interesse em mudar o regime democrático formal, realmente existente (que é o seu ganha-pão).
Temos também, entre os democratas, os liberais-políticos clássicos. Exemplos: Ulisses Guimarães, Severo Gomes.
E temos os democratas inovadores (ou democratas radicais), que defendem a democracia que temos para alcançar as democracias que queremos, quer dizer, não para mantê-las como são (ou estão), mas para dar continuidade ao processo de democratização. Estes, aliás, sempre foram minoria e atuam como agentes fermentadores do processo de emersão da opinião pública. A democracia não teria surgido sem inovadores como Clístenes e Efialtes na Atenas clássica (que desconstituíram a autocracia dos psistrátidas assentada no poder das famílias da aristocracia fundiária); nem teria sido reinventada pelos modernos, não fosse o papel inovador dos parlamentares ingleses que editaram os Bill of Rights (resistindo ao poder despótico de Carlos I). São minoria porque fermento não é massa e porque não se comportam tentando arrebanhar seguidores.
Entre os democratas temos ainda os conservadores que tomam a democracia como valor universal e principal valor da vida pública. Exemplo: Tancredo Neves.
Há, por último, os conservadores e os liberais-econômicos (os incorretamente chamados neoliberais, mas também os liberistas) que não tomam a democracia como valor universal e principal valor da vida pública, mas que aceitam o regime democrático, seja pela falta de outro regime que julguem melhor, seja para usar a democracia contra a democracia (e, neste caso, situam-se no campo dos populistas-autoritários). Estes últimos não têm qualquer pejo de servir a ditadores e não podem ser situados no campo democrático. Exemplo: Paulo Guedes.