Tuitei hoje, a propósito das críticas que vêm sendo feitas, por intelectuais acadêmicos, às bobagens ditas por Olavo de Carvalho:
Não sei o que é mais excruciante para um pensador OpenScience inovador: desmascarar as imbecilidades anticientíficas do dementador Olavo de Carvalho ou mostrar que as críticas pedestres que os acadêmicos conservadores fazem a ele são próprias de uma ClosedScience.
Tudo isso começou, na verdade, com um post no Facebook, reproduzido abaixo:
A CRÍTICA HETERODIDÁTICA A OLAVO DE CARVALHO CONTRIBUI PARA O ATRASO
Um dos maiores desserviços de Olavo de Carvalho foi desmoralizar o autodidatismo e o alterdidatismo (“eu guardo meus conhecimentos nos meus amigos”). Como ele trilhou um caminho fora das burocracias do ensinamento, mas adotou uma postura anticientífica e começou a dizer besteiras em profusão, as pessoas atribuem isso ao fato de ele não ter certificados e diplomas.
Isso está errado. Pessoas intelectualmente honestas e criativas podem trilhar tais caminhos. Liev TOSLTOI (1862) já havia reconhecido, no seu magnífico artigo “Da instrução popular”, que não existe uma educação e sim uma variedade imensa de processos de aprendizagem, cuja maior parte é sem-escola, sem-ensino e sem-professor. E pelo mesmo caminho foram, entre tantos outros, Carl ROGERS (1961 e 1980), Ivan ILLICH (1970), Michel FOUCAULT (1975), Humberto MATURANA (1982 e 1993) e John HOLT (1989).
Ao virar uma celebridade anticientífica, Olavo está prejudicando as iniciativas de todos os que se esforçam não para melhorar a educação e sim para mudá-la – como Yuval Harari (2018) tem deixado claro recentemente: isso agora é uma necessidade imperiosa para não criarmos uma classe de inúteis e descartáveis.
Mesmo que tivesse diplomas – de mestrado, doutorado, pós-doutorado ou livre-docência – reconhecidos pelas corporações medievais meritocráticas remanescentes que chamamos de universidades, Olavo poderia continuar falando besteiras (anticientíficas). Ele não tem certificados não por incapacidade intelectual de obtê-los e sim porque não se conformou em ser um paciente da ensinagem, porque sua trajetória de vida o levou a isso ou porque quer questionar a hegemonia do pensamento científico que virou uma espécie de pansofia na modernidade, como mostrou Paul FEYERABEND (1975): quase uma religião laica.
Retrogradador que é, ele quer que a filosofia continue tendo prevalência sobre a ciência, como na academia platônica (um centro de formação de tiranos), no liceu aristotélico e na escolástica medieval. Ele quer, como esclareceu Maturana (1993), restaurar “o uso normativo de teorias filosóficas que dão conta da experiência humana por meio de princípios explicativos… julgados como transcendentalmente válidos a priori, ou pelo uso da razão sob a forma de teorias filosóficas de caráter político, moral ou religioso, fundamentadas em verdades aceitas a priori como evidentes e inegáveis”. Ele não aceita uma ciência independente da filosofia porque quer ser replicador de um pensamento patriarcal que sempre usou a ciência de maneira normativa ou subordinou-a à filosofia.
Para entender isso é preciso perceber que ciência e filosofia são duas formas diferentes de pensar e lidar com o mundo da experiência. São dois domínios, dois âmbitos explicativos: na ciência as explicações são validadas pela coerência (objetiva) das experiências do cientista que podem ser verificadas por uma comunidade (de cientistas). Na filosofia as explicações são validadas por sua coerência (subjetiva), com a conservação dos princípios básicos sustentados pelo filósofo.
Isso tem a ver, embora não pareça, com a ruptura epistemológica surgida com alguns pré-socráticos (a rigor, os primeiros cientistas) e com o modo de pensar dos sofistas que floresceram no ambiente da primeira democracia.
Olavo de Carvalho é assim como é não porque seja burro, não porque não tenha condições de passar num vestibular e sim porque não aceita a liberdade do pensamento trazida pela democracia, ou seja, não aceita a objetivação não normativa que constitui o fundamento do modo científico de explicar.
Já havia abordado o tema em outro artigo, intitulado Sobre falsos e verdadeiros currículos acadêmicos. Mas como muita gente, naturalmente, não sabe o que chamo de open science, reproduzo abaixo um texto que escrevi sobre o assunto em 2014 e reeditei em 2018 (e adaptei em 2020): O que é ciência.