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A chamada terceira via era apenas marketing eleitoral?

Lula está aproveitando uma correta convergência eleitoral que se constelou com o objetivo de remover Bolsonaro para dizer que governará com uma frente ampla. Mas não há frente ampla.

Frente ampla não se forma por cooptação

Não há frente ampla porque não há programa mínimo comum, nem coordenação interpartidária. Frente ampla não se forma por cooptação e sim por concertação.

Ao fazer isso, o PT está tentando cooptar pessoas que apoiaram Lula no segundo turno com o fito de desarmar qualquer oposição democrática ao novo governo. A consequência, voluntária ou não, desse movimento, será dizer que fazer oposição é uma espécie de golpe (pois restará apenas a oposição bolsonarista, que é antidemocrática e golpista mesmo).

Isso não é bom para a democracia. As democracias precisam de oposição democrática. Oposições democráticas são tão importantes quanto governos democráticos.

Para quê tentaram articular um centro democrático?

Os que lançaram, no 1º turno, candidaturas alternativas aos dois populismos que já polarizavam a disputa antes do processo eleitoral começar, o fizeram por que? Porque não queriam Lula nem Bolsonaro. Era o que eles diziam.

No 2º turno foi correto apoiar Lula para remover Bolsonaro. Mas entrar no novo governo é outra coisa. Quem entra num governo não pode mais criticá-lo publicamente.

Ora, se os que entrarem no governo não vão poder nem criticar o governo, então as críticas que faziam ao PT não tinham sentido? Neste caso, por que não apoiaram logo Lula no 1º turno? A menos que o PT tivesse absorvido essas críticas e mudado de posição – o que não aconteceu.

O PT não reescreveu o programa de governo Lula de sorte a ter um programa de uma frente ampla e uma coordenação interpartidária dessa frente. Apenas recebeu os apoios de 2º turno para derrotar Bolsonaro (e quase que não ganha), prometendo que acataria (ou estudaria) as sugestões apresentadas.

Digamos que o PT aceite as sugestões (como se diz, papel aceita tudo), até como um meio de capturar seus proponentes. Então vem a questão. Se todos os democratas vão para o governo, quem fará uma oposição democrática? Neste caso, o país só terá uma oposição bolsonarista – que, como já foi dito, é antidemocrática e golpista.

Ou será que eles ainda pensam que uma oposição democrática não é vital para o bom funcionamento da nossa democracia? Ou que uma oposição democrática só é necessária contra um governo autocrático?

Se os participantes do centro democrático (ou da chamada terceira via) agora acham que Lula e o PT podem representar seu ideário, a ponto de não se importar com deixar de existir como projeto político, então não deveriam ter, algum dia, tentado existir. Eis o ponto!

É compreensível que Marina tenha se aninhado no lulopetismo. Ela sempre foi de esquerda e seu partido Rede já havia se federado ao PSOL. Simone estava certa ao apoiar Lula contra Bolsonaro. Estará errada se abrir mão de articular um centro liberal independente. Ela fará isso ou será fagocitada pelo petismo?

É certo que, dado o nosso analfabetismo democrático, as pessoas, em geral, só pensam em eleição. Estão convencidas de que democracia se reduz à eleição. Aí, quando falam de Simone Tebet, dizem que vão votar nela em 2026. Mas o grande papel que Simone poderia cumprir é o de articular uma alternativa democrática liberal (quer dizer, não-populista) no Brasil. Não somente nas vésperas de 2026 (como marketing eleitoral) e sim a partir de 2023.

Conhecendo bem os petistas sabe-se que a grande vitória que eles comemoram (in pectore) não foi a de ter derrotado Bolsonaro e sim a de ter matado no embrião (eles acreditam nisso) uma alternativa democrática não-populista (quer dizer, liberal).

Não mataram. Mesmo que consigam cooptar algumas lideranças que se articularam numa via democrática não-populista, os democratas liberais não vão se suicidar. E mesmo que sejam perseguidos – e confundidos maldosamente com bolsonaristas para serem cancelados – continuarão por aí.

Nota | Se você não gosta da palavra liberal (por qualquer motivo, inclusive por ignorância, por achar que liberal se refere a liberalismo-econômico ou neoliberalismo), então pode encarar os democratas liberais de outra forma (equivalente para todos os efeitos práticos): eles são os democratas não-populistas.


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