8 pontos para entender o momento político atual
1 – O velho sistema político apodreceu
Qualquer pessoa minimamente informada e com dois neurônios funcionando percebe que o velho sistema político apodreceu. A maioria dos agentes políticos entrega-se ao fisiologismo, comportamento político que floresce no ambiente de corrupção endêmica que caracteriza a velha política, contaminando todo o espectro partidário, seja de forças da situação quanto de oposição. Ainda que existam exceções individuais, não se pode excluir nenhuma força política da influência deletéria desse ambiente.
2 – O impeachment nasceu da oposição popular nas ruas
A grande novidade dos tempos em que vivemos é o surgimento de uma oposição popular, composta por pessoas comuns que se manifestaram autonomamente nas ruas de todo país em 2015 e 2016 pedindo, basicamente, o impeachment de Dilma, a prisão de Lula e a cassação do registro partidário do PT. Esta oposição popular não foi articulada e muito menos dirigida pela oposição formal, partidária. Aliás, praticamente não houve oposição no Brasil na última década. O principal partido de oposição, o PSDB, que recebeu 51 milhões de votos na eleição presidencial de 2014, traiu a voz das urnas e não fez oposição para valer (mantendo o mesmo comportamento vacilante, leniente e conivente com o PT, que já vinha adotando desde 2003). A proposta do impeachment não foi feita pela oposição partidária, que sempre se esforçou, pelo contrário, para preservar o governo do PT. Em 2005, logo após o escândalo do mensalão, os principais dirigentes tucanos atuaram decisivamente para salvar Lula do naufrágio oferecendo-lhe a tábua de salvação do palanque de 2006.
3 – Temer não representa a oposição popular
Temer não foi escolhido pelas ruas e não representa a oposição popular (que, como uma rede distribuída de milhões de pessoas, não tem liderança nem representantes). Ao assumir, Temer teve que formar o seu governo (e isso aconteceu há apenas 10 dias). Ele assumiu, por força do que reza a Constituição, porque é o vice-presidente. Assumiu o governo porque foi escolhido pelas urnas, ou seja, porque foi eleito em 2014 na chapa de Dilma Rousseff, afastada temporariamente no processo de impeachment. Não tinha como montar um governo com as Irmãs Carmelitas Descalças. Usou os agentes disponíveis no velho sistema político que, até ontem, estavam – como ele próprio – na base do governo Dilma (que nunca viu grande problema em ter como aliadas essas mesmas pessoas para poder governar). Montou então um governo de corte mais parlamentarista, baseado em indicações partidárias de deputados e senadores, buscando formar maioria no Congresso Nacional para aprovar as medidas necessárias à recuperação do país destruído pelos governos do PT.
4 – O sistema político continuou o mesmo depois do afastamento do PT do governo
O velho sistema político que apodreceu continua apodrecido depois do afastamento temporário de Dilma. Seus agentes corruptos, acossados pelo Ministério Público, pela Justiça e pela Polícia (em especial pela operação Lava Jato), percebendo que o vento que soprava das ruas era favorável ao impeachment, acalentaram o sonho de que a mudança de governo poderia ser uma saída para sua situação, o que – concretamente – não aconteceu. A Lava Jato e outras operações assemelhadas continuaram a todo vapor e não sofreram nenhuma restrição por parte do novo governo. Neste exato momento, por exemplo, está ocorrendo a “Operação Repescagem”, nome da 29° fase da Lava Jato que está nas ruas.
5 – O PT se aproveitou do velho sistema político corrupto para fazer sua “revolução pela corrupção”
A corrupção endêmica que caracteriza o velho sistema político – e praticada no varejo pelos seus agentes – foi parasitada pelo PT para esconder um esquema criminoso de poder baseado em outro tipo de corrupção, sistêmica e centralizada, que tinha como objetivo financiar uma espécie de Estado paralelo capaz de lhe garantir a conquista de hegemonia sobre a sociedade. Ou seja, o PT aproveitou a corrupção endêmica na política tradicional para esconder o esquema de corrupção sistêmica que montou. Assim, o PT fez todas as alianças que pode, com os agentes mais corruptos da política, para depositar seus ovos – o projeto neopopulista de dominação – dentro do corpo político corrupto. O processo é semelhante ao da reprodução daquela vespa parasitoide (a hymenoepimecis argyraphaga) que deposita seus ovos dentro da aranha (plesiometa argyra) e que, de alguma forma, controla a mente da aranha (ou a reprograma), que passa então a construir teias especialmente preparadas para receber as larvas que nascerão e para mantê-las seguras (até que, quando estão prontas, as larvas devoram a aranha de dentro para fora, saindo do corpo da hospedeira e se aproveitando da casa que ela construiu). E quanto mais apodrecido estivesse esse corpo, melhor para os resultados pretendidos por esse tipo de coprofagia política. Por isso o seu projeto jamais foi reformar o velho sistema político. E por isso o PT jamais se incomodou de ter como aliados os piores elementos da velha política. A corrupção dos aliados criava um campo de cumplicidade capaz de confundir a opinião pública, escondendo e protegendo seu verdadeiro projeto (que só poderia ser financiado com recursos do crime). A isto se chama de “revolução pela corrupção”.
6 – O PT não morreu com o afastamento de Dilma e tentará por todos os meios voltar ao governo
Ainda que tenha sofrido um baque considerável com o afastamento temporário (que na verdade tem tudo para ser permanente) de Dilma, o PT continua vivo. Como sabe que seu projeto neopopulista não funciona fora do governo, vai continuar tentando voltar ao governo federal, seja provocando um caos social para criar condições para que Dilma reassuma o posto dentro dos próximos 180 dias (do tipo “ruim com ela, pior sem ela”), seja nas eleições de 2018. Para tanto, o PT vai continuar insistindo na sua tese de que, uma vez que todos são corruptos, tanto faz o PT quanto qualquer outro partido (e melhor o PT porque, supostamente, está preocupado com os pobres). O caminho é tentar confundir a corrupção endêmica da política com a inédita corrupção sistêmica que articulou como caminho para tomar definitivamente o poder e nunca mais sair do governo. Com o avanço da operação Lava Jato e das outras operações conexas, o PT continuará tentando mostrar que ele é a única força capaz de barrar as investigações salvando todos das condenações. Como disse Lula, em gravação autorizada pela justiça e divulgada por Sérgio Moro: “Eu acho que eu sou a chance que esse país tem de brigar com eles [os procuradores] pra tentar colocá-los no seu devido lugar”. As revelações de hoje (23/05/2016) do jornal Folha de São Paulo, de conversa gravada entre Romero Jucá e Sergio Machado, sugerindo que o impeachment poderia suspender a Lava Jato e salvar o pescoço dos corruptos endêmicos, caem como uma luva na estratégia petista de voltar ao governo.
7 – Temer tem agora apenas uma chance
Com vários de seus ministros suspeitos de corrupção e investigados pela Lava Jato, Temer tem apenas uma chance: deixar claro que não compactua com nenhuma corrupção, nem a endêmica (do PMDB, do PP e de outros aliados menores), nem a sistêmica (do PT). Algum gesto simbólico deve ser feito, como o afastamento de Romero Jucá, ministro do Planejamento e um dos coordenadores do novo governo. Ora, mas Jucá, até há pouco, era destacado operador da base do PT. Ele foi escolhido, em 2006, líder do governo Lula no Senado, cargo que também ocupou na gestão da presidente Dilma. Sergio Machado, seu mal-intencionado interlocutor (que gravou a conversa divulgada hoje) foi nomeado presidente da Transpetro no governo Lula, em 2003, por indicação de Renan, presidente do Senado, aliado de Lula. Isso reforça a impressão das pessoas de que todos os políticos são iguais, todos são corruptos, confundindo providencialmente (para o PT), a corrupção endêmica com a corrupção sistêmica. Se não fizer nada, Temer – que nunca teve o apoio explícito da nova oposição popular emergente da sociedade – vai começar a atrair a má-vontade e talvez mesmo a ira das ruas. As pessoas vão pensar que, após tanto esforço que fizeram ao promover e participar das maiores manifestações políticas da história do país, foram no final enganadas. Se essa sensação se espalhar, Temer não só não conseguirá governar como poderá até cair. Pois diante da contrariedade das ruas, a própria base fisiológica de apoio a Temer, ficará tentada a refluir e a se vender para quem lhe der mais chances de futuro. E o PT está pronto para fazer suas ofertas, pois também sabe que, sem reconquistar essa base, não poderá voltar ao governo e, no limite, escapar da extinção. Portanto, a situação é grave e Temer tem apenas uma chance de se manter com um mínimo de estabilidade para poder cumprir o desiderato de seu governo, que é ser um governo de transição democrática.
8 – Ou Temer fará um governo de transição democrática ou não fará governo algum
Novamente: qualquer pessoa com dois neurônios funcionando não terá dificuldade de perceber que, nas condições herdadas por Temer, não há a menor possibilidade de ele fazer um governo de reformas profundas (que não foram feitas em décadas pelo sistema político). Assim, é inútil, errado, burro e contraproducente, tentar fazer, em 180 dias ou mesmo em dois anos, a reforma previdenciária, a reforma tributária ou fiscal, ou a reforma política. Os maus conselheiros que sugerem a Temer tais medidas, estão apenas querendo tirar as castanhas do fogo com a mão alheia. São os amigos da onça. Se não quiser perder a neutralidade ou o apoio passivo da sociedade brasileira, Temer tem que concentrar esforços para evitar a bancarrota econômica (o que, por si, já é muito difícil) e, sobretudo, executar aquelas 5 tarefas urgentes da transição democrática, a saber:
1 – Expor publicamente a situação deixada pelo PT em todas as áreas do governo, das estatais e de outros órgãos financiados com recursos públicos.
2 – Desaparelhar o Estado, demitindo os militantes petistas em cargos de confiança na administração direta, nas estatais, no Sistema S etc., e cortar definitivamente boa parte desses cargos.
3 – Iniciar uma campanha internacional de esclarecimento sobre o processo constitucional em curso no Brasil, desmontando a orquestração do golpe tramada pelo PT com ditaduras e protoditaduras latinoamericanas.
4 – Não permitir que Dilma use recursos públicos para fazer campanhas de não reconhecimento, de deslegitimação, de boicote e de sabotagem ao novo governo (seja erigindo um bunker no Palácio da Alvorada, seja montando equipes de militantes petistas para conspirar contra as instituições, seja viajando de avião da FAB para fazer comícios pelo Brasil contra as instituições do Estado democrático).
5 – Não permitir qualquer tentativa – por parte de auxiliares do governo – de aproximação e diálogo com o chefe da quadrilha (já apontado pelo Procurador Geral da República como tal) e que está na iminência de ser preso pela Lava Jato. Isso seria encarado, pela sociedade, como um tipo de conchavo inaceitável e de obstrução subjetiva à continuidade da operação.
A essas cinco tarefas, acrescenta-se agora, forçosamente, mais uma, em razão dos recentes acontecimentos:
6 – Reiterar o apoio total à operação Lava Jato e afastar liminarmente seus auxiliares que estão sendo investigados.
Se Temer não tiver coragem de fazer isso, é muito provável que perca a tímida simpatia da sociedade ou, pelo menos, a neutralidade das ruas. Passará todos os dias se explicando. Ficará na defensiva. Correrá o risco de assistir manifestações massivas contra seu governo. E se começar a soprar das ruas um vento desfavorável sobre a sua base de apoio, perderá inclusive essa base (independentemente dos cargos que quiser ofertar para mantê-la). Poderá até não cair, mas governo propriamente dito não fará nenhum.
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Atualização 17h00: Jucá caiu hoje a tarde. Temer é o primeiro presidente que afasta um investigado pela Lava Jato.
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