Assistimos, recentemente, a abertura de duas janelas de inovação social. Mas elas já se fecharam.
Na janela de inovação que se abriu entre 1989 e 1998 tivemos a queda do muro de Berlim e o declínio do socialismo real, o surgimento da World Wide Web e da nova ciência das redes (incluindo o conhecimento dos sistemas dinâmicos complexos adaptativos e dos processos de emergência e auto-organização), a ascensão do chamado terceiro setor, as teorias do capital social e a experimentação de uma nova geração de políticas sociais (entendidas como indução do desenvolvimento social) baseadas no investimento em capital social. Quando essa janela se fechou voltamos à década de 80.
Na janela de inovação que se abriu entre 2008 e 2014 ocorreram swarmings civis em todo mundo (da Primavera Árabe, passando pelo Occupy Wall Street e pelos Indignados de Espanha, até a Revolução dos Guarda-Chuvas em Hong Kong) e descobrimos a nova fenomenologia da interação social em mundos altamente conectados, ensaiamos processos de open spaces, de cocriação interativa e de aprendizagem sem ensino, floresceram festivais de ideias e ocupações criativas de lugares apenas nominalmente públicos para criar ambientes comuns (commons, no sentido político do termo), surgiram casas colaborativas e tivemos o boom das startups. A única coisa realmente nova que continuou depois desse período foi o Blockchain (embora tomado apenas como mais uma tecnologia tradicional e usado de maneira velha, quer dizer, de modo mais centralizado do que distribuído). Esta janela também se fechou e voltamos novamente à década de 80 (ou antes).
Por isso se diz que, em termos de inovação social, não é que nós nos desatualizamos e ficamos para trás e sim que o mundo se desatualizou e nos deixou perdidos lá na frente.
Perdidos no tempo. Perdidos, até mesmo, uns dos outros. Não se acha mais as pessoas que, até anteontem, estavam aí, interagindo regularmente em miríades de projetos inovadores. Cada uma se trancou em sua vida privada e, com isso, virou uma pessoa privada interrompendo o caminho para se tornar uma pessoa comum (não no sentido de ordinária e sim no sentido de commons).
Quando cada janela se fecha é porque há uma onda regressiva. A primeira grande onda regressiva veio após o atentado ao World Trade Center, em 2001, com o unilateralismo, a guerra fria contra o terrorismo e a ascensão dos neopopulismos ditos de esquerda (gente como Chávez e Putin tomaram o poder para alterar os regimes que os elegeram e nunca mais sair do governo).
A segunda grande onda regressiva veio com a ascensão dos populismos-autoritários, ditos de extrema-direita. Ainda estamos nesta segunda onda, que se avoluma. Trump pode ser reeleito nos USA; Erdogan, Orbán, Kaczynski e Duda e Salvini avançam na Europa. Levantamento do jornal inglês The Guardian no fim do ano passado revela que, há duas décadas, 7% dos europeus votavam em candidatos populistas, de diferentes espectros e agora esse número passou para 25%. Qual o problema? O problema é que o populismo configura ambientes avessos à inovação.
E, ao que tudo indica, no curto e médio prazos, as coisas não vão melhorar. Vão piorar.
Para entender a situação em que estamos no final desta segunda década do século 21 é necessário acompanhar as análises sobre a recessão (que começou por volta de 2007) e a desconsolidação democrática em curso (sobretudo a partir de 2014) no mundo e no Brasil. É necessário entender também que já estamos sob a influência de uma terceira onda de autocratização. E, por último, é preciso perceber que a democracia não é mais o único caminho para a prosperidade, como se acreditava (e propagava a ideologia neoliberal). Modernização e autoritarismo passaram a andar juntos. Países autocráticos estão se aproveitando dos mecanismos e processos econômicos liberais, próprios do capitalismo, sem adotarem, entretanto, instituições e procedimentos políticos liberais, ou seja, sem percorrerem a transição para a democracia. E países democráticos estão começando a tentar fazer uma transição inversa, capitaneada por alianças entre economistas-liberais e populistas-autoritários.
Ora, tudo isso deformará o campo social de tal modo que será um milagre se restar algum traço de inovação social (ou de fabricação de futuro novo – pois é isto, exatamente, o que significa inovação social). Ou seja, para citar o título de uma sugestiva obra de Jane Jacobs (2004): Dark Age Ahead!
Para atravessar esse período tenebroso que teremos pela frente – sem virar pessoas privadas – precisaremos também inovar em nossos modos de vida. A vida cotidiana, tal como a levávamos, contando que os laços fracos – cf. GRANOVETTER, Mark (1973): The Strength of Weak Ties -, estabelecidos fortuitamente, continuariam nos salvando do isolamento, do ilhamento e da regressão para mundos fechados, terá de ser drasticamente alterada se quisermos sobreviver como inovadores sociais. Em campos sociais fortemente deformados as coisas não funcionam mais assim. Os déficits de confiança (ou de capital social), a partir de certo patamar, dificultam ou inviabilizam, até mesmo, novos relacionamentos. E a pessoa que você encontrar imprevisivelmente no shopping ou no bar da esquina, arranjará logo um pretexto para voltar para casa (se refugiando no seu cluster familiar que privatiza capital social).
Se você quiser trabalhar e viver de qualquer empreendimento inovador, mantendo-se como empregado ou como fornecedor isolado, em uma pequena, média ou grande empresa (mesmo que seja sua), pode esquecer. Não vai acontecer. Claro que você sempre poderá vender produtos ou serviços que outras pessoas precisem e queiram comprar, mas esses produtos e serviços não serão (ou tendem a ser cada vez menos) inovadores. Você poderá vender produtos e serviços de primeira necessidade (e. g. de alimentação, saúde, educação) ou truques para outras pessoas ganharem dinheiro (marketing) e, com o tempo que lhe restar, cuidar da sua família, assistir séries no Netflix ou viajar nos finais de semana. Mas isso significa apenas que você virou mais uma pecinha da máquina (ou da Matrix). E, na prática, mesmo que continue antenado, ligado no assunto, você não será mais um inovador social. Você pode até continuar falando sobre o tema, dando aulas e palestras sobre inovação (até para embalar os seus produtos e serviços), mas inovando mesmo você não estará mais. Inovador, como sabemos, é quem inova e não quem fala sobre inovação.
A única possibilidade, que se pode ver mais claramente desde agora, de sair do rebanho (não que você viva em algum rebanho e sim que você viverá como rebanho) é a volta à comunidade, seja comunidade de vizinhança ou de convivência em geral, de prática, de aprendizagem ou de projeto. Ou seja, você tem que inaugurar, juntamente com outras pessoas – em rede, mais distribuída do que centralizada -, novos mundos sociais, mundos-bebês. Em alguns casos, até para sobreviver você terá de fazer isso: pois quem vai querer lhe empregar para fazer um trabalho inovador ou vai querer comprar seus produtos e serviços inovadores – em termos sociais? Muito pouca gente. E cada vez menos gente.
Essa descrição pode ser julgada excessivamente pessimista, mas ela é só realista. Algumas pessoas gostariam de ouvir promessas radiosas de novos amanhãs que cantam. Mas isso seria apenas vender ilusões. Haverá trevas durante um bom período, não luz. Ou melhor, a luz ficará escondida, para ser cuidadosamente usada, protegida pela escuridão, em processos comunais de gestação de novas matrizes de pensamento e ação: como na Idade Média, antes do Renascimento.
Em outras palavras, para se achar no tempo perdido, os inovadores sociais vão ter que achar seus sensates e passar, de alguma forma, a viver e cocriar com eles.
Ludwig Wittgenstein (1929), ecoando Heráclito, escreveu que o mundo é o conjunto de eventos (e não de coisas). Mas agora é preciso dizer que mundos propriamente sociais (num sentido maturaniano do termo) são conjuntos de pessoas capazes de cocriar – em rede – novas pessoalidades comuns. Ou é isso, ou é vida de gado. Escolha.


