O calcanhar de Aquiles do PT foi sua política externa de se aliar a ditaduras e protoditaduras. Basta ver toda a articulação com os chamados regimes bolivarianos. Basta ver seu apoio à Cuba e Angola (e os projetos do BNDES desviando nossos poucos recursos para esses países).
Assim, por mais que o PT – nos discursos de seus dirigentes – reiterasse negativas e protestos de que suas intenções eram democráticas, nunca conseguiu esconder totalmente o rabo do gato.
Já se discutiu bastante que o Brasil não é a Venezuela e quase tudo que disseram os economistas que dão palpite em política (ou os políticos disfarçados de economistas) está basicamente correto. Mas… não é bem este o problema. Por óbvio não somos a Venezuela, mas o PT é um partido que adotou um projeto neopopulista, autoritário e regressivo, que o irmana aos demais neopopulismos ditatoriais e protoditatoriais que conhecemos nas experiências latinoamericanas do bolivarianismo (e, até, às iniciativas do putinismo).
O Brasil não é a Venezuela, mas os dirigentes e os militantes do PT apoiaram decisivamente o regime de Chávez e Maduro. Até hoje constitui um teste infalível para saber a orientação ideológica de qualquer interlocutor perguntar se ele apoia Maduro.
A começar de Lula. Em 8 de janeiro de 2008, no artigo “Lula, o venezuelano”, publicado na página 3 da Folha de São Paulo, mostrei que são os bolsões de pobreza que garantem a eleição de populistas e que Lula, na verdade, não quer acabar com a pobreza, senão mantê-la e administrá-la, gerando uma imensa clientela de pré-cidadãos Estado-dependentes. Mostrei ainda que Lula é um “venezuelano” que quer, mas não pode se comportar como Chávez. Se tentasse “chavecar” por aqui, o problema estaria resolvido. Nossa sociedade, bem mais complexa, rejeitaria de pronto o tiranete. Lula é o Chávez possível nas condições do Brasil.
É bom reler o artigo inteiro.
Lula, o “venezuelano”
Augusto de Franco, Folha de S. Paulo (08/01/2008)
SE NOSSO IDH fosse mais próximo de 0,9 (em vez de 0,8), Lula jamais governaria o Brasil. Quem garante seus votos e liderança é a pobreza. É por isso que Lula não ganha eleição para prefeito de São Bernardo. É por isso que não ganha para governador de São Paulo nem de qualquer Estado do Sul (talvez com exceção do Paraná, que só é governado pelo chavista Requião por concentrar a maior pobreza da região).
São os bolsões de pobreza que garantem a eleição de populistas. Lula quer acabar com a pobreza? Não, o que quer é mantê-la, transformando as populações pobres em beneficiárias passivas e permanentes dos programas assistenciais. Ele gosta, sim, do povo, mas como massa informe de pré-cidadãos Estado-dependentes.
Façam uma análise dos levantamentos existentes, resultantes da aplicação de vários indicadores de desenvolvimento. A votação de Lula aumenta nos lugares em que esses indicadores (inclusive o IDH) diminuem. Isso não pode ser por acaso, pode? Só acontece porque Lula é um “venezuelano”. Em Caracas, nosso presidente viveria feliz como pinto no lixo.
O PIB da Venezuela vem crescendo a taxas próximas de 10% nos últimos anos. Apesar disso, a Venezuela tem muitos pobres. Seu IDH é 0,784 (72º lugar no ranking mundial). Com o dinheiro do petróleo, Lula poderia fazer um super “bolsa-esmola” para economista-áulico nenhum botar defeito.
A noção de democracia de Lula casa perfeitamente com o regime político venezuelano. Lá, não vigora mais essa besteira de rotatividade (ou alternância) democrática. Autorizado, como Chávez, por uma “lei habilitante” (muito melhor do que medida provisória), Lula poderia criar, numa penada, não uma, mas meia dúzia de TVs governamentais. Poderia tirar a Globo do ar e empastelar a revista “Veja”.
E, sobretudo, poderia continuar no poder indefinidamente, convocando plebiscitos e referendos para dizer que não está fazendo nada mais do que obedecer à vontade da maioria.
Lula, o “venezuelano”, acha que democracia é o regime da maioria (e não o das múltiplas minorias). Não sou eu que estou dizendo.
No dia 20/4/2005, Lula discursou em um congresso de trabalhadores: “É importante saber o que nós éramos há três anos e o que nós somos agora… O que aconteceu no Brasil… o que aconteceu no Equador, o que aconteceu na Venezuela, que foi já um pouco mais para frente (sic), e o que pode acontecer na evolução política de outros países do continente…”.
No dia 29/9/2005, em outro discurso, este no Palácio do Planalto, disparou: “Eu não sei se a América Latina teve um presidente com as experiências democráticas colocadas em prática na Venezuela. Um presidente que ganha as eleições, faz uma Constituição e propõe um referendo para ele mesmo; faz um referendo e ganha as eleições outra vez. Ninguém pode acusar aquele país de não ter democracia. Poder-se-ia até dizer que tem excesso”.
No dia 7/6/2007, numa entrevista a esta Folha, na embaixada do Brasil em Berlim, Lula disse: “O fato de ele (Chávez) não renovar a concessão (da RCTV) é tão democrático quanto dar. Não sei por que a diferença entre dois atos democráticos”.
E no dia 14/11/2007, em outra entrevista, no Itamaraty, ele reafirmou: “Podem criticar o Chávez por qualquer outra coisa. Inventem uma coisa para criticar. Agora, por falta de democracia na Venezuela, não é”.
Seria preciso dizer mais? Muita atenção, porém: Lula é um “venezuelano” que quer, mas não pode se comportar como Chávez. Se tentasse “chavecar” por aqui, o problema estaria resolvido. Nossa sociedade, bem mais complexa, rejeitaria de pronto o tiranete. Lula é o Chávez possível nas condições do Brasil. Dizendo de outro modo, o Brasil não é uma ditadura – nem mesmo uma protoditadura (como a Venezuela) -, mas uma democracia formal parasitada por um regime neopopulista manipulador, em que um grupo privado que ascendeu ao poder pelo voto, com base na alta popularidade de seu líder, tenta permanecer no poder sem violar abertamente a legalidade democrática, mas pervertendo a política e degenerando as instituições para manipular a opinião pública e as leis a seu favor.
Não ter entendido a natureza desse governo e o caráter do seu líder foi a desgraça das nossas oposições. Até Fernando Henrique, o mais lúcido dos oposicionistas partidários, alimentou a estranha crença de que “o conteúdo simbólico da sua liderança (de Lula) é um patrimônio do país que não deve ser destruído”. Pois é. Não destruíram mesmo.
Preservaram, blindando Lula, infelizmente, contra a democracia.
Se o atual governo de transição fizer uma devassa no BNDES descobrirá que uma parte considerável de recursos foram aplicados em ditaduras e protoditaduras, sempre seguindo orientação do PT e da turma de Lula (em parte por orientação ideológica, em parte para roubar mesmo, como está mostrando a Lava Jato).
A corrupção não é o mais importante aqui e sim a autocratização. Ao privilegiar regimes autoritários o PT revelou que é um partido autoritário. Pouco importa se conseguiria reunir condições objetivas – numa sociedade complexa como a nossa – para transformar o Brasil numa ditadura ou protoditadura. O que importa é que nunca parou de tentar fazer isso.
Temos claros sinais de que o PT tentava autocratizar a democracia brasileira. Há dois anos fiz um quadro demonstrativo dessas iniciativas autoritárias do PT:
O quadro acima – embora seja de 2014 e algumas propostas não caibam mais na conjuntura posterior, quando o governo Dilma começou a cair – resume tudo. Quase todas as intenções petistas que estão no quadro acima são também encontradas em experiências bolivarianas.
Então não adianta dizer que o Brasil não é a Venezuela, a Bolívia, o Equador, a Nicarágua ou El Salvador. O Brasil não é, mas o PT e seus governos foram semelhantes às forças que, nesses países, tentaram e estão tentando enfrear a democracia.
Para tratar com o PT, este é o ponto.




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