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Qual é o real tamanho da extrema-direita no Brasil

No Brasil de hoje a extrema-esquerda (insurrecional, adepta da guerra popular ou do foco revolucionário, não-populista) é vestigial. E o mesmo acontece com a direita (genuinamente conservadora ou liberal-conservadora, que aceita e convive bem com a democracia, não-populista). O que existe é uma esquerda dita “progressista” e uma extrema-direita reacionária, ambas populistas, ambas i-liberais e ambas majoritaristas, que aderem às eleições como um meio de usar a democracia contra a democracia.

Qual é o real tamanho dessas forças políticas que polarizam a cena pública?

O resultado da votação em primeiro turno da reforma da Previdência na Câmara dos Deputados (10/07/2019) – ainda que não sirva como dado válido do ponto de vista analítico, mas apenas demonstrativo – pode dar uma ideia do real tamanho da esquerda: 25% (131 votos não) e não os 45% obtidos por Haddad em 2018, que incluíram votos anti-Bolsonaro e votos, em sua maioria do Nordeste, dados por medo de perder o Bolsa Família.

Mas, atenção! Dos 75% (379 votos sim) que aprovaram a reforma da Previdência, os votos pró-Bolsonaro eram também franca minoria.

Qual é então o real tamanho da extrema-direita? Se tirarmos dos 55% obtidos no segundo turno por Bolsonaro, os votos do medo da volta do PT, os votos do medo da escalada da insegurança pública e os votos dos indignados com a corrupção (do moralismo popular e do preconceito contra a política explorados e estimulados pelo lavajatismo), quantos sobram? O resultado dará uma ideia do tamanho da extrema-direita.

Descontando (numa estimativa especulativa) cerca de 15 a 20% dos votos realmente antipetistas, 5 a 10% dos votos dos apavorados com a escalada de insegurança e 15 a 20% dos votos indignados com a corrupção na política e com a própria política – e sem os quais Bolsonaro jamais teria vencido a eleição (incluindo nas duas últimas estimativas o voto ôba-ôba, dos que foram na onda do voto útil, quer dizer, dos que votaram no candidato que ia ganhar para não “perder o voto”, mesmo no segundo turno) (1), sobram cerca de 10% dos votos convictos em Bolsonaro. Este é o real tamanho da extrema-direita.

A chamada esquerda (“progressista”) ainda é bem maior (o dobro ou mais) do que a extrema-direita.

A impressão de que o bolsonarismo (a extrema-direita reacionária, populista-autoritária, nacionalista ou antiglobalista e anticomunista macarthista) é maior do que de fato é, vem do uso de tecnologias bannonistas (que foram compradas de Steve Bannon) de manipulação das mídias sociais, sobretudo do broadcasting privado e do fluxo descendente em árvore permitidos pela topologia descentralizada do WhatsApp (por meio do qual foram colonizados o Twitter e, em parte, o Facebook e o Instagram).

Ocorre que todo esse carnaval bolsonarista nas mídias sociais pode ser feito por apenas cerca de 50 mil pessoas (que replicam diariamente e religiosamente cerca de três fatwas – na forma de hashtags, memes, vídeo-memes ou pequenos discursos – emitidas por menos de 100 hubs – e sabemos quem são estes hubs, seus nomes e sobrenomes).

Por mais que se repita isso, as pessoas, entretanto, não entendem que os bolsonaristas (não confundir com os eleitores de Bolsonaro) não chegam a 4% do eleitorado total.

Não se está falando aqui de eleitores de Bolsonaro que continuam apostando nele, em maior ou menor grau, e sim dos bolsonaristas mesmo: os jihadistas virtuais, os bolsominions (incluindo a tiazinha do zap e o aposentado meio-histérico), os militantes fiéis, os nacionalistas ou antiglobalistas, os anticomunistas macarthistas.

É claro que a base vulnerável ao discurso bolsonarista (e capturável pela pré-campanha  Bolsonaro 2022, que já começou) é bem maior. Segundo a última pesquisa Data Folha, cerca de 12% do eleitorado acham que Bolsonaro fez mais do que o esperado. Claro que há aí os que, tendo feito uma opção, tendem a justificá-la e a não dar facilmente o braço a torcer. Até quando, não se sabe.

Os contingentes que compõem a base social predisposta ao bolsonarismo não equivalem aos cerca de 58 milhões de eleitores de Bolsonaro. Devem perfazer um total de 20, no máximo 30 milhões de pessoas, dos quais apenas uma pequena fração (em torno de 5 milhões de pessoas) foi, pelo menos até agora, arrebanhada ou capturada pelo bolsonarismo (2).

É preciso entender que 64% das famílias, que ganham até 3 mil reais mensais, não são uma base social propícia ao bolsonarismo. O bolsonarismo é um fenômeno das classes médias, que correspondem, mais ou menos, àquilo que os agentes de mercado chamam de “Classe B” (com renda média familiar maior do que 5 e menor do que 17 mil reais mensais e por isso é enquadrada como “classe média” em termos de consumo, ainda que uma parte de cima da chamada “Classe C”, com renda perto de 5 mil reais e uma parte de baixo da chamada “Classe A”, com renda perto de 17 mil reais, também possam ser incluídas nessa base).

Repetindo. Essa base é composta por setores médios da população (a tal “classe média”) e não pelo chamado “povo” – no sentido de pobre, trabalhador braçal urbano e rural (com renda familiar de até 3 salários mínimos). Desempregados, empregados informais e jovens (estudantes) não compõem significativamente essa base.

É uma base predominantemente branca, composta por empregados formais, autônomos, aposentados e pequenos e médios empresários, com renda familiar acima de 5 salários mínimos, ensino superior completo ou incompleto e idade média de 45 anos. Não inclui, significativamente, pretos e pardos, trabalhadores braçais, analfabetos ou pessoas apenas com escolaridade fundamental e jovens – que ainda são, somados, a imensa maioria da população brasileira.

Notas

(1) No primeiro turno foi a mesma coisa. O voto anti-esquerda e não-esquerda (Bolsonaro = 46,03% + Amoedo = 2,50% + Daciolo = 1,26% + Eymael = 0,04 não chegou a 50%, ou seja, ficou em 49,83%) enquanto que o voto dito “de esquerda” pelo bolsonarismo (incluindo centro-esquerda e centro) ultrapassou (ainda que por pouco) os 50% (Haddad = 29,28% + Ciro = 12,47% + Alckmin = 4,76% + Meirelles = 1,20% + Marina = 1% + Dias = 0,80 + Boulos = 0,58 + Vera = 0,04 + Goulart = 0,03 – o que perfaz 50,16%). Considere-se que tivemos quase 30% de eleitores (29,12%) que não escolheram ninguém no primeiro turno (número que não subiu significativamente no segundo turno, ficando em 30,87%).

(2) Ou seja, o chamado “povo” de Bolsonaro (39% do eleitorado de 147 milhões, posto que 58 milhões votaram nele enquanto que 90 milhões não o escolheram) não é, em cerca de 90%, convictamente bolsonarista.


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