Não há mais dúvida de que Bolsonaro, seus filhos, seus gurus (Olavo e Bannon) e seus sequazes (tipo Filipe Martins, Allan dos Santos, Bernardo Kuster, Leandro Ruschel e, inclusive, o ex-general, auxiliar de Sylvio Frota, Augusto Heleno – dentre uma centena de outros autocratas) querem uma ditadura. Só não dão um golpe de Estado porque há resistência da sociedade e das instituições. E por falta de força político-militar para tanto (de vez que os comandos militares não querem novamente entrar em tal aventura).
A Veja preparou um bom resumo das reiteradas vezes em que Bolsonaro e seus filhos exaltaram e acenaram à ditadura. Leiam abaixo. Voltamos depois para um comentário final.
Doze vezes em que Bolsonaro e seus filhos exaltaram e acenaram à ditadura
Presidente, que nega ter havido golpe militar em 1964, disse ontem que ‘está sonhando’ quem cogita um ‘novo AI-5’, como fez seu filho Eduardo
Por Redação, Veja, 1 nov 2019, 15h49
A declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho de Jair Bolsonaro, sobre a possibilidade de um “novo AI-5” caso a esquerda “radicalize” suas posições no país levou o presidente a dizer que “está sonhando” quem pensa em medidas como o Ato Institucional que recrudesceu a ditadura militar, assinado em 13 de dezembro de 1968.
O próprio presidente e seus filhos, no entanto, acumularam ao longo de suas carreiras políticas diversas manifestações de profundo apreço pelo regime militar. Enquanto era apenas um deputado de baixo clero, o capitão sempre negou ter havido golpe em 31 de março de 1964 e tinha o costume de comemorar a data com rojões e faixas que agradeciam aos militares: “Graças a vocês o Brasil não é Cuba”. Somente no plenário da Câmara dos Deputados, em duas ocasiões diferentes, Bolsonaro disse “louvar” o AI-5 e se referiu ao ato baixado pelo ex-presidente Costa e Silva como “saudoso”.
Veja abaixo dez ocasiões em que o clã presidencial enalteceu a ditadura:
“Não houve golpe militar em 1964”
Já candidato à presidência da República, em julho de 2018, Jair Bolsonaro negou no programa Roda Viva que tenha havido golpe militar em 31 de março de 1964, versão defendida por ele há décadas. “Não houve golpe militar em 1964. Quem declarou vago o cargo do presidente na época foi o Parlamento. Era a regra em vigor”, defendeu. O ponto de vista é compartilhado por Eduardo Bolsonaro, que já questionou o golpe no Twitter. “Que golpe é esse? Seu professor já te ensinou isso? O que é uma ditadura? E um golpe? Para a esquerda, ditadura é quando não é ela que está no poder e golpe é quando eles saem do poder. Em 2016 e em 1964, foi o Congresso, com amplo apoio popular, que destituiu os presidentes”, escreveu o Zero Três.
“Eu louvo o AI-5” (dezembro 2008)
Em uma sessão no plenário da Câmara em 11 de dezembro de 2008, às vésperas de a edição do AI-5 completar 40 anos, Bolsonaro ocupou a tribuna do plenário da Casa para “louvar” a imposição do Ato Institucional. “Eu louvo os militares que, em 1968, impuseram o AI-5 para conter o terror em nosso País, ato também apoiado pela mídia, apoiado pelo Supremo Tribunal Federal […] Mas eu louvo o AI-5 porque, pela segunda vez, colocou um freio naqueles da esquerda que pegavam em armas, sequestravam, torturavam, assassinavam e praticavam atos de terror em nosso País”, discursou.
O “saudoso” AI-5 (março 2010)
No 46º aniversário do golpe militar, em 31 de março de 2010, Jair Bolsonaro voltou a discursar no plenário da Câmara para exaltar os feitos da ditadura. Lá pelas tantas, depois de dizer que o golpe “deu início a 20 anos de glória, período em que o povo gozou de plena liberdade e de direitos humanos”, ele disse que o país chegou a ser a 8ª maior economia do mundo porque “a roubalheira praticamente não existia”. “E, quando [a corrupção] aparecia, a autoridade era cassada pelo saudoso AI-5, que veio para evitar que o terrorismo se expandisse mais em nosso País. O povo, iludido, lamentavelmente trocou tudo isso por voto”.
“64 foi imposição popular” (fevereiro 2013)
Quando a blogueira cubana Yoani Sánchez, conhecida pelas críticas ao regime de Havana, veio ao Brasil e visitou a Câmara, em fevereiro de 2013, Jair Bolsonaro não perdeu a oportunidade de dizer a ela o que entende ter ocorrido em 31 de março de 1964. “64 foi uma imposição popular. A história está aí. Quem fala em ditadura militar não quer ler a história”, declarou.
“Pela memória de Ustra” (abril 2016)
As declarações de Bolsonaro em defesa da ditadura ganharam projeção inédita na votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff na Câmara, em abril de 2016. Com os olhos do país voltados ao plenário da Casa, Bolsonaro citou o coronel do Exército Carlos Aberto Brilhante Ustra, notório torturador e chefe do DOI-Codi em São Paulo entre 1970 e 1974. “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff (…), o meu voto é sim”, disse o presidente, ao lado do filho Eduardo, que repetia as palavras do pai.
Na entrevista ao Roda Viva em julho de 2018, o então presidenciável Bolsonaro citou A Verdade Sufocada, de Ustra, como seu livro de cabeceira.
O “erro” da ditadura (junho 2016)
Dois meses de dedicar seu voto no impeachment de Dilma a Brilhante Ustra, Jair Bolsonaro disse em entrevista à rádio Jovem Pan que “o erro da ditadura foi torturar e não matar”.
“Um cabo e um soldado” (julho 2018)
Em uma palestra a alunos de um curso preparatório para o concurso da Polícia Federal, em julho de 2018, Eduardo Bolsonaro não citou diretamente a ditadura militar, mas descreveu o que seria necessário para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF), medida tipicamente ditatorial: “Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não”.
“Comemoração” nos quarteis (março 2019)
Habituado a comemorar o 31 de março de 1964 enquanto era parlamentar – “afinal de contas, foi um novo 7 de setembro” – Jair Bolsonaro, já no Palácio do Planalto, orientou os quarteis a fazerem o mesmo em 2019. Depois da repercussão negativa de sua declaração, inclusive entre generais, que defendiam uma mensagem “suave”, o presidente recuou e disse ter falado apenas em “rememorar” a data.
No dia 31 de março, o canal de comunicação oficial do Planalto divulgou um vídeo que defende a versão bolsonarista para o golpe. “O Exército nos salvou. O Exército nos salvou. Não há como negar. E tudo isso aconteceu num dia comum de hoje, um 31 de março. Não dá para mudar a história”, diz o ator. O apresentador convida as pessoas a buscar mais detalhes e depoimentos nos jornais, revistas e filmes da época. Na parte final, o vídeo é concluído sob o Hino Nacional, e um outro narrador, agora apenas com voz e sem imagem, diz: “O Exército não quer palmas nem homenagens. O Exército apenas cumpriu o seu papel”.
O vídeo foi compartilhado por Eduardo Bolsonaro no Twitter:
Num dia como o de hoje o Brasil foi liberto. Obrigado militares de 64! Duvida? Pergunte aos seus pais ou avós que viveram aquela época como foi?
“Balela” sobre mortos pela ditadura (julho 2019)
Ao criticar a Ordem dos Advogados do Brasil, Jair Bolsonaro atacou o presidente da entidade, Felipe Santa Cruz, e disse que poderia “contar a verdade” sobre como o pai dele, Fernando Santa Cruz, militante de esquerda, desapareceu na ditadura militar. “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”, afirmou o presidente. No dia seguinte, questionado em meio à repercussão da fala, Bolsonaro classificou como “balela” arquivos oficiais sobre mortos na ditadura, como os produzidos pela Comissão Nacional da Verdade.
Cinco dias antes da declaração de Bolsonaro sobre Fernando Santa Cruz, Um órgão do governo, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, porém, reconheceu que o óbito de Fernando, em 1974, ocorreu “em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro”.
Filme pró-ditadura (fevereiro 2019)
Em fevereiro, Eduardo Bolsonaro divulgou no Twitter o documentário 1964: O Brasil entre armas e livros, que ameniza a ditadura militar e estreou no simbólico 31 de março. Em sua publicação, o filho do presidente escreveu que o filme fala “verdades nunca antes contadas – muito menos pelo seu professor de história”.
1964, O FILME!
Uma produção Brasil Paralelo @brasilparalelo que estreia nos cinemas dia 31 de MARÇO falando verdades nunca antes contadas – muito menos pelo seu professor de história!
Encontro com viúva de Ustra (agosto 2019)
Em 8 de agosto, Bolsonaro recebeu no Palácio do Planalto Maria Joseíta Silva Brilhante Ustra, viúva do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Antes do encontro, o presidente disse ser “apaixonado” por Maria Joseíta e se referiu a Ustra como “herói nacional”. “Tem um coração enorme. Eu sou apaixonado por ela. Não tive muito contato, mas tive alguns contatos com o marido dela enquanto estava vivo. Um herói nacional que evitou que o Brasil caísse naquilo que a esquerda hoje em dia quer”, disse.
Carlos e as “vias democráticas” (setembro 2019)
O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho Zero Dois de Jair Bolsonaro, afirmou no início de setembro, por meio do Twitter, que “por vias democráticas, a transformação que o Brasil quer não acontecerá” na velocidade que o governo planeja. No texto, Carlos reclama ainda da atuação de políticos da oposição, sem citar nomes. Segundo ele, os avanços são ignorados, e os malfeitores, “esquecidos”.
O governo Bolsonaro vem desfazendo absurdos que nos meteram no limbo e tenta nos recolocar nos eixos. O enredo contado por grupelhos e os motivos cada vez mais claro$ lamentavelmente são rapidamente absorvidos por inocentes. Os avanços ignorados e os malfeitores esquecidos.
Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos… e se isso acontecer. Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes!
NÃO PODE HAVER MAIS NENHUMA DÚVIDA
Depois disso não pode haver mais nenhuma dúvida de que o projeto da família Bolsonaro é sangrar a nossa democracia para que dela se esvaia todo o conteúdo liberal. Isso não significa, necessariamente, dar um golpe de Estado clássico e implantar uma ditadura (como a de 1964, embora muitos gostassem). Mas significa transformar a nossa democracia eleitoral em uma democracia eleitoral cada vez menos liberal e, no limite, se for possível, em uma autocracia eleitoral. Registre-se que a autocracia eleitoral é hoje – segundo a classificação do V-Dem da Universidade de Gotemburgo – o tipo de regime político mais numeroso do mundo.
Ou seja, o Brasil não é uma ditadura (uma autocracia fechada, não-eleitoral), nem mesmo uma autocracia eleitoral e sim uma democracia eleitoral (insuficientemente liberal em termos políticos). Mas o comando do governo brasileiro está entregue nas mãos de autocratas, que chegaram ao governo pelo voto para alterar a natureza do regime com o fito de autocratiza-lo. Como, nas condições atuais, isso não pode ser feito de uma vez, por um ato de força (porque falta força e porque a reação internacional seria insuportável), adota-se então a via Orbán, que consiste em derruir progressivamente as bases sociais e os mecanismos institucionais que permitem o funcionamento de uma democracia liberal.
O Brasil, felizmente, não é uma ditadura, mas a camarilha governante é ditatorial.