Não são direitos democráticos falsificar e manipular a opinião pública. As possibilidades de falsificação dos Trending Topics no Twitter e de broadcasting privado usando o fluxo descendente em árvore no WhatsApp são, em boa parte, os meios de manipulação da opinião pública empregados pelos populismos.
Algumas centenas de pessoas, atuando coordenadamente e replicando para poucas milhares as mesmas mensagens, conseguem subir hashtags para o topo dos TT. Bolsonaristas e lulopetistas, por exemplo, tentam emplacar pelo menos uma por dia. Essa coordenação é feita, inclusive, por meio do WhatsApp.
O WhatsApp não é propriamente uma mídia social – no Brasil chamada equivocadamente de rede social. Redes sociais são pessoas interagindo (enquanto estão interagindo), não ferramentas, tecnologias, dispositivos de comunicação. Mídias sociais, que podem servir de instrumentos para articulação e animação de redes sociais, devem ser interativas. A interatividade se mede, entre outras variáveis, pela existência de conversação (um bom indicador é o número de tréplicas), não pela replicação.
O fluxo descendente em árvore no WhatsApp consiste na replicação de mensagens para grupos e listas de transmissão, sem interação horizontal. Ou seja, é árvore mesmo, não rede (padrão de organização com topologia mais distribuída do que centralizada). Quem pertence a um grupo não vê os demais grupos. Assim, o espaço do debate público – fundamental no processo democrático de formação da vontade política coletiva, a partir da interação e polinização mútua de opiniões – vai sendo pulverizado por miríades de esferas privadas de opinião protegidas da interação com outras opiniões. No limite, não há mais opinião pública, formada por emergência, e sim soma de opiniões privadas repetidas ou clonadas.
Opinião pública não é a soma de opiniões privadas. O processo de formação da opinião pública depende da interação fortuita de miríades da opiniões privadas e só existe quando os inputs iniciais são modificados pela interação. Este é um processo de auto-organização que está na base da democracia. Se não fosse assim seria desnecessário o debate que ocorre em campanhas eleitorais. Bastaria marcar o dia da votação. Ou, melhor ainda, bastaria contratar institutos de pesquisa de opinião que, censitariamente, indo de casa em casa, recolhessem as opiniões privadas dos cidadãos. Depois restaria apenas totalizar o resultado.
Os ataques dos populistas à imprensa (quer dizer, ao broacasting público), que expressa sempre uma variedade de versões, visam desacreditá-la e substituí-la pela difusão dirigida (broadcasting privado) via mídias sociais manipuladas (que atuam contra as verdadeiras redes sociais, quer dizer, contra a possibilidade de interação fortuita, com o outro-imprevisível).
A ideia é substituir o ambiente discursivo da democracia, presidido por uma razão comunicativa, por um enxame replicante de pequenos reinos de narrativas (fake news e pós-verdades), regidos pela dinâmica da guerra de versões. Não se visa mais a persuasão, não se busca o entendimento e o esclarecimento e sim impor uma versão e destruir as versões dos inimigos. Todos que intentam expressar uma versão diferente dos fatos passam a ser “os inimigos”.
A “verdade” fabricada, emitida por poucos hubs, cancela qualquer verdade, desabilita a própria ideia de verdade ou da necessidade de correspondência entre as descrições e os fatos. A verdade passa a ser uma variável desnecessária.
No caso do populismo-autoritário (bolsonarista), a manipulação da opinião pública não exige verossimilhança ou coerência e sim avalanche de notícias falsas. Como disse Bannon, tem que ser um golpe por dia. Inundar a zona com merda (“flood the zone with shit”) até que seja impossível processar e seja inútil checar, contestar, corrigir, esclarecer.
Vejam se não é exatamente assim que o bolsonarismo está procedendo. A cada dia temos um absurdo por meio de uma declaração de Bolsonaro ou de seus auxiliares, como Guedes, Damares, Weintraub etc. Enquanto a imprensa e as demais instituições se ocupam de desmentir uma fake news, o trem já andou e temos novas fake news polarizando as atenções. Um choque após outro choque, sem parar. O resultado é que o espaço discursivo, o campo propriamente dito do debate público, vai sendo inviabilizado como lugar de formação da vontade política coletiva. Isso leva à falência de qualquer procedimentalismo democrático e de qualquer razão comunicativa.
Menos de duas centenas de hubs, espalhando suas mensagens, com um grau de separação, para algumas dezenas de milhares de replicadores que, por sua vez, as repetem, com dois e três graus de separação, para milhões de recipientes passivos, conseguem fazer isso.
A democracia, tal como a conhecemos, não tem proteção eficaz contra esse tipo de ataque distribuído (semelhante ao ataque de enxame de drones à Enterprise no episódio Stark Trek Beyond) que visa manipular e falsificar a opinião pública e, no limite, abolir qualquer esfera pública de interação de opiniões.