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A democracia brasileira está sob ataque

Não sou propriamente um iniciante na nova ciência das redes. Pelo contrário, sou pioneiro no Brasil (já trabalho com isso desde o final do século passado). Posso afirmar que as mídias sociais manipuladas pelo bolsonarismo (seguindo orientação de Steve Bannon) são hoje um dos principais instrumentos de destruição das (verdadeiras) redes sociais. Ou seja, fazem parte de um projeto anti-societário.

Os manipuladores não querem apenas agir na esfera política. Eles querem deformar a base social que permite a continuidade do processo de democratização. Eles querem aumentar a desconfiança social, sufocar a cooperação, exterminar o que nos resta de capital social.

O lulopetismo era um perigo político: queria conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido para nunca mais sair do governo. O bolsonarismo, além de ser um perigo político, posto que também antidemocrático, é sobretudo um perigo social. Se seus comandantes e suas hostes não forem parados, vamos ter gravíssimos problemas pela frente. A vida social ficará mais incivil. Aumentaremos o grau de inimizade política e social, no Brasil e no mundo.

Para resistir a isso não adianta apenas defender e confiar nas instituições do Estado democrático de direito. Já entramos numa guerra civil fria que pode ser de longa duração. É necessário resistir, em todos os lugares, ao avanço de ideias e práticas autoritárias na sociedade.

É A LAMA, É A LAMA

Olhem o nível de manipulação a que chegamos. Pessoas que fazem isso (vejam o print do tweet) podem fazer qualquer coisa.

Quem urdiu a fake news foi um tal de Allan dos Santos, que comanda o site de manipulação Terça Livre. O e-farsas já mostrou que era mentira.

Não, não é que elas pensem diferente de nós. Elas são falsificadoras, sem escrúpulos, canalhas: a escória da humanidade. É a lama! É a lama que estava depositada no fundo do poço da cultura patriarcal que está subindo. E não só.

Não, não é que elas façam parte de uma ala radical do bolsonarismo: elas compõem um conjunto de esbirros do governo, a serviço do próprio presidente da República e de sua família.

Os analistas e jornalistas políticos ainda não deram a devida atenção ao fenômeno. O que era populismo-autoritário com comportamento fascistoide está virando – a despeito de teoricamente não se poder caracterizá-lo assim – uma espécie de neofascismo.

Muito cuidado nesta hora. Esse tipo de coisa pode descambar, sobretudo porquanto está sendo estimulada, mesmo disfarçada sob negativas formais, pelo chefe de governo, seus filhos, seu guru e seus asseclas. Atenção! A partir de certo ponto de degeneração não haverá mais volta.

Depois alguns nefelibatas reclamam quando eu divulgo listas de bolsonaristas manipuladores. Acham que estou fazendo blacklists para perseguir adversários. Não estou. Estou prestando um serviço de utilidade pública e a favor da humanidade. Pessoas como Allan dos Santos, Bernardo Kuster, Daniel Lopez, Leandro Ruschel, Nando Moura e mais meia centena de outras da mesma laia, devem ser denunciadas não porque pensem diferente e sim porque são falsificadores.

UMA FORÇA REGRESSIVA, AGRESSIVA E MUITO PERIGOSA

Examinem este tweet expelido ontem por um bolsonarista. Ele resume uma mentalidade. O tal Eduardo Kaadar está querendo dizer, com a imagem, que Glenn não tem saída. Se fugir para os USA será pego por Eduardo Bolsonaro (de certo imagina que o 03 fará parte do governo americano, quem sabe do FBI) e que, se ficar no Brasil, será pego pelo justiceiro Moro.

Sinceramente? Nunca vi uma campanha de destruição como esta. E de falsificação e manipulação.

Um estudo realizado pela Diretoria de Análises de Políticas Públicas da FGV mostra que cerca de 220.000 postagens em defesa de Moro e de ataque às reportagens do Intercept, de Veja, da Folha e do Reinaldo, sobre diálogos impróprios do ex-juiz e da força-tarefa da Lava Jato, foram feitas por robôs, a maioria delas em tom crítico à Veja (que divulgou o estudo). Segundo o estudo, uma quantidade considerável dessas mensagens, supostamente automatizadas, veio do Irã. Sim, pasmem, do Irã! Lá da terra dos aiotolás houve o disparo de hashtags como #glenncomproumandato e #pavaomisteriosovoltou.

Tudo fake. Tudo urdido solertemente. Mas tudo muito bem articulado e financiado. Estamos diante de uma força regressiva, agressiva e muito perigosa. Perigosa não apenas para a democracia, mas para a humanidade na medida em que tenta desabilitar a própria noção de verdade para promover a guerra.

As milícias bolsonaristas estão fazendo uma espécie de terrorismo nas mídias sociais. Depois de assistir o documentário The Great Hack (Privacidade Hackeada) no Netflix, guardei de memória uma orientação de Steve Bannon segundo a qual para implantar o projeto do The Movement é necessário primeiro destruir o establishment nos países. Mas o que eles estão destruindo é muito mais do que isso: são as formas de sociabilidade que permitem a vida civil, em paz.

O documentário explora o escândalo da Cambridge Analytica. Vejam o papel desempenhado por gente como Robert Mercer e Steve Bannon. Bolsonaro também é citado no filme.

A DEMOCRACIA BRASILEIRA ESTÁ SOB ATAQUE

Ao contrário do que muitos repetem, Bolsonaro – ao investir diariamente na polarização – não está apenas alimentando a sua militância. Ele está deformando a opinião pública para capturar e arrebanhar mais fanáticos antissistema. É uma clara subversão da democracia que está em curso.

O que está acontecendo no Brasil é muito mais sério do que se pensa. Não é apenas refluxo de preconceitos patriarcais que estavam soterrados no subsolo das consciências. Montou-se uma espécie de usina macabra para desativar a noção de verdade. E isso não seria possível sem intenção e estratégia.

Bolsonaro não dará um golpe de Estado no Brasil. Não precisa. Sua estratégia não prevê esse tipo de ruptura. Tentará fazer o que fez Viktor Orbán, na Hungria. Ou o que fizeram os Kaczyński, na Polônia. Ou o que estão tentando fazer Salvini, na Itália e Le Pen, na França. Ou o que já consolidou Erdogan, na Turquia. O resultado é que nossa democracia continuará sendo uma democracia eleitoral, mas cada vez menos liberal, correndo o risco, no limite – para usar a classificação do V-Dem da Universidade de Gotemburgo – de virar uma autocracia eleitoral. Ora, isso significa, sim, ataque à democracia.

Não é mais possível negar. A democracia brasileira está sob ataque. Como sempre, os nefelibatas demorarão para ver. Quando virem, poderá ser tarde.

Uma visão pedestre e escolar da democracia, mas pode ser útil

A Constituição de Atenas, atribuída a Aristóteles