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Entendendo a estratégia do bolsonarismo

Pessoal, vamos cair na real: a imensa maioria do povo não apoia as propostas de Bolsonaro

Quem é “o povo” de Bolsonaro, aquelas supostas maiorias que apoiariam suas propostas?

É uma minoria, que não representa a maioria dos 58 milhões de brasileiros que votou nele por razões circunstanciais (medo da volta do PT, medo da escalada da insegurança pública, indignação com a corrupção na política e desejo de renovação baseado em ressentimento social, vontade de revanche e revolta com a própria política).

Bolsonaro teve o voto da maioria dos votantes em 2018 (embora 58 milhões tenham votado nele, 90 milhões não votaram: tudo bem, é do jogo). Mas, como qualquer pesquisa séria pode mostrar, suas propostas não contam com o apoio da maioria da população. E são muito minoritárias na sociedade brasileira.

Vejamos alguns exemplos:

Ele quer acabar com a multa para quem transporte crianças de até 7 anos sem cadeirinhas nos automóveis. Mais de 68% rejeitam essa proposta.

Ele quer acabar com radares de velocidade nas rodovias. Cerca de 67% das pessoas são contra.

Ele quer aumentar de 20 para 40 o limite de pontos da carteira de habilitação. A maioria da população (56%) não quer.

Ele quer facilitar a compra e o porte de armas. Mais de 70% dos brasileiros não concordam.

Os dados são das duas últimas pesquisas Data Folha. Então, me respondam. Quem é “o povo” de Bolsonaro?

“O povo” de Bolsonaro não é composto, portanto, pela massa de seus eleitores. São os 5 milhões já arrebanhados pelo bolsonarismo e os cerca de 18 milhões (dentre os 12% do Data Folha, que dizem que ele fez mais do que prometeu) que ele quer capturar, dentre os quais não estão 64% das famílias brasileiras que ganham até 3 mil reais mensais, nem os jovens.

Algumas pessoas dizem que existem muitos seguidores de Bolsonaro nas igrejas neopentecostais fundamentalistas. Sim, existem mesmo, mas eles também estão incluídos nas pesquisas que mostram que nenhuma proposta radical ou esdrúxula de Bolsonaro ultrapassa muito 30% de adesão. Os evangélicos, em geral, votaram em peso em Bolsonaro, mas não apoiam grande parte das propostas do capitão (basta citar, por exemplo, o armamentismo popular) e, muitos deles – a maioria, por sinal – não têm o mesmo perfil censitário das pessoas vulneráveis ao bolsonarismo (são pobres, pretos e com nível de escolaridade inferior).

Vejam o quadro abaixo com resultados da pesquisa Data Folha e examinem a pesquisa inteira: Data Folha Armas julho 2019

Entretanto, a questão, preocupante para a democracia, é outra: entre os 5 milhões já capturados pelo bolsonarismo estão membros das forças armadas e policiais e funcionários de empresas de segurança privada. Por que isso é um preocupante?

Como percebeu corretamente Celso Rocha de Barros que, sim, é de esquerda, mas não é burro, em entrevista à Época (13/07/2019):

“Bolsonaro pertence à linhagem dos militares que não aceitaram a abertura democrática iniciada por Geisel. Por isso o culto a Brilhante Ustra: o bolsonarismo é uma ideologia do porão da ditadura, não é do general, não é do presidente militar. É a visão de mundo do sujeito que torturava comunistas e depois entrou para o esquadrão da morte, para garimpo ilegal, para jogo do bicho. Daí, também, o elogio às milícias. É sempre bom lembrar que Bolsonaro tentou colocar bomba no quartel por aumento salarial já nos anos 80, e que Geisel teve tempo de referir-se a ele como “mau militar”. Acho que a maior parte do público brasileiro não tem coragem de admitir quão radical é o presidente que elegemos”. 

Não admite, é verdade, mas nem por isso concorda com suas propostas radicais.

A base social vulnerável à narrativa bolsonarista é uma base predominantemente branca, composta por empregados formais, autônomos, aposentados e pequenos e médios empresários (alguns até grandes), com renda familiar acima de 5 salários mínimos, ensino superior completo ou incompleto e idade média de 45 anos.

Todo esse pessoal, somado, não perfaz maioria nenhuma da população, nem aqui, nem na China.

Bolsonaro não tem “o povo” do seu lado, como falsamente apregoa. Tem um pequeno, aguerrido e coeso, rebanho de admiradores e seguidores. Toda sua estratégia está voltada para aumentar esse rebanho. Ele fala para 30 milhões de eleitores (ignorando os demais 120 milhões) porque pretende capturar e arrebanhar mais uns 10 a 15 milhões de fiéis para aumentar a base ativa (quer dizer, ativista) bolsonarista. Ele sabe que um número tão grande de extremistas de direita – entre 15 a 20 milhões de jihadistas com atuação diuturna – não é facilmente metabolizável pela democracia.

Eis o ponto! Ele precisa de uma base militante de fiéis para, com a ajuda dos mecanismos de manipulação da opinião pública, que já instalou, dar um curto circuito no establishment, atacando as instituições da democracia. Do contrário a família Bolsonaro – não importa o que digam pai e filhos para disfarçar – não continuaria estimulando diariamente nas mídias sociais ataques à imprensa, ao Congresso e ao STF. O bolsonarismo não quer conservar as instituições democráticas. Quer subvertê-las. Não é um projeto conservador e sim revolucionário para trás, quer dizer, reacionário.

É claro que Bolsonaro espera, com isso, obter novamente maioria eleitoral em 2022. Mas sua estratégia não é propriamente eleitoral e sim uma estratégia antecipatória de campanha permanente. A campanha permanente é o modo disruptivo do projeto antissistema do populismo-autoritário bannonista e olavista.

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