Qual é a orientação que deveriam seguir os democratas (uma orientação sem qualquer preferência partidária)? Não vote em Bolsonaro: nem no primeiro turno, nem no segundo turno. É o óbvio, mas precisa ser dito. Para Bolsonaro não ser reeleito basta não votar nele.
Mas há os que acham que só vale tirar Bolsonaro se for para colocar Lula no seu lugar. Muitos desses também não querem que o PT saia do poder em 2026. Dirão (aliás, já começaram a dizer) que haverá risco de Bolsonaro voltar.
Bolsonaro não vai vencer a eleição no primeiro turno, nem no segundo. O melhor é que ele não passe para o segundo turno. E neste caso não se deve votar em Lula no segundo turno. Porque melhor seria que o populismo lulopetista não voltasse ao governo, almejando se prorrogar no poder por vários mandatos consecutivos para estabelecer uma hegemonia de longa duração sobre a sociedade. Sim, essa sempre foi a sua estratégia.
Entretanto, se Lula for a única alternativa à reeleição de Bolsonaro, é melhor que ele vença no segundo turno, obrigando o PT a negociar um programa com os demais candidatos e – não vai acontecer, mas é preciso sonhar – um governo de coalização democrática e pacificação nacional a partir de 2023.
Mesmo se houvesse uma vitória estrondosa de Lula, o PT não poderia pacificar o país. Não é da sua, digamos, “natureza”. A sua “natureza” é a hegemonia – um conceito de guerra, não de política (democrática). Hegemonia não combina com democracia. Porque não é o império das regras (escritas ou não-escritas) e sim o predomínio, lato sensu, de uma força política sobre as demais. Ainda mais quando a força populista que a exerce é hegemonista (como é o caso do PT).
Os que viveram de promover a guerra (“nós contra eles”) nos pedem agora para “acabar logo com essa guerra” (votando em Lula no 1º turno). Ora, havendo ou não 2º turno, a guerra vai continuar enquanto a política estiver capturada pela polarização entre dois populismos.
Se Bolsonaro só vai sair do governo em janeiro de 2023, não há como abreviar a sua presença. Tanto faz que ele perca no 1º ou no 2º turno. Ele não tem força político-militar para dar um golpe de Estado à moda antiga, com tanques nas ruas. Para quê inventar que ele só dará golpe se não perder no 1º turno? Essa invenção tem um motivo. É para Lula não ter que negociar nada democraticamente com quem não é do seu campo de esquerda. É para Lula ser coroado pelas urnas de 2 de outubro. Ele quer ser ungido pelo povo para poder então, soberanamente, exercer sua hegemonia. Isso não é bom para a democracia.
Ademais, Lula por acaso disse qual vai ser o seu programa econômico, a sua política externa, a sua relação com a imprensa profissional e quem serão seus aliados para compor o governo? Não? Então voto para liquidar a fatura no primeiro turno é cheque em branco.
Para a democracia seria bom se Lula perdesse no segundo turno para qualquer candidato que não Bolsonaro. Mas fará pouca diferença se Lula vencer Bolsonaro no primeiro turno ou no segundo. O maior desafio aqui vem depois. É a resistência democrática da sociedade ao populismo de esquerda no governo para impedir que, uma vez Lula eleito pela terceira vez, o PT não queira se delongar no poder a partir de 2027. Isso seria péssimo para a democracia, mas o risco de acontecer é grande. Como se sabe, populistas não saem facilmente do governo apenas pelo voto. No caso do populismo de esquerda há uma (única) exceção (Salvador Cerén, da FMLN, em El Salvador). No caso do populismo de extrema-direita havia só uma exceção (Trump, nos EUA). Agora haverá duas.
Mas, falando francamente, não acontecendo um fato extraordinário, a eleição está resolvida. De quatorze empresas que fazem pesquisas eleitorais, só duas dão Bolsonaro na frente (Futura e Gerp). Todas as demais (Datafolha, Ipec, Quaest, Paraná Pesquisas, Vox Populi, Sensus, MDA, PoderData, Ipespe, Ideia, FSB e Real Time Big Data) apontam sua derrota. O problema dos democratas não é mais Bolsonaro. O problema, daqui para frente, é o bolsonarismo (fora do governo) e o lulopetismo (no governo). É com esses dois populismos que deveremos nos preocupar a partir de 2023.
É aqui que aparece o problema fundamental que está na raiz de todos os problemas aparentes. Como não existe democracia sem democratas e são os agentes democráticos que fermentam o processo de formação de uma opinião pública democrática, nosso problema é de falta de fermento. O número dos agentes democráticos que temos é insuficiente para fermentar o processo de formação de uma opinião pública democrática. Enquanto esse número não crescer seremos parasitados por populismos (digam-se de direita ou esquerda).
Enquanto nos faltarem esses netweavers (os agentes democráticos), as redes de democratas que, subterraneamente, possibilitam a democracia, não adquirirão a tramatura necessária para impedir o crescimento de alternativas iliberais ou não-liberais. Seja, na via iliberal, para converter nossa democracia eleitoral em uma autocracia eleitoral, seja, na via não-liberal, para enfrear o processo de democratização, dificultando que nossa democracia eleitoral ascenda à condição de democracia liberal.
Se nossos agentes políticos não são capazes de perceber precocemente os sinais de desconsolidação da democracia e de reconhecer padrões autocráticos quando eles surgem (por um lado, negando a democracia e, por outro, embutidos em projetos generosos de melhorar a vida do povo), a democracia no Brasil está em risco.


