Uma vez experimentado por um número suficiente de seres humanos, um modo-de-vida pode tornar-se um padrão que se replica, inspirando agires (comportamentos) conexos em outras regiões do tempo.
É por isso que não podemos nos livrar da influência dos totalitarismos e, em termos mais gerais, de padrões míticos, sacerdotais e hierárquicos que estão presentes em qualquer autocracia.
E é por isso que os fundamentos da civilização patriarcal jamais vão desaparecer. Quando as condições ambientais – ou as configurações do campo interativo da convivência social – o permitem, a coisa toda volta, ainda que sob outras formas.
As raízes ancestrais da tirania, percebidas há mais de 5 milênios no Estado-Templo mesopotâmico, estão presentes no tribalismo patriarcalista dório (que invadiu e contaminou Esparta, Creta e Siracusa por volta, talvez, do ano 1.000 a.C.) – e, pulando um sem número de dark ages que sobrevieram nos três milênios seguintes – nos totalitarismos do século 20 e nos populismos do século 21. E vão continuar por aí, nos séculos 22, 23 e além – desde que existam padrões mais centralizados do que distribuídos de organização condicionando (e sendo condicionados por) modos mais autocráticos do que democráticos de regulação de conflitos (ou seja, guerra). Essa é a hipótese básica de uma teoria de reconhecimento de padrões autocráticos.
Todavia, o que realmente se replica? O que se replica são caminhos sulcados no espaço-tempo dos fluxos, modos recorrentes de interagir, de ver e de interpretar, comportamentos compatíveis com ideias míticas, sacerdotais e hierárquicas, que conformam padrões autocráticos.
Todavia, padrões democráticos (se se pode falar assim), quer dizer, comportamentos compatíveis com ideias de liberdade como sentido da política – de que a nossa liberdade não termina, mas começa, onde começa a liberdade do outro (quer dizer, de que ninguém pode ser livre sozinho) – com ideias de autonomia, com ideias colaborativas, de auto-organização e de rede (mais distribuída do que centralizada), também se replicam. Foi, aliás, o que aconteceu com a primeira democracia, que desapareceu como regime político estável em 322 a.C., mas foi retomada a partir do século 17 da nossa era.
Toda vez que conseguimos ensaiar democracia, geramos esporos que podem florescer em outras regiões do tempo… Ou seja, nada que fazemos nesse sentido estará perdido porque não conseguimos colocar no governo um democrata liberal radical como Péricles (cabe lembrar que a democracia não é propriamente sobre governo e sim sobre controlar o governo).
A democracia foi uma brecha aberta no muro da cultura patriarcal (hierárquica e guerreira). Talvez tenha sido a primeira grande brecha. Por essa brecha puderam passar correntes humanizantes. E elas continuam passando. E conseguem passar em cada momento em que constituímos amizades ou desconstituimos inimizades políticas. E elas conseguem passar toda vez que regulamos nossos conflitos de modo pacífico ou não guerreiro. Quando fazemos isso “produzimos” mais democracia. Sim, a democracia não humaniza o mundo de uma vez. Ela vai humanizando o mundo um instante de cada vez.