in ,

O erro da estratégia bolsonarista inspira cuidados

Uma análise preliminar

Há um erro na estratégia bolsonarista (quer dizer, olavista). Para seu projeto dar certo é necessário mudar o regime político e não apenas conquistar eleitoralmente o governo.

Como se sabe o bolsonarismo é uma força política populista-autoritária. O problema é que o populismo-autoritário é uma via gradual, não um golpe de Estado tradicional. Orban levou uma década para conseguir transformar a democracia eleitoral húngara em (quase uma) autocracia eleitoral. Erdogan levou também o mesmo tempo para dar uma guinada autoritária na Turquia (e ainda precisou inventar ou aproveitar um golpe fajuto ou fracassado).

Ou seja, mudar gradualmente o regime (tornando-o i-liberal), a partir do governo, leva tempo. No Brasil, o PT não conseguiu fazer isso tendo à sua disposição mais de uma década e, além disso, um grande líder de massas.

Com Bolsonaro, a pretendida substituição da chamada “velha classe política” por uma legião de “desconhecidos obedientes” também vai demorar (no mínimo, mais duas eleições).

E a doutrinação escolar de uma nova geração – de bots programados com a “religião da pátria”, o anticomunismo ou o antiglobalismo – além de ser de difícil implementação, gasta – obviamente – o tempo de uma geração.

Também não dá tempo de ir eliminando os inimigos, um a um, através do justiçamento bolsolavajatista. O máximo que se pode fazer é amedrontar os que não se curvam (mas os amedrontados continuam discordando e, com raiva, resistindo subterraneamente). É claro que, com isso, nosso Estado ficará cada vez mais parecido com um Estado policial.

Os lavajatistas – aliados tácitos dos bolsonaristas – têm lá sua visão mais simplista: transformar a força-tarefa da Lava Jato numa nova instituição (na prática) acima dos poderes e ir esperando 2022 para lançar a candidatura de Moro (ou de outro justiceiro que aparecer).

Esse caminho, entretanto, exige conquistar maioria no STF (o que é quase impossível no curto prazo sem forçar a barra além do que permite o regime).

E também exige a formação de uma maioria minimamente sólida no Congresso. Esperar que os políticos se suicidem é inútil: eles não costumam fazer isso nem com a corda no pescoço.

Ademais, um governo que se dedica a autocratizar o regime, tornando-o menos liberal, concentra esforços no lugar errado, perde tempo e capacidade de governar, de apresentar bons resultados e tende, em consequência, a perder também popularidade. Com a perda de popularidade, fica mais difícil contar com a adesão do parlamento aos seus projetos. Estabelecido esse círculo vicioso, instala-se uma crise política permanente. O erro está aqui: o Brasil precisa de respostas no curto prazo, de medidas concretas, não de discursos ideológicos. Nem mesmo a (necessária) reforma da Previdência – de efeitos fiscais de médio e longo prazos – poderá substituir, no imaginário e na vida cotidiana da população, as providências que faltam.

Ou seja, sem um fato extraordinário – uma mega-catástrofe, um atentado terrorista de grandes proporções, uma guerra com um país vizinho, uma tentativa de golpe de Estado (desferida pelo “inimigo interno”), um colapso institucional – a estratégia que prevê operar uma mudança de regime a partir do governo demora muito para ser implementada, mais do que a paciência da população é capaz de suportar.

E ainda exige, adicionalmente, o fim ou uma restrição severa da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão em geral (o que, novamente, o regime democrático não permite).

Nada disso, porém, autoriza o otimismo dos nefelibatas. Quando o bolsonarismo descobrir esse erro vai tentar cavar as condições excepcionais que justificariam ou possibilitariam reduzir o tempo de implementação de sua estratégia.

Não é à toa que Olavo de Carvalho insiste na demonização da imprensa e propõe que Bolsonaro faça como Chávez (tenha um programa oficial de TV para responder aos “ataques” da imprensa e vender sua versão dos fatos).

Também não é à toa que Eduardo Bolsonaro e Ernesto Araújo apostaram (e continuam apostando) numa guerra com a Venezuela.

E, ainda, não e à toa a campanha, puxada pelos Bolsonaro Sons, contra o STF, soltando seus bolsonaristas mais sectários para pedirem a intervenção militar (via STM) no STF, sugerindo que a Corte pode ser fechada “por um cabo e um soldado” sem reação popular e propondo a tal Lava Toga (impulsionada pelo jornalismo cafajeste de O Antagonista).

Na ausência de uma mega-catástrofe, de um atentado terrorista de grandes proporções, de uma guerra com um país vizinho ou de uma tentativa de golpe de Estado (desferida pelo “inimigo interno”), os bolsonaristas mais desesperados apostarão no colapso institucional (jogando um poder contra o outro, denunciando escândalos de parlamentares e juízes, colocando sucessivas armadilhas para membros do STF via declarações e despachos de seus juízes bolsolavajatistas).

Diante de uma queda de popularidade de Bolsonaro, não se descarte, entretanto, uma escalada ainda mais insana, armando algum tipo de atentado terrorista (tipo uma “segunda facada” com motivos políticos mais explícitos, um confronto de um movimento social petista com as forças policiais que possa ser interpretado como terrorismo ou tentativa de golpe) – tudo para justificar a quebra da legalidade ou a instauração de uma nova legalidade de exceção.

E mesmo que os bolsonaristas não consigam nada disso, a guerra civil fria que estão instalando no país (via mídias sociais manipuladas, mas não só) dilapidará aceleradamente nosso capital social enfreando a continuidade do processo de democratização.

Ou seja, de qualquer modo, ao fim de apenas um mandato, na melhor da hipóteses, nossa democracia ficará menos liberal.

A distopia da esterilização e a prisão arbitrária de Temer

Filipe Martins, um meliante ideológico na alta assessoria de Bolsonaro