Lula juntou seus antigos e novos apoiadores para dizer que está fazendo uma frente ampla. Não, não é frente ampla, nem aqui, nem na China. Tirando o Alckmin, que entrou no PSB para aderir (sim, não foi aliança com PSDB), todos aí na foto da capa que ilustra este artigo fizeram parte do governo Lula ou do PT ou dos seus satélites. É uma frente de esquerda.
Para ser frente ampla contra Bolsonaro deveria agregar as forças que apoiam Simone – o Cidadania, parte do MDB e boa parte do PSDB – inclusive Serra, FHC e Dória, mas também Ciro e pelo menos parte das forças que apoiam Soraia.
Do jeito que está é uma frente de esquerda com dois capturados (um deles, Alckmin, por motivos fúteis; o outro, Meirelles, pelas mesmas razões que o fizeram entrar no primeiro governo Lula).
Com exceção do Alckmin (que não é uma força política e sim uma pessoa que ficou sem espaço no PSDB e resolveu aderir individualmente à Lula), foi essa frente que ficou anos com Lula no governo. Zero novidade.
Fazer uma frente ampla não é capturar desavisados dispostos a prestar vassalagem. É necessário fazer acordos políticos, ceder, construir consensos – sem eliminar dissensos – com os diferentes, não somente com os iguais.
Sim, nada mais normal em uma democracia. Bolsonaro é tão ruim que justificaria uma união de um amplo espectro de forças para removê-lo do governo.
Mas o PT nunca quis a saída constitucional de Bolsonaro (apoiando, por exemplo, um movimento pelo impeachment) e sim a sua substituição eleitoral por Lula (e por isso deixou a democracia brasileira sangrar até o fim para vencê-lo com mais facilidade nas urnas).
O PT também não quer um governo de coalizão democrática a partir de 2023 e sim que todos abandonem suas opções de graça para se submeter à sua hegemonia. Por isso nunca propôs uma frente verdadeiramente ampla. Achou que todos no final se juntariam para derrotar Bolsonaro sem ter que fazer nenhuma concessão, nenhuma negociação política.
Bem… agora é hora de passar para o próximo capítulo. Não ocorrendo fatos extraordinários, a eleição está resolvida. O problema dos democratas não é mais Bolsonaro. O problema daqui para frente é o bolsonarismo (fora do governo) e o lulopetismo (no governo). É com esses dois populismos que deveremos nos preocupar a partir de 2023.
Será uma boa experiência – embora excruciante – para os democratas liberais (não-populistas). Ver como o populismo-autoritário, dito de extrema-direita, se comporta fora do governo. E como o neopopulismo, dito de esquerda, se comporta no governo.
Seguem, abaixo, alguns pontos para facilitar o trabalho da resistência democrática a partir de 2023.
Como será nossa política externa? Será orientada pela estranha ideia de Sul Global? O Brasil se alinhará à coalizão das democracias liberais contra o neoeurasianismo de Putin (com a invasão da Ucrânia e de outros países do leste europeu) e as pretensões imperiais de Xi Jinping (sobre o Mar da China e Taiwan)? O PT no governo apoiará a resistência ucraniana e a independência da democracia liberal taiwanesa? Ou preferirá fortalecer laços com ditaduras amigas (Cuba, Venezuela, Nicarágua, Angola) e com o eixo das autocracias articuladas nos BRICs (como Rússia, China, Índia) em nome de um realismo político de esquerda? A propósito de combater o imperialismo norte-americano e o expansionismo da Otan, o Brasil se juntará ao bloco antidemocrático da segunda grande guerra fria que se anuncia?
Voltando ao governo federal o PT retomará sua estratégia interrompida pelo impeachment de Dilma (que continuará chamando de golpe): conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido para se delongar no governo?
Uma vez tendo reeleito Lula (pela terceira vez) o PT sairá facilmente do governo apenas pelo voto?
O PT aparelhará novamente o Estado com seus militantes? Instituirá a participação assembleísta e conselhista, arrebanhada e controlada por “movimentos sociais” que atuam como correias-de-transmissão do partido, para subordinar a dinâmica social à lógica do Estado aparelhado?
O PT tentará emplacar sua velha proposta de controle partidário-governamental (disfarçado de social ou civil) dos meios de comunicação profissionais?
Quando a política econômica (e de desenvolvimento) do país voltará a ser mais estatizante (sim, é uma questão de tempo)? Lula esperará um ano, dois anos, quanto tempo, para fazer tal guinada?
Divirtam-se. Pelo menos enquanto dá tempo. Há uma pedreira pela frente. Sísifo terá que retomar o seu trabalho.