Estamos lançando – uma rede de amigos e amigas conectados à Escola-de-Redes e ao Projeto Democracia – uma nova iniciativa de aprendizagem da democracia voltada para a inovação política e social.
Sabe-se que não existe democracia sem democratas, quer dizer, sem liberais-políticos. Constata-se hoje, porém, um deficit de liberais-políticos (democratas convictos). Mas liberais-políticos não se formam espontaneamente em volume desejável porque a cultura predominante não é liberal e porque está um curso uma recessão e uma desconsolidação democráticas. Vivemos atualmente sob uma terceira onda de autocratização. Assim, é necessário proporcionar processos de aprendizagem da democracia.
A democracia foi a maior inovação social (sim, social, não apenas política) já surgida na história. No entanto, nem todos que aceitam a democracia e convivem bem com ela são inovadores. Vivemos um período da história (sombrio, como diagnosticou recentemente Edgar Morin) em que a inovação política entrou em depressão e a inovação social praticamente desapareceu. Assim, iniciativas de educação política devem hoje contribuir para ensejar o surgimento de liberais-políticos, em especial de democratas inovadores. No entanto, dela também devem fazer parte outros liberais-políticos, como os democratas conservadores e os democratas formais (além dos seguidores de doutrinas do liberalismo-econômico que ainda não tomam a democracia como um valor universal e como principal valor da vida pública).
Dizendo de modo inverso, iniciativas de educação política deveriam servir para desestimular o surgimento de populistas (ditos de esquerda ou de direita), de liberais-econômicos que não priorizam a democracia e, se for possível, de antidemocratas não-eleitorais (que hoje são forças políticas vestigiais).
O objetivo é ensejar o surgimento de agentes fermentadores da formação de uma opinião pública democrática capazes de não só defender a democracia, mas também de contribuir para caminharmos da democracia que temos em direção às democracias que queremos.
A ideia, portanto, é simples. Configurar ambientes de formação de democratas que possam capacitar agentes para atuar na grande mídia, nas mídias sociais, nas escolas, universidades e organizações da sociedade e em outras instituições, nos parlamentos e executivos, eventualmente no ministério público e no judiciário. Pessoas que tenham uma visão mais profunda e abrangente da democracia, que integrarão turmas com alta interatividade.
Haverá um projeto piloto, com duração limitada (de 18 meses), chamado Casa da Democracia. O objetivo é testar processos de aprendizagem (tanto do ponto de vista dos itinerários ou conteúdos, quanto do ponto de vista das metodologias ou dinâmicas) com até, no máximo, uma centena de participantes. Dependendo da avaliação desse projeto piloto, será implantada então a iniciativa, mais ampla e definitiva, que funcionaria como uma espécie de “universidade” da democracia.
O projeto piloto será mantido por um conjunto de patronos (ou sponsors) e de associados, que terão direito a indicar um número determinado de alunos para frequentar os cursos.
Serão oito os itinerários de aprendizagem disponíveis na fase piloto do projeto.
Itinerário 1 | O primeiro itinerário será composto pelos romances distópicos clássicos: A nova utopia, de Jerome K. Jerome (1891), Nós, de Yevgeny Zamyatin (1921), Admirável mundo novo, de Aldous Huxley (1932), O zero e o infinito, de Arthur Koestler (1941), A revolução dos bichos e 1984, de George Orwell (1945, 1949), Fahrenheit 451, de Ray Bradbury (1953), O senhor das moscas, de William Golding (1954), Um dia na vida de Ivan Denisovich, de Alexander Soljenítsin (1962), Duna, de Frank Herbert (1965), O conto da aia, de Margaret Atwood (1985) etc. Cada livro é uma estação no percurso de aprendizagem. O objetivo é conhecer padrões autocráticos em “estado puro” nas distopias para reconhecê-los em situações reais da nossa experiência.
Itinerário 2 | Outro itinerário será composto pelas perguntas usuais que questionam a democracia, do tipo: Como pode haver verdadeira liberdade (e democracia) sem um mínimo de igualdade (cidadania plena)? De que adianta ter democracia se o povo passa fome (ou como pode haver democracia política enquanto não for reduzida a desigualdade social)? Um líder identificado com o povo não pode fazer mais (pelo povo) do que instituições cheias de políticos corruptos controlados e financiados pelas elites? Como a democracia pode funcionar direito quando faltam aos cidadãos os conhecimentos necessários para interpretar a realidade social e escolher conscientemente os melhores caminhos? Os seres humanos, abandonados à sua própria sorte, sem uma direção política capaz de conduzi-los, não acabarão entrando em luta uns contra os outros, instaurando um verdadeiro caos social? E muitas outras. O objetivo é responder às objeções comuns à democracia que permanecem sendo repetidas ad nauseam por autocratas e analfabetos democráticos.
Itinerário 3 | Um terceiro itinerário será composto por leituras dos textos teóricos fundamentais da “tradição” democrática, escritos por pessoas como: Althusius (1603), Spinoza (1670, 1677), Rousseau (1754, 1762), Jefferson (e o network da Filadélfia: 1776), “Públius” (os “Federalistas” Hamilton, Jay e Madison: 1787 a 1788), Paine (1791), Tocqueville (1835-1840, 1856), Thoreau (1849), Mill (1859, 1861), Dewey (1927, 1937, 1939), Popper (1945), Arendt (1950-9, 1958, 1963), Lefort (1981), Castoriadis (1986), Maturana (1985, 1993), Rawls (1993), Sen (1994, 1999), Dahl (1998) et coetera. Além, é claro, dos textos clássicos, como: A Constituição dos Atenienses do Pseudo-Xenofonte; As Memoráveis e A Apologia de Sócrates de Xenofonte; A República, O Político e As Leis de Platão; A Política de Aristóteles e a Constituição de Atenas atribuída a Aristóteles; A História da Guerra do Peloponeso de Tucídides; a História de Heródoto etc. Novamente, cada escrito é uma estação. O objetivo é captar o genos da democracia.
Itinerário 4 | Um quarto itinerário será composto pela investigação da democracia como modo-de-vida, ou seja, da democracia no sentido forte do conceito: como processo de desconstituição de autocracia, onde quer que ela se manifeste, não apenas no Estado e sim também nas organizações da sociedade (como a família, a escola, a igreja, a corporação – incluindo a universidade -, o quartel, as organizações da sociedade civil e a empresa hierárquica). O objetivo é investigar como se pode experimentar a democracia para desprogramar cinco a seis milênios de cultura autocrática.
Itinerário 5 | Um quinto itinerário será composto por uma coleção de rankings sobre a democracia no mundo e de rankings (supostamente) correlatos nos últimos dez anos, como, de um lado, o Democracy Index da The Economist Intelligence Unit, o Freedom in the World da Freedom House, o V-Dem da Universidade de Gotemburgo e, por outro lado, o IP per capita, o PIB per capita (do Banco Mundial), o IDH (PNUD), o do WEF Global Competitivenes Index, o Ingelhart-Welzel Cultural Map of the World do WVS – World Values Survey, o do Pew Research Center etc. Cada estação é composta por uma comparação e por um questionamento das correlações encontradas. Este é um itinerário investigativo, onde o interagente se associa a um esforço coletivo de encontrar correlações entre indicadores de democracia e outros indicadores que medem competitividade, fragilidade estatal, conflitos e governança e valores culturais, buscando corroborar ou falsificar a hipótese de que países mais democráticos tendem a ser mais socialmente cooperativos e economicamente competitivos, menos frágeis ou instáveis, menos vulneráveis a conflitos ou mais pacíficos, com melhor governança e com predominância de valores racionais sobre valores tradicionais e de valores de auto-expressão sobre valores de sobrevivência. E, além disso, encontrar classificações mais adequadas para categorizar as unidades de governança do ponto de vista do processo de democratização das suas sociedades.
Itinerário 6 | Um sexto itinerário terá como objetivo colocar os participantes a par do debate atual sobre democracia, acompanhando a literatura e as controvérsias mais recentes, publicadas nos periódicos especializados como o Journal of Democracy e outras revistas semelhantes. É preciso saber o que estão pensando sobre o assunto pessoas como – para citar apenas alguns exemplos – Adam Przeworski, Francis Fukuyama, Larry Diamond, Donald L. Horowitz, Marc F. Plattner, Ronald F. Inglehart, Christian Welzel, Roberto Stefan Foa e Yascha Mounk, Takis S. Pappas, Paul Howe, William A. Galston, Mark Lilla, Daniel Ziblatt e Steven Levitsky, Timothy Snyder, David Runciman, Manuel Castells e também articulistas importantes como Michael Reid, Moisés Naím, Enrique Krauze e Mario Vargas Llosa, entre tantos e tantos outros.
Itinerário 7 | Um sétimo itinerário será composto por uma visão social da democracia e é dedicado à investigação das relações entre democracia e redes sociais. O objetivo é pensar em novas formas de democracia mais adequadas a uma emergente sociedade-em-rede. As estações são compostas por uma releitura dos grandes temas do estudo da democracia, como: as invenções da democracia; a fenomenologia da interação em mundos altamente conectados; política, verdade, ciência e opinião; política, guerra e paz; liberdade e igualdade; democracia como regime da maioria ou das múltiplas minorias; falhas genéticas da democracia; princípios democráticos; política como utopia da democracia; a democratização ou radicalização da democracia; novas características da democracia na sociedade-em-rede etc.
Itinerário 8 | Finalmente, um oitavo itinerário enfrentará o problema da inovação política e social. Além de reinterpretar os temas óbvios: livre mercado, redução da participação do Estado na economia, reformas, responsabilidade fiscal, corte de impostos e privatização – que deveriam constar da pauta obrigatória de qualquer liberal (não exclusivamente dos liberais-políticos), serão abordados temas relacionados à defesa da democracia e à continuidade do processo de democratização (da sociedade, do Estado e do padrão de relação Estado-sociedade). Farão parte desse itinerário alguns temas inovadores que ainda não entraram na pauta de grande parte dos liberais como, por exemplo: a crise e os limites da democracia representativa e a experimentação de novas formas mais interativas de democracia numa emergente sociedade-em-rede; o federalismo e a crise do Estado-nação; a superação da contraposição localismo não-cosmopolita (tipo America First) x globalismo e a realidade emergente da glocalização; a superação da contraposição estiolante monoculturalismo x multiculturalismo: rumo à inevitável (e desejável) miscigenação cultural; a inadequação da classificação e da divisão das forças políticas em esquerda x direita; e o envelhecimento da divisão entre visões mercadocêntricas e estadocêntricas do mundo: a sociedade como forma autônoma (subsistente por si mesma) de agenciamento, além (ou ao lado) do mercado e do Estado. Também serão discutidas novas experiências de democracia que sejam: mais distribuídas, mais interativas, mais diretas, com mandatos revogáveis, regidas mais pela lógica da abundância do que da escassez, mais vulneráveis ao metabolismo das multidões e mais responsivas aos projetos comunitários, mais cooperativas, mais diversas e plurais (não admitindo apenas uma única fórmula internacional mas múltiplas experimentações glocais).
Na fase piloto, o projeto incluirá, simultaneamente, os oito itinerários no seu programa principal, presencial e a distância. Esse programa principal se realizará em 12 meses, compreendendo 4 imersões presenciais de 5 dias, intervalos de 2 meses entre cada imersão para leituras (6 meses de leitura no total) e 4 webinars online (quinzenais, de 2 horas cada) nos intervalos para conversação.
Também haverá, na fase piloto, uma versão online resumida.
Se você se interessou pela proposta e quer se associar à iniciativa, apoiando-a, escreva para [email protected] para receber um ebook com o projeto piloto completo e as diferentes modalidades de adesão.



