Os democratas que estão se articulando em prol de candidaturas não-populistas devem permanecer articulados após as eleições. Está em jogo o que vamos fazer nos próximos anos, não apenas visando 2026, mas para fermentar na sociedade a construção de uma alternativa democrática.
A esta altura já vimos que foi o número insuficiente de agentes democráticos que nos levou à atual situação, em que a política foi capturada pelos novos populismos do século 21.
O problema é que não existe democracia sem democratas. E que há um deficit acentuado de agentes democráticos no Brasil atual. Ou seja, não propriamente de pessoas que concordem passivamente com a democracia e que digam, quando perguntadas, que preferem a democracia a outros regimes. O que está em falta são agentes democráticos, com habilidades e competências que permitam: a) conectar os democratas existentes e multiplicar o seu número (nas organizações do Estado e da sociedade); b) fermentar a formação de uma opinião pública democrática; c) resistir ao autoritarismo e a qualquer populismo; e d) ensaiar processos democráticos (em todos os lugares onde for possível experimentar a democracia como modo-de-vida).
Parece inegável que há hoje no mundo um déficit de agentes democráticos no sentido acima. No Brasil, em particular, é notável o déficit de agentes democráticos nos partidos e nas organizaçõs da sociedade capazes de se opor aos novos populismos.
O PSDB, por exemplo, ao perder seus liberais políticos, que se consideravam social-democratas e estavam realmente convertidos à democracia como valor universal e como principal valor da vida pública, perdeu também a capacidade de resistir a projetos iliberais ou não-liberais e de oferecer uma alternativa democrática aos populismos. Líderes como Aécio Neves, Geraldo Alckmin e João Dória, contaminados pelo eleitoralismo e pelo administrativismo, não conseguiram substituir atores de visão democrática mais ampla como Franco Montoro, Mario Covas e Fernando Henrique.
O resultado é que não foi possível construir e difundir uma alternativa democrática ao neopopulismo de esquerda e, depois, ao populismo-autoritário de extrema-direita. Os tucanos continuaram acreditando – como Dória, por exemplo – que bastava fazer o marketing de uma gestão eficiente da máquina pública para ser reconhecidos pelo eleitorado. Esqueceram completamente da democracia e foram incapazes de fornecer uma narrativa liberal em termos políticos: alguns se deixaram seduzir pelo liberalismo-econômico, outros namoraram o lulopetismo (que consideravam como fazendo parte da mesma família político-ideológica, uma espécie assim de “primos mais rebeldes”) e outros, ainda, oportunisticamente, tentaram se aliar em termos eleitorais ao bolsonarismo nascente.
Deu no que deu. Como a política foi tribalizada pelos populismos e os novos dirigentes tucanos ficaram sem tribo, todos os seus esforços se esboroaram (e só isso explica porque um gestor eficiente como João Dória perdeu completamente o apoio da população do estado que governou bem).
O caminho para a irrelevância dos outros partidos do campo democrático foi igual ou ainda pior: oportunismo eleitoreiro, clientelismo, política oligarquizada para se manter no poder ou a ele voltar – não importa de que maneira. Não perceberam a recessão democrática que se avizinhava, nem se deram conta da terceira grande onda de autocratização em que estamos imersos. Ora, quem não percebe essas coisas não entende o fundamental: ou seja, não entende porque devemos defender a democracia que temos para alcançar as democracias que queremos. Por não conseguirem captar os novos desafios políticos do mundo contemporâneo, tiveram imensa dificuldade de sair do século 20. E ainda estão exilados lá.
Como tudo isso é consequência direta do deficit de democratas, não adianta imaginar que o quadro vai se alterar por um golpe de sorte eleitoral, com uma candidatura mágica que consiga mesmerizar as massas: em 2022, em 2026 ou até em 2030. Não é uma loteria eleitoral. É preciso articular uma alternativa democrática que faça sentido para as pessoas, enraizá-la na base da sociedade e no cotidiano do cidadão, pacificar a sociedade (superando a guerra civil fria por meio da qual os populismos degeneraram a política) e reproduzir comportamentos democratizantes em localidades e setores de atividades. Se o número de agentes democráticos permanecer o mesmo, não haverá quem desempenhe essas tarefas e, em consequência, não haverá saída no tempo de uma geração (e isso se começarmos agora a investir pesado na aprendizagem da democracia).
Mas não podemos mais dizer que não sabemos por onde começar.
É óbvio que sabemos que a eleição de um democrata ou de uma democrata não-populista em 2022 é um cisne negro. Mas quem é democrata não-populista precisa se manter conectado ou conectada aos democratas e às democratas não-populistas, independentemente dos resultados prováveis do pleito. Porque o mundo não acaba em outubro de 2022.
Ou pode acabar (para os democratas), se não começarmos a fazer algo novo agora.