Existem sinais de que um golpe de Estado está em articulação no Brasil. O presidente e sua facção, incluídos os oficiais reformados palacianos, parecem envolvidos na aventura (ou, pelo menos, dispostos a pensar sobre ela). Desconhece-se em que medida isso conta com o apoio dos quartéis.
Há também uma fratura nos setores de maior riqueza e renda (do empresariado, sobretudo do agronegócio) e seus representantes políticos. Parte desses setores já abriu mão da democracia e está disposta a apoiar uma virada de mesa liderada por Bolsonaro e pelos militares, se houver chance de sucesso (quer dizer, se isso puder ser feito sem desorganizar a economia).
Há também setores das polícias militares e civis dispostos a apoiar uma aventura golpista.
De qualquer modo, é grande a probabilidade de haver contestação jurídica de um resultado das urnas de 2022 desfavorável a Bolsonaro (sobretudo se for apertado). A partir da contestação, que será obviamente negada pela justiça eleitoral, poderá haver um levante (ou uma incitação ao levante) da militância bolsonarista contra o TSE, imitando o 6 de janeiro trumpista.
O problema é que o Brasil é bem diferente dos Estados Unidos. As forças armadas de lá são mais profissionais e estão comprometidas com a Constituição, nunca tendo havido tentativa de golpe militar. Aqui, pelo contrário, existe um partido militar (ainda que informal), infectado com a ideologia do “inimigo interno”, que já tentou uma dezena de golpes de mão desde a proclamação da República (inclusive a proclamação da República).
Não se sabe até que ponto um levante contra a Constituição contará com o apoio do militares da ativa, mas percebem-se sinais de que muitos generais estão levando a sério a possibilidade de contestação legal de um resultado desfavorável.
O fato é que Bolsonaro só poderá continuar seu golpe processual (a erosão democrática) se for reeleito. Perdendo a eleição, para manter o ‘estado de golpe’ que alimentou até aqui, ele precisa dar um golpe à moda antiga mesmo.
Todavia, as chances de uma ruptura institucional desse tipo prosperar são pequenas no mundo atual. Os bolsonaristas sabem disso, mas qual a alternativa que eles têm? Deixar Bolsonaro, sem foro privilegiado, ser processado e, eventualmente, preso? E a questão é que não é só Bolsonaro que ficará vulnerável. Sua família também. Os influencers mais chegados, que chefiam sua facção, idem. E até os militares que transigiram com seus ataques ao Estado democrático de direito, idem-idem. Não havendo uma espécie de anistia preemptiva (o que é difícil, pois pressupõe reconhecimento de culpa), isso pode realmente acontecer. Não há evidências de que o bolsonarismo esteja disposto a se suicidar, com 30% de chances de vencer (o que é uma porcentagem absurdamente grande, não metabolizável pela democracia).
Nada é certo. Mas a cidadania precisa ser precaver.
Sim, nada é certo. Mas é preciso fazer alguma coisa além apostar todas as fichas na roleta do calculismo eleitoreiro.
Que fique claro. Não se diz aqui que vai haver um golpe de Estado no Brasil e sim que existem sinais de que um golpe de Estado está em articulação no Brasil. Por isso, os candidatos de oposição e seus partidos e os setores da sociedade que prezam a democracia devem se manifestar – de preferência articuladamente – em defesa do processo eleitoral, da Constituição e da legalidade institucional. Mas isso é só o começo.
Na verdade, seria preciso montar uma coalizão democrática com perspectivas de desdobramento para além de 2022. Do contrário ninguém acreditará que não se trata de um truque eleitoral, apenas para eleger Lula e, simultaneamente (o que é o mais grave) destruir todas as alternativas não populistas.
Se Bolsonaro crescer nas pesquisas (o que é improvável, mas em política tudo pode acontecer), Lula – se ainda estiver no primeiro lugar (o que é o mais provável) – deveria afastar o risco da sua reeleição, ou o risco de um quase empate sujeito à constestação, convocando uma frente democrática e, para tanto, anunciando um futuro governo compartilhado com todos os setores não bolsonaristas.
Ora, se – como dizem os lulopetistas – temos de votar em Lula, mesmo não concordando com ele, para evitar o mal maior que é a reeleição de Bolsonaro, por que então Lula não anuncia um futuro governo de coalizão democrática com todos os setores não bolsonaristas? Se o mal é tão grande assim…
Lula, entretanto, ao que tudo indica, não fará isso. Porque ele reconhece como forças legítimas apenas aquelas que o apoiam. Ele só quer o voto de todos para voltar ao governo. Ora, isso não é frente, não é aliança, não é concertação de um campo democrático. É apenas o velho hegemonismo populista.
O PT está, assim, condenado a vencer com larga margem de vantagem. Mas as pesquisas, até agora, não indicam que isso seja o mais provável.
Por tudo isso, é absolutamente necessário que haja uma via democrática (não-populista) disputando o pleito de 2022. Com um ou vários candidatos. Mesmo com poucas chances de vencer, mas com força suficiente para denunciar a tentativa bolsonarista de golpe de Estado e para atrair setores não bolsonaristas para uma resistência democrática na sociedade.
Porque o bolsonarismo não será removido apenas pelo voto. Mesmo perdendo a disputa eleitoral, esse imenso contingente antidemocrático, maior do que todos que já se formaram no Brasil, não vai desaparecer num passe de mágica. Ainda que fora do governo, vai continuar desestabilizando a democracia e tentando erodi-la por todos os meios ao seu alcance.