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O estranho caso do “porteiro mentiroso”

Desmontando a farsa bolsonarista

Sobre a suposta armação do “porteiro mentiroso” para inculpar Bolsonaro, @sergiopamplona no Twitter (31/10/2019) foi definitivo:

“Ele armou pra implicar em um crime ainda não acontecido o ainda não eleito presidente, com o registro no livro de entrada. Uma armação profética, digamos assim”.

A entrada de Elcio no condomínio se deu no dia 14 de março de 2018.

O crime (o assassinato de Marielle) ainda não havia sido cometido.

Bolsonaro, na época, nem candidato oficial era.

Para inculpar (voluntariamente) Bolsonaro o porteiro teria que:

Conhecer e ser capaz de reconhecer dentro do carro o miliciano Elcio e saber que ele cometeria um crime.

Saber que Ronnie Lessa era miliciano e ia cometer o crime de assassinar Marielle juntamente com Elcio.

Saber que Bolsonaro era ligado ao miliciano Élcio e ao miliciano Lessa.

Saber que Bolsonaro ia ser eleito presidente da República.

Querer (por algum motivo desconhecido) envolver Bolsonaro num futuro crime que seria cometido por Elcio e Lessa.

Ora… vamos e venhamos, por que um porteiro, com 10 anos de trabalho no mesmo condomínio, se disporia a fazer isso? Ele é um militante petista disfarçado? Um infiltrado do Foro de São Paulo?

Não se sabe nada sobre o porteiro. Inexplicavelmente, nenhum veículo de imprensa foi atrás dele para saber onde mora, o que fez na vida, o que pensa e nem como se chama.

Jocosamente, alguém me disse ontem no Face que já descobriram o nome do porteiro: Michel de Nostredame (mais conhecido como Nostradamus). Sim porque… Ele sabia que Elcio (que reconheceu de pronto para fazer a armação) e Lessa eram milicianos. Sabia que eles eram chegados à família Bolsonaro. Sabia que eles ainda iam matar Marielle. Sabia que Bolsonaro seria eleito presidente. Só juntou os pontos no horizonte de eventos e lacrou na planilha de próprio punho: “Casa 58” (o número da casa de Jair Bolsonaro).

Uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo, publicada nesta quinta-feira (31), ouviu especialistas e afirma que a perícia não analisou pontos importantes. O G1 fez ontem um bom resumo da matéria da Folha:

“A reportagem diz que as promotoras não perguntaram aos peritos se algum arquivo pode ter sido apagado ou renomeado. A Folha afirma que a perícia foi feita a toque de caixa, no mesmo dia da entrevista coletiva do Ministério Público.

A entrevista coletiva foi um dia depois de o Jornal Nacional revelar o depoimento do porteiro.

A Folha diz que que só na quarta-feira as promotoras encaminharam as perguntas sobre as gravações ao setor técnico, e que o documento indica que os técnicos não tiveram acesso ao computador de onde os dados foram retirados.

O Jornal Nacional apurou que as perguntas que constam no pedido de perícia que está no processo foi protocolado às 13h05, e a coletiva anunciando as conclusões começou pouco depois, às 15h30.

O presidente da Associação Brasileira de Criminalística, Leandro Cerqueira, disse à Folha que, sem acesso à máquina em que os arquivos foram gravados, não é possível identificar se um arquivo foi apagado ou renomeado.

Disse ainda que o arquivo pode ter sido trocado e seria necessário o acesso ao equipamento original.

A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais afirmou ao jornal que é temerário o possível arquivamento de uma notícia de fato sem o devido exame pericial oficial e que isso abre espaço para uma guerra de versões e opiniões distante dos fatos.

A reportagem diz que o único objetivo da análise nos arquivos entregues pelo condomínio foi confirmar se era de Ronnie Lessa a voz que autoriza a entrada de Élcio Queiroz. E isso foi confirmado.

Os peritos usaram como base de comparação o interrogatório de Lessa à Justiça no caso Marielle, em 4 de outubro.

Segundo a Folha de S.Paulo, o Ministério Público disse também não ser possível confirmar nem mesmo se a gravação registrada na portaria é do mesmo porteiro que prestou depoimento.

O Jornal Nacional também teve acesso ao processo e também fez perguntas sobre a perícia. O Ministério Público não explicou por que não comparou a voz do porteiro com o áudio, já que o depoimento dele foi gravado pela polícia.

À noite, o MP confirmou que o sistema de áudio da portaria e o computador não foram apreendidos porque, a partir do momento em que houve a citação da autoridade com foro, nenhuma outra medida de busca poderia ser adotada. O Ministério Público informou que realizou a perícia no arquivo de áudio apreendido porque Ronnie Lessa não possui foro de prerrogativa de função.

O Jornal Nacional também perguntou ao MP como os peritos conseguiram responder às perguntas das promotoras em menos de três horas, já que havia três meses de conversas gravadas. O MP se limitou a responder que estas informações estão no processo”.

Nenhuma dessas dúvidas foram, até agora, esclarecidas. Nenhuma pergunta foi respondida.

O caso é mesmo escabroso. E o lance mais insólito de todo esse affair Nostradamus foi a coletiva arranjada às pressas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Com ênfase, a procuradora Simone Sibílio (a nossa nova Sibila), atestou, reiteradamente, que “o porteiro mentiu”.

Aliás, Carmen Bastos de Carvalho, uma das três promotoras presentes na coletiva concedida às pressas, um dia depois da reportagem do Jornal Nacional, pelo MP-RJ, que asseverou que o porteiro teria mentido, é bolsonarista convicta. Nas eleições, fez campanha para Bolsonaro, postando foto vestida com camiseta no seu Instagram:

Após a vitória, publicou que estamos “libertos do cativeiro esquerdopata”.

Na ocasião da posse, escreveu que, há anos, não se sentia tão emocionada.

Em outra foto, aparece abraçada com o deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL), um dos truculentos responsáveis por rasgar uma placa com o nome de Marielle Franco.

A entrevista coletiva da promotora Simone Sibílio e suas colegas (do MPRJ) e as declarações de Augusto Aras (da PGR) só confirmam que o tal Ministério Público não é uma instituição tão séria, independente e confiável como muitos imaginavam.

MAS PARA BOLSONARO O VERDADEIRO CULPADO NÃO É O “PORTEIRO MENTIROSO”

Todo o caso do “porteiro mentiroso”, entretanto, foi resolvido pelo próprio Bolsonaro. Ele já achou o mandante, o verdadeiro culpado. Em pelo menos três entrevistas deixou claro que por trás de tudo está o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Em uma delas, a primeira, concedida no dia 30/10, ainda na Arábia Saudita, declarou (está gravado em vídeo):

“Nos surpreende a qualquer um a Polícia Civil, o delegado que tá fazendo o inquérito, ignorar isso e inventar um depoimento, no meu entender por ordem e determinação do senhor governador Witzel para tentar me prejudicar… No meu entender, é uso político por parte do governador Witzel que agiu, no meu entender, criminosamente. Não só conduzindo para onde queria o inquérito, bem como tendo acesso a um processo que tramitava em segredo de Justiça. No meu entender, um ato criminoso do governador do Rio de Janeiro que tem ambições políticas. Mas como não tem competência para aparecer no Brasil, acaba atacando o atual presidente da República”.

Ora, se é assim, então já se achou, segundo o presidente, o culpado: o bolsonarista Witzel. Tudo não passa, pois, de uma luta interna no campo bolsonarista.

Quer dizer que não foram os comunistas que mandaram o porteiro mentir, certo? Ou será que Wilson Witzel também é comunista e a gente não sabia?

Se foi o bolsonarista Witzel que vazou o tema sigiloso para a Globo (como assevera Bolsonaro) o dever jornalístico da emissora era publicar mesmo, depois de atestar a autenticidade do material. E era autêntico até então. Como a Globo poderia saber da perícia invalidando o depoimento do porteiro se ela só foi concluída – no corre-corre – um dia depois da matéria do Jornal Nacional ir ao ar e até ontem (30/10) nem havia sido ainda, segundo o MP, anexada ao processo?

Bom, se Bolsonaro já achou o culpado (Witzel), então do que se trata é de torturar o porteiro para que confesse que foi o governador que mandou ele mentir. Que falta que faz, nesta hora, os serviços de um experiente Brilhante Ustra!

Claro que o porteiro pode ter se equivocado, por três vezes: nas duas comunicações por interfone (ou telefone interno ou externo) e no registro escrito. Mas isso não significa que ele seja mentiroso (o que supõe dolo).

Os bolsonaristas não vão na conversa de que Witzel é o culpado. A farsa bolsonarista do “porteiro mentiroso” – da qual participaram Bolsonaro, seu filho Carlos e, de um modo ou de outro, o Procurador Geral da República, Augusto Aras, as procuradoras do MP do Rio de Janeiro, o Ministro da Justiça Sergio Moro e o Advogado Geral da União, André Mendonça – serve apenas para alimentar o delírio conspiratório dos autoritários. Foram os comunistas que mandaram Adélio matar Bolsonaro, os comunistas que promoveram as manifestações no Chile, os comunistas que derramaram óleo em nossas praias e… os comunistas que mandaram o porteiro mentir!

Neste exato momento órgãos de controle do Estado parecem já estar a serviço do projeto de poder de Bolsonaro, incluindo MJ (comandado por Moro), AGU, PGR e outras instâncias do MP. É bom não relevar os pequenos sinais. É gravíssimo.

PARA CONCLUIR

Os democratas não temos nada a ver com as acusações de crimes contra os Bolsonaro. Estranhamos as relações incontestes da família Bolsonaro com milicianos. Reprovamos a maneira com que Bolsonaro, seus filhos, seu guru e seus sequazes, tratam as instituições da democracia, sobretudo a imprensa. Ponto.

O que fica? Bolsonaro quer aproveitar o caso (ainda inexplicado) do “porteiro mentiroso” para conseguir uma espécie de atestado de inimputabilidade para todos os crimes passados, presentes e futuros da família.

Bolsonaro quer governar para 1/3, mas ele não tem 1/3 da população

Não há mais dúvida de que Bolsonaro quer uma ditadura