Depois de organizarem atentados ao Estado de direito, em Brasília, no último 24 de maio, as centrais sindicais (dirigidas, em sua maioria, pelo PT) querem agora colocar a culpa em “infiltrados” (insinuando, alguns, que eles seriam da própria polícia) ou em Black Blocs que teriam aparecido do nada para tocar o terror na Esplanada.
Quer dizer que foram esses “infiltrados” que alugaram e pagaram 500 ônibus, trazendo estudantes já armados e paramentados para a guerra de universidades de vários lugares do país?
Os “infiltrados” também levaram carros de som? Foram esses supostos Black Blocs que, do alto desses carros de som, incitavam a multidão para o confronto com a polícia, orientando pular as barreiras e invadir o Congresso e o Palácio do Planalto?
Aquele rapaz – estudante de física em São Carlos – que ia arremessar um rojão na polícia e que, por acidente, perdeu parte da mão, era também um “infiltrado”? Foram os Black Blocs que pagaram sua passagem? Quem alugou o ônibus em que ele veio?
Que os petistas, que organizaram tudo – inclusive em reunião realizada na véspera, dentro do Congresso Nacional – deem agora essa desculpa esfarrapada, ao verem que pegou mal a violência e a depredação de prédios e equipamentos públicos, entende-se. A tática é essa mesma: provocar a violência e depois dizer que a manifestação era pacífica e que a violência foi introduzida pela polícia ou por estranhos ao movimento. É incrível que ninguém se pergunte por que essa galera chegada a uma guerra só se infiltra em manifestações do PT. Nas grandes manifestações sociais de 2015 e 2016 eles não apareciam: onde será que estavam?
Agora, cá entre nós, que jornalistas e analistas políticos, no Jornal das 10 da Globo News (ontem, 25/10), repita isso como se fosse verdade, sem sequer expressar uma suspeita, aí já é demais. É manipulação deliberada da opinião pública.
O fato, que já é impossível negar, é que a Globo aderiu ao Fora Temer. É um direito da empresa fazer isso. Assim como é um direito nosso denunciar que, para alcançar tal fim (inviabilizar o governo, forçando a renúncia do presidente), ela vem adotando todos os meios, sobretudo a manipulação deliberada da opinião pública. Os noticiários da Globo deram destaque para a polícia atirando em manifestantes ou para os populares feridos no confronto. Fizeram isso sem qualquer pejo, inclusive repetindo a mesmas cenas. Nenhuma imagem das depredações, incêndios, agressões dos manifestantes. Foi escandaloso. Ficou claro que, para a Globo, os meios justificariam os fins.
Qual é o fim nobre que a Globo perseguiu ao aderir na primeira hora à divulgação do “furo” de Lauro Jardim? Independente das possíveis culpas de Temer e de seus auxiliares, por que entrar tão decididamente naquilo que ficará conhecido como a “Operação 24 horas” (pois o objetivo era fazer Temer renunciar em 24 horas, sem nem mesmo conhecer o que havia na gravação contra ele)? E por que, visto o flop inicial (de vez que não havia na gravação, que só foi divulgada muito depois, motivo suficiente para condenar o presidente: a não ser uma suposta prevaricação – de não ter dado voz de prisão ou denunciado o interlocutor – da qual nenhum Presidente da República foi cobrado) a emissora continuou (e continua, até agora) insistindo na tese?
O articulista da Folha de S. Paulo, Marcelo Coelho, percebeu parte disso (é preciso ser um completo idiota para não perceber nada) e publicou o seguinte artigo:
Sem vozes divergentes, Globo embarca em precipitações no caso Temer
Marcelo Coelho, Folha de São Paulo (24/05/2017)
Por essa os adversários de Michel Temer não contavam. Veio da Rede Globo o noticiário que torna praticamente inviáveis as reformas liberais de seu governo.
Surgem algumas tentativas de explicação. No mesmo dia da denúncia, alguém no Facebook postava que o propósito da Globo era tirar Temer para… fortalecer Aécio Neves!
Como o senador tucano resistiu menos ainda às notícias, há quem elabore uma nova teoria. Sabendo que Michel Temer não tem popularidade para fazer mudanças na Previdência, a poderosa emissora resolveu sacá-lo do Planalto para eleger a ministra Cármen Lúcia, do STF.
Faz-se qualquer raciocínio, como se vê, para evitar uma admissão bastante simples: a Globo trouxe alegrias à esquerda, e promoveu para Lula e Dilma uma vingança com que eles jamais poderiam ter sonhado.
Não acho que seja por fanatismo toda essa má vontade com a Globo. Seria, sobretudo, um hábito mental.
Desde a campanha pelas Diretas-Já, em 1984, a Globo deu sinais de se recusar a perceber a realidade. Houve o caso Proconsult, em que a divulgação de resultados eleitorais incompletos ocultava a iminente vitória de Leonel Brizola no governo do Rio, em 1984.
Veio a invenção de Fernando Collor e a escolha seletiva dos trechos de seu último debate com Lula.
Falar mal da Globo se tornou, desse modo, uma reação automática diante de qualquer notícia que prejudicasse a esquerda e o PT; havia razões para isso, naquele tempo.
Desde o mensalão, os simpatizantes de Lula ajustaram um pouco sua tática. São raras as afirmações de que o escândalo foi totalmente inventado. Prefere-se dizer, por exemplo, que “nunca houve mensalão” porque as doações a deputados não eram mensais…
Ou, mais frequentemente, diz-se que todos os partidos cometem irregularidades, e que a “mídia” escolhe apenas as do PT para denunciar.
E agora? Em intensidade e concentração no tempo, os ataques a Temer e Aécio foram piores do que qualquer coisa já feita pela Globo.
Não me convencem as teorias conspiratórias. Talvez o fenômeno a identificar seja menos diabólico, mas ainda assim preocupa.
O noticiário sobre corrupção se alimenta diretamente do Ministério Público e da Polícia Federal. É difícil para os repórteres investigativos entrar em competição com um grande contingente de investigadores. Ademais, não contam com a ajuda da delação premiada.
Sobrevém então a lógica do “furo jornalístico”. Se um órgão de imprensa ou emissora de TV consegue acesso exclusivo a uma informação, terá muita pressa em divulgá-la antes da concorrência.
Não digo que jornalistas de grandes veículos aceitem qualquer informação sem checagem. A excitação diante da notícia sensacional pode entretanto diminuir sua cautela.
No caso da carne contaminada, vimos isso acontecer. A Polícia Federal fez tamanho escarcéu com sua operação a respeito de propinas de frigoríficos que, por um dia ao menos, o noticiário nacional deu a entender que estaríamos intoxicados na primeira fatia de churrasco.
Por 24 horas, igualmente, a Rede Globo noticiou a conversa entre Temer e Joesley Batista, ressaltando que o “tem que continuar” era uma autorização para comprar o silêncio de Eduardo Cunha.
Ninguém tinha ouvido a gravação. Foi, a meu ver, uma irresponsabilidade. Seguiu-se, sem avaliação própria, a interpretação dada pelas autoridades, como se não houvesse qualquer dúvida possível.
Tudo seria melhor se a Globo tivesse outro estilo, e outros padrões, na apresentação de seu noticiário –e nisso as tradicionais críticas da esquerda à emissora fazem sentido.
Assisti à GloboNews naquele dia. Como todos sabem, a emissora conta com um excelente grupo de jornalistas e comentaristas, muitos deles antigos colegas aqui da Folha.
O problema é que não havia uma visão divergente. Seis profissionais muito competentes “passam a bola”, como eles dizem, uns aos outros, mas o jogo se assemelha a uma cobrança de pênaltis sem goleiro.
A regra se repete em muitos programas de debates, em que os convidados para falar sobre a crise política se dividem (não exagero demais) em tucanos de esquerda, tucanos de centro e tucanos de direita. Raro o programa (penso em Mario Sergio Conti) em que simpatizantes do “outro lado” são chamados a se manifestar.
O resultado, por mais que a Globo não seja nem de longe parecida com o que era há 30 anos, é indesejável. Talvez se ache que muita divergência confunde o espectador; quer comunicar-se com clareza, sem relativizar as coisas. Mas também quem comunica se trumbica.
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