Lições de coprofagia política
O projeto do PT não era reformar o velho sistema político. Pelo contrário, nunca foi. A via neopopulista, autoritária e manipuladora, no Brasil representada pelo lulopetismo, quer se aproveitar das antigas conexões feitas pelos caciques corruptos para se enraizar na base da sociedade. O velho coronelismo (que era descentralizado) é então parasitado pelo partido e pelo seu líder (que passam a atuar de forma mais centralizada do que distribuída). Quanto mais sujeira, melhor para esse tipo de – como diremos? – coprofagia política. Foi o que fez o PT com o carlismo (à revelia dos próprios carlistas) na Bahia (e isso explica o sonho pirado de transformar o Brasil numa Grande Bahia, que felizmente naufragou – menos na Bahia). Onde há um Sarney, um Collor ou um Jader ainda vivos e que possam se avassalar procurando obter vantagens especiais, melhor ainda. O líder com alta gravitatem (o novo coronel) pode fazer assim o seu banquete preferido.
A desculpa, é claro, é a de que é preciso tomar as posições ocupadas pelas velhas elites para conquistar hegemonia sobre a sociedade: uma ideia gramscista. Mas a forma como essa via foi percorrida pelo neopopulismo, decaiu mais para uma espécie de neomaquiavelismo. Nada de considerações morais: uma vez no jogo da velha política, é preciso jogar o jogo. É preciso aprender com as elites como elas conseguiram se reproduzir no poder. Captada essa “técnica” – por meio da prática da realpolitik – é preciso usá-la para alcançar nosso objetivo (a conquista de hegemonia). Os neopopulistas queriam assim ser salvos pelo propósito, indiscutivelmente bom, pois a conquista de hegemonia é necessária para estabelecer um novo reino (da igualdade como condição para a liberdade e a abundância). Uma vez que o fim era bom, os meios (a replicação do comportamento das velhas elites) estariam absolvidos em qualquer julgamento ético.
O problema é que esse neomaquiavelismo – amoral por natureza – acaba transformando o fim generoso em mero pretexto para a prática do vale tudo. Diosdado Cabello – ex-Presidente da Assembleia Nacional da Venezuela e homem forte do chavismo – pode chefiar o narcotráfico, desde que isso seja feito em prol da revolução bolivariana (que nos levará para uma sociedade de mais igualdade). Lula pode lavar dinheiro do crime comprando, em nome de laranjas, triplex, sítio e várias empresas (para seus filhos) que se beneficiarão do tráfico de influência, pois ele livrou milhões da pobreza (e o seu reino, quando chegar, será de igualdade e de abundância para todos).
Mas a boa intenção do agente (quando há) não pode salvar o ambiente político das consequências práticas do seu comportamento. E como o agente é sempre coletivo e privado (um partido), quando esse agente adota a via neopopulista ele contamina o ambiente com esse tipo de comportamento, não se distinguindo mais, para todos os efeitos práticos, o partido de uma quadrilha. Os demais atores políticos aliados, corrompidos pelo partido que age assim, também se comportarão como quadrilhas. Pois como esses aliados não têm qualquer visão do futuro reino da igualdade (como condição para a liberdade), eles não podem ser recrutados por força da ideologia e, portanto, têm que ser comprados mesmo por vias ilegais (como se viu no mensalão e no petrolão). A estabilidade desse arranjo político é dada pela cumplicidade. Se todos estão no jogo e auferindo seus ganhos, não terão interesse em interromper o processo. Ninguém vai cuspir no prato de comeu. Todos viram comensais do banquete neopopulista. É assim que o banditismo de Estado, uma vez instalado, transforma todo o sistema político em uma constelação de organizações criminosas que se alimentam de merda.
Difícil saber como os “intelectuais orgânicos” desse projeto de poder, baseado numa fusão horrorosa de gramscismo com neomaquiavelismo, justificam tudo isso para si mesmos e para os seus interlocutores. Há a famosa justificativa Paulo Betti: “Política não existe sem mãos sujas. Não dá para fazer sem botar a mão na merda”. E no caso eles não colocam só as mãos… Mas parece óbvio que não é possível fazer isso sem uma boa dose de duplipensamento. O diabo é que, adotando o duplipensar, esses intelectuais inviabilizam qualquer diálogo na medida em que ficam invulneráveis ao questionamento racional e ao esclarecimento. Viram zumbis, com os quais é inútil conversar.
E agora vem o mais trágico. Mesmo tendo sido retirado do governo o partido que adota a via neopopulista, esses zumbis continuarão entre nós por muito tempo, se reproduzindo em todo lugar, sobretudo nas escolas e universidades.
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