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Uma classificação política dos regimes políticos

A classificação de regimes com a qual venho trabalhando é simples.

Regimes políticos podem ser:

A) eleitorais ou

B) não-eleitorais.

A) Se forem eleitorais podem ser:

Aa) liberais ou

Ab) não-liberais.

Se forem liberais serão Aa1) democracias (propriamente ditas ou plenas).

Se forem não-liberais podem ser:

Ab1) regimes em transição democratizante (democracias formais),

Ab2) regimes em transição autocratizante (só benevolamente chamados ainda de democracias) ou

Ab3) regimes eleitorais autoritários (autocracias eleitorais: as novas ditaduras).

Em geral, os regimes eleitorais não-liberais em transição autocratizante são parasitados por populismos (quer pelo populismo-autoritário, dito de extrema-direita, quer pelo neopopulismo, considerado de esquerda).

B) Se forem não-eleitorais serão autocracias fechadas (as velhas ditaduras).

Essa classificação surgiu a partir de modificações das principais classificações adotadas pela Freedom House (FH), pela The Economist Intelligence Unit (EIU) e, principalmente, pelo V-Dem. Ela contempla cinco tipos de regimes políticos:

1) Democracias propriamente ditas (correspondendo ao estrato superior dos Free Countries da FH, às Full Democracies da EIU e parte das Liberal Democracies do V-Dem), que são regimes eleitorais liberais.

2) Regimes em transição democratizante (uma parte dos Free Countries da FH, uma parte das Flaweds Democracies da EIU e uma parte das Electoral Democracies do V-Dem), que são regimes eleitorais não-liberais formais (em geral não parasitados por populismos).

3) Regimes em transição autocratizante (o estrato inferior dos Free Countries e dos Partly-Free Countries da FH, uma parte das Flaweds Democracies e uma parte dos Hybrid Regimes da EIU e partes das Electoral Democracies e das Electoral Autocracies do V-Dem), que são regimes eleitorais não-liberais, em geral parasitados por populismos.

4) Regimes eleitorais autoritários (os Not-Free Countries da FH, algumas das Flawed Democracies e dos Hybrid Regimes da EIU e parte das Electoral Autocracies do V-Dem).

5) Regimes não-eleitorais autóritários (os Not-Free Countries da FH, os Authoritarian Regimes da EIU e as Closed Autocracies do V-Dem).

Um diagrama compreensível segue abaixo:

Essa é uma classificação política dos regimes políticos porque ela faz uma  distinção aplicável ao conflito mundial atual: a segunda grande guerra fria que já está em curso.

Não se sabe o valor de X e Y, apenas o da sua soma. Mas a análise política tem revelado, caso a caso concreto, os regimes eleitorais não-liberais considerados democracias eleitorais com governos populistas que estão se alinhando ao eixo autocrático. Por exemplo, África do Sul, Brasil, Bolívia, México, Colômbia, Gâmbia, Indonésia, Namíbia, Níger, Senegal, Serra Leoa subscreveram ou apoiaram a iniciativa do eixo autocrático, via África do Sul, de condenar Israel por genocídio. Politicamente, esses países não estão no mesmo campo dos regimes eleitorais não-liberais também considerados democracias eleitorais (porém sem governos claramente populistas), como, por exemplo, Austria, Bulgária, Canadá, Croácia, Georgia, Grécia, Lituânia, Malta, Moldova, Paraguai e Portugal.

Ou seja, o V-Dem classifica na mesma categoria (democracia eleitoral) tipos de regime que têm comportamentos políticos diferentes, o que dificulta a operacionalização política da classificação. Entende-se que a chamada ciência política não deva ser instrumentalizada politicamente para apontar ou justificar enquadramentos classificatórios que não derivem de critérios objetivos como os adotados pelo V-Dem:

O mais importante aí, para caracterizar uma democracia propriamente dita, liberal ou plena, é o valor do oitavo quesito, que diz respeito à medida em que o princípio liberal da democracia é alcançado. Valores baixos desse quesito redundam em uma democracia eleitoral, não-liberal.

Para os pesquisadores do V-Dem, da Universidade de Gotemburgo, “o princípio liberal da democracia enfatiza a importância de proteger os direitos individuais e das minorias contra a tirania do Estado e a tirania da maioria. O modelo liberal adota uma visão “negativa” do poder político na medida em que julga a qualidade da democracia pelos limites impostos ao governo. Isso é alcançado por meio de liberdades civis constitucionalmente protegidas, forte domínio da lei, um poder judiciário independente e freios e contrapesos efetivos que, juntos, limitam o exercício do poder executivo” (1).

Parece evidente que, com a ascensão dos populismos do século 21, esse princípio exige uma nova formulação:

O princípio liberal da democracia enfatiza a importância de proteger os direitos individuais e das minorias contra a tirania do Estado e a tirania da maioria (sendo, portanto, contrário ao majoritarismo e ao hegemonismo). Contempla a afirmação de modos-de-vida preferidos pela sociedade expressos pelos desejos das comunidades políticas democráticas, ensejando que a sociedade controle o governo (e nunca o contrário). Adota uma visão “negativa” do poder político na medida em que julga a qualidade da democracia pelos limites e condicionamentos impostos às instituições do Estado. Isso é alcançado por meio de liberdades civis constitucionalmente protegidas, forte domínio da lei, um poder judiciário independente [e contido em suas funções], freios e contrapesos efetivos, uma cultura política que valoriza a pluralidade política (compreendendo, inclusive, o reconhecimento das oposições democráticas como players legítimos e fundamentais para o bom funcionamento do regime, não encorajando a polarização introduzida pelos populismos) e a abertura para a interação com a sociedade que, juntos, limitam o exercício do poder executivo e balizam o funcionamento dos demais poderes estatais (2).

Regimes eleitorais não-liberais parasitados por populismos, mesmo que sejam chamados de democracias eleitorais, respondem muito fracamente ao quesito em tela (o princípio liberal da democracia). Algum elemento liberal sempre haverá, a rigor, em qualquer regime (enquanto existir sociedade humana). No entanto…

(Continua)

Notas

(1) Cf. Anna Lührmann, Marcus Tannenberg e Staffan Lindberg (2018), no fundamental artigo Regimes of the World (RoW): Opening New Avenues for the Comparative Study of Political Regimes <https://doi.org/10.17645/pag.v6i1.1214>.

(2) Franco, Augusto (2023). Como as democracias nascem. São Paulo: Casas da Democracia, 2023.

The New York Times: Como o Hamas usou a violência sexual como arma

Meus artigos de novembro e dezembro de 2023 na Crusoé