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Bolsonaro tem de ser parado não porque dará um golpe e sim porque não dará

Não adianta fazer análises dizendo que não haverá golpe bolsonarista. É claro que não haverá. Além de não ser possível, não é necessário. O “golpe” já está ocorrendo “por dentro”.

Avançando e recuando, Bolsonaro não dará um golpe de Estado (em termos clássicos), não só porque não pode, mas também porque não quer. Sua permanência na chefia do governo, entretanto, está corroendo as bases sociais e culturais da vida democrática.

O projeto (ou a consequência objetiva da atuação bolsonarista) é sangrar a democracia para que dela se esvaia todo seu conteúdo liberal. No longo prazo o bolsonarismo vai transformar nossa democracia eleitoral numa democracia eleitoral cada vez menos liberal e, se for possível, em uma autocracia eleitoral. Sem golpe.

Bolsonaro tem de ser parado não porque dará um golpe e sim porque não dará. O impeachment não é remédio contra golpes de Estado (em termos clássicos). Se houvesse golpe instalando uma ditadura no Brasil a luta teria de ser travada de outra maneira (como sabemos). Nixon não ia dar um golpe. Collor não ia dar um golpe. Dilma não ia dar um golpe. Foram parados porque sua permanência na chefia do governo seria deletéria para a democracia.

“- Ah! Mas não há condições para o impeachment”. De fato, agora não há. Mas, se houvesse, você defenderia o impeachment? Ou você está dizendo que não há condições para o impeachment para ir empurrando com a barriga até 2022? É como uma campanha. O candidato que está com 10% em julho não tem condições de se eleger. Por causa disso vai desistir de concorrer ou vai trabalhar para vencer?

QUANDO UM IMPEACHMENT É POSSÍVEL?

Há um mito de que o impeachment só ocorre quando se constelam condições para um tempestade perfeita: crise econômica instalada, sinais fortes de crise institucional (inclusive com a perda de maioria congressual pelo presidente) e possibilidade de crise social (com ingovernabilidade, anomia e desarranjo sistêmico no horizonte).

Isso é mais ou menos correto, mas o mito está em achar que essas condições se reúnem magicamente, antes de se conformar uma vontade política coletiva favorável ao impeachment. É um mito porque isso nunca ocorre assim.

Não há impeachment sem decisão política (de forças políticas) de remover um presidente, sem resistência das instituições e revolta da sociedade. O freio exercido pelas instituições e a insatisfação manifestada das ruas, entretanto, não se configuram – ambas, ao mesmo tempo – espontaneamente. A perda de maioria no Congresso não ocorre de uma vez: os parlamentares vão mudando de opinião à medida que as instituições vão resistindo, colocando freios à ação do presidente, e as pessoas vão se manifestando.

O impeachment é uma solução constitucional, mas não é a única maneira de remover ou parar um presidente.

Se houver vigorosa pressão das instituições e das ruas, um presidente:

a) pode renunciar.

Todas as manifestações contra governos pedem a renúncia dos governantes, não esperando que eles renunciem de fato e sim para engrossar o movimento, para deixar claro que aquele presidente não pode mais continuar no posto.

b) pode ser obrigado a mudar de comportamento.

Piñera, no Chile, não renunciou, mas foi compelido a mudar de comportamento (alterando, inclusive, suas políticas e admitindo a necessidade uma nova Constituição).

Se um presidente não renuncia e não muda de comportamento, sua situação vai ficando insustentável. Aí a solução institucional das democracias é o impeachment.

E ele pode até renunciar de fato, quando perceber que sofrerá impeachment, como aconteceu com Richard Nixon e Collor de Mello.

Não há impeachment sem campanha pelo impeachment. E essa campanha não crescerá apenas por uma correlação de forças parlamentar, sem uma opinião pública favorável. E essa opinião pública favorável só se formará se houver campanha pelo impeachment.

O impeachment não é um fruto do acaso (a conjunção involuntária das condições para um tempestade perfeita). É uma ação que só ocorrerá se houver vontade política de dar um basta ao presidente.

Se, no auge do mensalão, no final de 2005, houvesse uma campanha pelo impeachment de Lula, talvez não tivéssemos mais de uma década de domínio petista e o seu trágico resultado final: a eleição de Bolsonaro (baseada, em grande parte, no sentimento antipetista dos setores médios da população).

Mas o impeachment, naquela ocasião, foi desarmado por uma das principais forças políticas que pontificavam no cenário nacional (o PDSB) sob o argumento de que não havia condições para o impeachment (pois não havia crise econômica, não havia maioria congressual, não havia movimentos vigorosos de insatisfação nas ruas e, ademais, de que seria traumático um segundo impeachment depois do de Collor). Ou de que seria possível fazer o impeachment nas urnas (o argumento de Alckmin, o candidato fragorosamente derrotado nas eleições de 2006). Deu no que deu. E foi traumático.

A decisão política de que Bolsonaro tem de ser parado o quanto antes, de que não é possível apenas esperar 2022 para fazer isso, é a chave da questão.

Há uma questão política para ser resolvida agora, não em 2022

A abolição da opinião pública pelos populismos