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Há uma questão política para ser resolvida agora, não em 2022

Caros amigos e amigas. Reflitam seriamente. Não há a menor chance do bolsonarismo ter boas consequências para a democracia. O conteúdo liberal da nossa democracia tende a ser reduzido, ou seja, teremos decréscimos nos índices de direitos políticos e liberdades civis ao final deste primeiro mandato do populista-autoritário Jair Bolsonaro.

E não há a menor chance de se reverter essa tendência apostando todas as fichas na loteria eleitoral de 2022.

Claro que qualquer solução institucional passa pela próxima eleição presidencial. Mas se Bolsonaro não for parado agora, pela legítima pressão da sociedade e o pronto exercício dos freios institucionais, depois ficará mais difícil barrar o processo de autocratização da democracia que está em curso.

Ficar esperando a remoção pelo voto de um presidente antidemocrático eleito, concedendo-lhe mais três anos para alterar a seu favor correlação de forças em várias instituições (além do governo, inclusive o STF), equivale a um suicídio político para os democratas. O projeto bolsonarista visa a alteração do regime político: não é apenas uma proposta de governo.

Claro que ainda somos uma democracia. Mas o Brasil já tem um ditador, só falta a ditadura. É uma situação inusitada: temos um regime democrático com um chefe de governo inimigo da democracia. Em uma situação assim não se pode esperar que o bolsonarismo vá aceitar de bom grado o processo democrático de substituição do governante. Pressentindo que pode perder a reeleição, Bolsonaro acelerará o aparelhamento do governo (por militares saudosos da ditadura militar, tipo Augusto Heleno – na linha do “Foda-se” – e por policiais militares fanatizados, corruptos e ligados a milícias), estimulará a convocação de manifestações de rua contra o Congresso e o STF, jogará parte das PM e da PF contra governadores e adversários políticos, ensejando a eclosão de conflitos disruptivos de toda ordem (inclusive atentados) que sirvam de pretexto para a aprovação de leis antidemocráticas e contrárias aos direitos humanos, às minorias sociais e à diversidade cultural (como a expansão do armamentismo popular, a licença para matar, a desproteção de reservas indígenas e do meio ambiente, a perseguição e o estrangulamento das universidades, a militarização do ensino e a ideologização do material didático para as escolas).

Em resumo, apenas esperar pela oportunidade eleitoral de remover Bolsonaro significa, objetivamente, ser leniente e conivente com o processo de autocratização da democracia que está em curso neste momento. Dependendo de como esse processo avançar não será nem mais possível evitar a reeleição de Bolsonaro.

Até agora temos uma oposição congressual tímida e uma resistência incipiente – exercida, em grande parte, pela grande imprensa, pelos presidentes da Câmara e do Senado, por alguns governadores e juízes. Esses obstáculos às pretensões bolsonaristas, interpostos ocasionalmente de maneira pontual, não são suficientes para parar o bolsonarismo. Não estão à altura do desafio.

Há uma questão política para ser resolvida agora, não em 2022. Ao ficar especulando se Bolsonaro será reeleito ou não, damos de barato que ele ficará no governo, se comportando como se comporta, até 2022. A questão é que não é admissível, em democracias, um presidente que se comporta assim. Ele tem de ser parado se não mudar de comportamento. Antes de 2022.

É preciso um movimento político forte e uma movimentação social mais vigorosa. Se as ruas não tivessem falado, não teria havido o impeachment de Dilma e o PT não teria sido apeado do governo (só pelas urnas). Se as ruas não falarem, Bolsonaro será reeleito, ganhando mais quatro anos para dominar as instituições que ainda são capazes de frear sua caminhada autoritária (inclusive o Supremo Tribunal Federal e, dependendo do resultado eleitoral, até o Congresso Nacional).

Duas coisas, porém, impedem que uma movimentação democrática desse tipo floresça:

1) os democratas serem capturados por uma frente hegemonizada pelo neopopulismo lulopetista (que tende a ser rechaçada pelos setores médios da população); e

2) os democratas ficarem tentados a transigir diante do surgimento de uma alternativa antipolítica moralista, anticorrupção, promovida pelo jacobinismo lavajatista com o apoio da base mais radicalizada de extrema-direita do bolsonarismo e de amplos setores populares despolitizados (o que pode levar à instalação de um Estado policial no Brasil).

Hoje, objetivamente, o lulopetismo e o lavajatismo são os dois grandes obstáculos para uma saída democrática tempestiva.

Aspasia de Mileto

Bolsonaro tem de ser parado não porque dará um golpe e sim porque não dará