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Comentários a ‘O Fascínio de Platão’ de Karl Popper – Capítulo 8

No dia 25 de março de 2019 os inscritos no programa Novos Pensadores começaram a se debruçar sobre o primeiro volume de A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, de Karl Popper (1945), intitulado O Fascínio de Platão.

Entender as razões do fascínio de Platão é fundamental para a aprendizagem democrática.

Como uma canja para os que não estão fazendo o programa vamos publicar aqui os textos originais de Popper – com destaques em vermelho e os comentários provocativos em azul – que geraram conversações democráticas entre os participantes do curso.

Já publicamos os comentários à Introdução do primeiro volume. E também os comentários aos dois primeiros capítulos. E, em seguida, os comentários ao terceiro capítulo e os comentários ao quarto capítulo. E os comentários ao capítulo 5 e ao capítulo 6 e ao capítulo 7. Segue abaixo o capítulo 8.

PRIMEIRA PARTE

O FASCÍNIO DE PLATÃO

Em favor da Sociedade Aberta (cerca de 430 A. C.):

“Embora somente poucos possam dar origem a uma politica, somos todos capazes de julgá-la”.

Péricles de Atenas

Contra a Sociedade Aberta (cerca de 80 anos depois):

“O maior de todos os princípios é que ninguém, seja homem ou mulher, deve carecer de um chefe. Nem deve a mente de qualquer pessoa ser habituada a permitir-lhe fazer ainda que a menor coisa por sua própria iniciativa, nem por zelo, nem mesmo por prazer. Na guerra como em meio à paz, porém, deve ela dirigir a vista para seu chefe e segui-lo fielmente. E mesmo nas mais ínfimas questões deve manter-se em submissão a essa chefia. Por exemplo, deve levantar-se, ou mover-se, ou lavar-se, ou tomar refeições… apenas se lhe for ordenado que o faça. Numa palavra, deve ensinar sua alma, por hábito prolongado, a nunca sonhar em agir independentemente e a tornar-se totalmente incapaz disso”.

Platão de Atenas

CAPÍTULO 8

O REI FILÓSOFO

E o estado erigirá monumentos… para celebrar sua memória. E sacrifícios ser-lhes-ão oferecidos como a semi-deuses…. como a homens que são abençoados pela graça e semelhantes a deuses.

Platão

O contraste entre os credos platônico e socrático é mesmo maior do que até aqui mostrei. Platão, disse eu, acompanhou Sócrates em sua definição do filósofo. “A quem chamas verdadeiros filósofos? Aos que amam a verdade”, lemos na República (1). Mas ele próprio não é inteiramente verdadeiro ao fazer essa asserção. Não crê realmente nela, pois rudemente declara, em outras partes, que um dos privilégios reais do soberano é fazer pleno uso de mentiras e enganos. “Se há alguém com direito a mentir, este só pode ser o governante da cidade, a fim de enganar a seus inimigos e a seus próprios concidadãos em beneficio da cidade; mas nenhum outro deve gozar desse privilégio” (2).

“Em benefício da cidade”, diz Platão. De novo se vê aqui que o princípio da utilidade coletiva constitui a consideração ética fundamental. A moralidade totalitária governa tudo, inclusive a definição, a Ideia do filósofo. Nem seria mister acrescentar que, pelo mesmo princípio de conveniência política, os súditos estão obrigados a dizer a verdade. “Se o governante surpreender alguém em uma mentira… castigá- lo-á então, por fomentar uma prática que põe em perigo e fere a cidade…” (3) Só neste último sentido, levemente inesperado, é que os governantes platônicos — os reis filósofos — se mostram amantes da verdade.

Popper continua insistindo na tese, improvável (hehe), de que Platão teria desvirtuado ou degenerado o pensamento de Sócrates.

I

Platão ilustra essa aplicação de seu princípio de utilidade coletiva ao problema da veracidade com o exemplo do médico. O exemplo é bem escolhido, pois Platão gosta de visualizar sua missão política como a do curador ou salvador do corpo enfermo da sociedade. Fora isso, o papel que ele destina à medicina lança luz sobre o caráter totalitário da cidade de Platão, em que o interesse do estado domina a vida dos cidadãos, desde o casamento de seus pais até ao túmulo. Platão interpreta a medicina como uma forma de política, ou, como ele próprio diz, encara “Esculápio, o deus da medicina, como um político (4)”. A arte médica, explica, não deve considerar o prolongamento da vida como o seu alvo, e sim o interesse do estado. “Em todas as comunidade devidamente governadas, cada homem tem sua tarefa particular fixada no estado. É o que deve fazer e não tem tempo para gastar a vida caindo doente e sendo curado.” Em consequência, o médico “não tem o direito de atender a um homem que não possa desempenhar seus deveres normais, pois tal homem é inútil para si mesmo e para o estado”. A isto se acrescenta a consideração de que tal homem poderia ter “filhos provavelmente também enfermos”, que se tomariam igualmente uma carga para o estado. (Na velhice, Platão menciona a medicina, apesar de seu ódio aumentado ao individualismo, com inspiração mais pessoal. Queixa-se do médico que trata mesmo os cidadãos livres como se fossem escravos” emitindo ordens como um tirano cuja vontade é lei e correndo a seguir para atender ao próximo paciente-escravo” (5), e reclama gentileza e paciência maiores no tratamento médico, pelo menos daqueles que não sejam escravos.) Com relação ao uso de mentiras e enganos, Platão insiste em que estes são “úteis apenas como remédios” (6); mas o governante do estado, frisa Platão, não deve comportar-se como alguns desses “médicos comuns” que não têm a coragem de administrar remédios fortes. O rei filósofo, amante da verdade como filósofo, deve, como rei, ser “um homem mais corajoso”, visto como deve dispor-se a “administrar numerosas mentiras e ilusões” — em benefício dos governados, apressa-se Platão em dizer. Coisa que significa, como já sabemos, e como veremos novamente na referência de Platão à medicina “em benefício do estado”. Kant observou certa vez, com espírito muito diferente, que a sentença “a veracidade é a melhor política” pode em verdade ser discutível, ao passo que a sentença “a veracidade é melhor que a política” está fora de discussão (7).

Que espécie de mentiras tem Platão em mente quando exorta seus governantes a usarem remédios fortes? Crossman acentua, com razão, que Platão considera a “propaganda, a técnica de controlar o comportamento da… massa da maioria governada” (8). Por certo Platão tinha-o primeiramente em mente; mas, quando Crossman sugere que as mentiras da propaganda apenas se destinavam ao consumo dos governados, ao passo que os governantes seriam um corpo intelectual plenamente esclarecido, então não posso concordar. Acho, antes, que o completo, rompimento de Platão com qualquer coisa que se assemelhe ao intelectualismo de Sócrates em parte alguma é mais evidente do que na passagem em que ele por duas vezes expressa sua esperança de que mesmo os próprios governantes possam ser induzidos a crer, pelo menos após algumas gerações, na sua maior mentira propagandística: quero dizer, seu racismo, seu Mito do Sangue e do Solo, conhecido como o Mito dos Metais no Homem e dos Filhos da Terra. Vemos aqui que os princípios utilitários e totalitários de Platão derrogam tudo, até mesmo o privilégio dos governantes de conhecer a verdade e ordenar que ela lhes seja dita. O motivo para que Platão deseje que os próprios governantes acreditem na mentira da propaganda é sua esperança de aumentar-lhe o efeito salutar, isto é, fortalecer o regime da raça de amos e, por fim, deter toda mudança política.

Como sempre, Popper está certo ao apontar as tenebrosas bases do pensamento platônico, iludindo-se, porém, ao dizer que nada disso tem a ver, nem parcialmente, com o pensamento de Sócrates. Observe-se sua ousada frase: “completo, rompimento de Platão com qualquer coisa que se assemelhe ao intelectualismo de Sócrates“.

II

Platão apresenta seu Mito do Sangue e do Solo com a rude e franca admissão de que é uma fraude. “Bem, então — diz o Sócrates da República —- não poderíamos talvez fabricar uma dessas úteis mentiras que acabamos de mencionar? Com a ajuda de uma só mentira senhorial podemos, se tivermos sorte, chegar a persuadir mesmo os próprios governantes, e, se não, pelo menos o resto da cidade” (9). É interessante notar o emprego do termo “persuadir”. Persuadir alguém a crer numa mentira significa, com mais precisão, extraviá-lo, ou zombar dele; e estaria mais de acordo com o franco cinismo do trecho citado traduzi-lo assim: “poderemos, se tivermos sorte, burlar-nos até dos governantes”. Mas Platão emprega o termo “persuasão” com muita frequência e sua ocorrência aqui lança certa luz sobre outras passagens. Pode ser tomado como uma advertência de que passagens similares ele pode ter em mente mentiras de propaganda; mais especialmente onde advoga que o estadista deva governar “tanto pela persuasão como pela força” (10).

Depois de anunciar sua “mentira senhorial”, Platão, em vez de passar diretamente a narração de seu Mito, desenvolve primeiro um longo preâmbulo, um tanto semelhante ao extenso prefácio que precede sua descoberta da justiça; indicação, creio, de sua falta de segurança. Parece que ele não esperava que a proposta a seguir encontrasse aceitação muito favorável entre os leitores. O próprio Mito apresenta duas ideias. A primeira é fortalecer a defesa da terra-mãe; é a ideia de que os guerreiros de sua cidade são autóctones, “nascidos da terra de sua pátria” e dispostos a defender sua pátria, que é a sua mãe. Esta velha e bem conhecida ideia não é por certo o motivo da hesitação de Platão (embora o palavreado do diálogo claramente o sugira). A segunda ideia, porém, “o resto da história”, é o mito do racismo: “Deus colocou ouro naqueles que são capazes de governar, prata nos auxiliares e ferro e cobre nos camponeses e nas outras classes produtoras” (11). Esses metais são hereditários, são características raciais. Neste trecho em que Platão introduz, vacilante e pela primeira vez, sua doutrina racial, considera ele a possibilidade de que nasçam filhos com uma mescla de metais que não os de seus pais; eis a razão porque aí anuncia a seguinte regra: se, em alguma das classes mais baixas, “filhos nascerem com mistura de ouro e prata, serão… indicados para guardiães… e auxiliares”. Mas essa concessão é revogada em passagens posteriores da República (e também nas Leis), especialmente na história da Queda do Homem e do Número (12), parcialmente citada no capítulo 5 deste livro. Vemos nessa passagem que qualquer mistura com um dos metais baixos deve ser excluída das classes superiores. A possibilidade de misturas e mudanças correspondentes de posição, portanto, só significa que crianças nascidas na nobreza, mas degeneradas, possam ser rebaixadas, e não que qualquer filho das classes baixas possa elevar-se. O modo pelo qual qualquer mistura de metais deve levar à destruição é descrito na passagem conclusiva da história da Queda do Homem: “O ferro misturar-se-á com a prata e o bronze com o ouro, e dessa mistura nascerão a variação e a absurda irregularidade; e onde quer estas nasçam, engendrarão luta e hostilidade. E é assim que podemos descrever a ascendência e o nascimento da Dissensão, onde quer que ela surja” (13). É a esta luz que devemos notar como o Mito dos Filhos da Terra conclui com a cínica invenção de uma profecia por um oráculo fictício: “a cidade deve perecer quando guardada por ouro e cobre” (14). A relutância de Platão em apresentar imediatamente seu racismo nas suas formas mais radicais indica, suponho, que ele sabia quanto este se opunha às tendências democráticas e humanitárias de sua época.

Se considerarmos a rude admissão de Platão de que seu Mito do Sangue e do Solo é uma mentira de propaganda, então a atitude dos comentaristas para com o Mito é algo enigmática. Adam, por exemplo, escreve: “Sem isso, o presente esboço de um estado seria incompleto! Necessitamos de certa garantia para a permanência da cidade… e nada poderia estar mais de acordo com a moral predominante e o espírito religioso da educação de Platão… do que encontrar ele essa garantia antes na fé do que na razão” (15). Concordo (embora não seja bem isso o que Adam quis dizer) em que nada está mais de acordo com a moral totalitária de Platão do que sua defesa das mentiras de propaganda. Mas não compreendo absolutamente como o comentarista religioso e idealista possa declarar, por inferência, que religião e fé estejam no mesmo nível de uma mentira oportunista. Na realidade, o comentário de Adam é uma reminiscência do convencionalismo de Hobbes, da concepção de que os princípios da religião, embora não verdadeiros, são um instrumento político indispensável e da maior eficiência. E esta consideração vem mostrar-nos que Platão, afinal de contas, era mais convencionalista do que se poderia pensar. Ele nem sequer recua ante o estabelecimento de uma fé religiosa “através da convenção” (devemos levar a seu crédito a franqueza de admitir que se trata apenas de uma invenção), enquanto o reconhecido convencionalista Protágoras pelo menos acredita que as leis, feitas por nós, recebiam o auxílio da inspiração divina. É difícil compreender por que razão aqueles comentaristas de Platão (16) que o louvam por combater o convencionalismo subversivo dos sofistas e por estabelecer um naturalismo espiritual baseado em última análise na religião, deixam de censurá-lo por fazer da convenção, ou antes de uma invenção, a base definitiva da crença religiosa. De fato, a atitude de Platão para com a religião, como a revela sua “mentira inspirada”, é praticamente idêntica à de Crítias, seu bem-amado tio, o brilhante líder dos Trinta Tiranos, que estabeleceu um sangrento e inglório regime em Atenas depois da Guerra do Peloponeso. Crítias, poeta, foi o primeiro a glorificar as mentiras da propaganda, cuja invenção descreveu em fortes versos, louvando os sábios astutos que fabricaram a religião a fim de “persuadir” o povo, isto é, submetê-lo pela ameaça (17):

“Então veio, parece, um sábio astuto,
o primeiro inventor do medo aos deuses…
Forjou um conto, altamente sedutora
doutrina, em que a verdade se ocultava
sob os véus de mendaz sabedoria.
Disse onde moram os terríveis deuses
das alturas, em cúpulas girantes,
de onde ruge o trovão, e aterradores
relâmpagos do raio os olhos cegam…
Cingiu assim os homens com atilhos
de pavor, rodeando-os de deuses
em esplêndidos sólios, encantou-os
com seus feitiços, e os intimidou —
e a desordem mudou-se em lei e ordem.”

Mas Popper se esquece de dizer que Crítias era um dos mais brilhantes discípulos de… Sócrates! Ou seja, ele também teria participado da “conspiração” para degenerar os ensinamentos socráticos?

Na opinião de Crítias, a religião nada mais é do que à mentira senhorial de um grande e astuto estadista. As concepções de Platão são impressionantemente semelhantes, tanto na introdução do Mito na República (onde ele franca e rudemente admite que o Mito é uma mentira), como nas Leis, onde diz que a instalação de ritos e de deuses “é tarefa para um grande pensador” (18). Mas será esta a verdade completa a respeito da atitude religiosa de Platão? Era Platão apenas um oportunista em tais assuntos e seria simplesmente socrático o espírito, muito diferente, de suas obras mais antigas? Não há meio, sem dúvida, de decidir esta questão com certeza, embora intuitivamente eu sinta que por vezes pode haver um sentimento religioso mais genuíno, expresso mesmo em suas obras posteriores. Acredito, porém, que sempre que Platão considera assuntos religiosos em relação à política, seu oportunismo político varre todos os outros sentimentos. Assim é que ele exige, nas Leis, as mais severas punições até mesmo para as pessoas honestas e merecedoras de honras, desde que suas opiniões referentes aos deuses se desviem das mentiras pelo estado (19). Suas almas deverão ser submetidas a um Concílio Noturno de inquisidores (20) e, se não se desdisserem, ou se repetirem a ofensa, a acusação de impiedade significa a morte. Esqueceu ele que Sócrates caiu como vitima dessa mesma acusação?

Falso! Sócrates não foi acusado por isso, nem condenado por isso. E sim, provavelmente, pelo oposto: por ter gerado gente como Crítias e… Platão!

Da doutrina religiosa central de Platão pode-se deduzir que tais exigências são inspiradas principalmente pelo interesse do estado, e não pelo interesse na fé religiosa. Os deuses, ensina ele nas Leis, punem severamente todos os que se colocam do lado errado no conflito entre o bem e o mal, conflito que é explicado como o existente entre individualismo e coletivismo (21). E os deuses, insiste, têm ativo interesse nos homens, são meros espectadores. Não podem, também, ser levados a abster-se da punição, quer por orações, quer por sacrifícios (22). É claro o interesse político que se esconde atrás de tal ensinamento, e Platão o torna ainda mais claro ao exigir que o estado deva suprimir qualquer dúvida a respeito de qualquer parte desse dogma político-religioso e em especial a respeito da doutrina de que os deuses nunca deixam de punir.

O oportunismo de Platão e sua teoria das mentiras toma difícil, sem dúvida, interpretar o que ele diz. Até onde acreditava ele em sua teoria da justiça? Até onde acreditava na verdade das doutrinas religiosas que pregava? Seria ele próprio, talvez, um ateu, a despeito de sua exigência de punição para os outros (menores) ateus? Embora não possamos esperar dar resposta definida a qualquer dessas indagações, creio ser difícil, e metodologicamente fraco, não dar a Platão pelo menos o benefício da dúvida. Especialmente a sinceridade fundamental de sua crença de haver premente necessidade de deter qualquer mudança política não pode ser discutida, acho eu. (Voltarei a isto no cap. 10) Por outro lado, não podemos duvidar de que Platão submete o amor socrático à verdade ao princípio mais fundamental de que o regime da classe dos amos deve ser fortalecido.

Interessante é notar, porém, que a teoria da verdade de Platão é levemente menos radical do que sua teoria da justiça. Vimos já que a justiça é definida praticamente como aquilo que serve aos interesses de seu estado totalitário. Teria sido sem dúvida possível definir o conceito da verdade do mesmo modo utilitário ou pragmatista. Meu Mito é verdadeiro, poderia ter dito Platão, porque tudo quanto serve aos interesses do meu estado deve ser crido e, portanto, chamado “verdadeiro”; e não deve haver outro critério de verdade. Em teoria, passo análogo foi dado pelos pragmatistas sucessores de Hegel; na prática, foi dado pelo próprio Hegel e seus sucessores racistas. Platão, porém, reteve bastante do espírito socrático para admitir sinceramente que estava mentindo. O passo dado pela escola de Hegel era um que nunca poderia ter ocorrido, acredito, a nenhum companheiro de Sócrates (23).

A última frase é gratuita. E errada, como o próprio Popper acabou de reconhecer ao falar de Crítias.

III

E basta quanto ao papel desempenhado pela Ideia da Verdade no estado melhor de Platão. Além, entretanto, da Justiça e da Verdade, temos ainda de considerar outras Ideias, tais como as do Bem, Bondade e Felicidade, se quisermos remover as objeções, suscitadas no Capítulo 6, contra nossa interpretação do programa político de Platão como puramente totalitário e baseado no historicismo. Podemos abordar a discussão de tais Ideias, assim como a da Sabedoria, que já foi em parte discutida no capítulo anterior, considerando o resultado um tanto negativo a que chegou nossa discussão da Ideia da Verdade. De fato, este resultado vem propor novo problema: por que Platão requer que os filósofos sejam reis, ou os reis sejam filósofos, se ele define o filósofo como um amante da verdade e insiste, por outro lado, em que 0 rei deva ser “mais corajoso” e use mentiras?

A única resposta a esta pergunta é, sem dúvida, a de que Platão efetivamente tem no espírito coisa muito diferente ao usar o termo “filósofo”. Vimos no último capítulo que, em verdade, seu filósofo não é o devotado buscador da sabedoria, mas seu orgulhoso possuidor. É um erudito, um sábio. O que Platão exige, portanto, é o regime da erudição -— a sofocracia, se assim posso dizer. A fim de compreender essa exigência, devemos tentar verificar quais as espécies de funções tomariam desejável que o governante do estado de Platão fosse um possuidor de conhecimentos “um filósofo plenamente qualificado”, como ele diz. As funções a ser consideradas podem ser divididas em dois grupos principais, a saber, os relacionados com a fundação do estado e os ligados à sua preservação.

IV

A primeira e mais importante função do rei filósofo é a de fundador e legislador da cidade. É clara a razão de necessitar Platão de um filósofo para essa tarefa. Se o estado deve ser estável, deverá então ser uma cópia verdadeira da divina Forma ou Ideia do Estado. Mas só um filósofo plenamente proficiente na mais elevada das ciências, a dialética, será capaz de ver o copiar o Original celeste. Este ponto é muito acentuado na parte da República em que Platão desenvolve seus argumentos em favor da soberania dos filósofos (24). Os filósofos “amam ver a verdade” e um verdadeiro amante sempre ama ver o todo e não simplesmente partes. Assim ele não ama, como o faz o povo comum, as coisas sensíveis e seus “belos sons e cores e formas”, mas deseja “ver e admirar a natureza real da beleza”, a Forma ou Ideia da Beleza. Deste modo, Platão dá nova significação à palavra “filósofo”, a de um amante que vê o mundo divino de Formas ou Ideias. Como tal, o filósofo é o homem que pode tomar-se o fundador de uma cidade virtuosa (25): “O filósofo que tem comunhão com o divino” pode ser “dominado pela premência de concretizar… sua visão celestial” da cidade ideal e dos cidadãos ideais. É como um desenhista ou pintor que tem “o divino como seu modelo”. Apenas filósofos verdadeiros podem “esboçar a planta da cidade”, pois só eles conseguem ver o original, e podem copiá-lo, “fazendo com que seus olhos viagem “de um ponto a outro, do modelo para a pintura e dá pintura para o modelo”.

Como “pintor de constituições” (26), o filósofo deve ser auxiliado pela luz da bondade e da sabedoria. Poucas observações serão aduzidas em relação a estas duas ideias e à sua significação para o filósofo em sua função de fundador da cidade.

A Ideia do Bem de Platão é a mais elevada na hierarquia das Formas. É ele o sol do mundo divino de Formas ou Ideias, que não só lança luz sobre todos os outros membros mas é a fonte de sua existência (27). É também a fonte ou causa de todo conhecimento e de toda verdade. (28) A capacidade de ver, de apreciar, de conhecer o Bem é, assim, indispensável ao dialéctico (29). Sendo o sol e a fonte de luz do mundo das Formas, o Bem capacita o filósofo-pintor a discernir seus objetos. Tem, portanto, função da maior importância para o fundador da cidade. Mas esta informação puramente formal é tudo quanto conseguimos. Em parte alguma a Ideia do Bem de Platão desempenha papel político ou ético mais direto, nem nos diz ele que ações são boas ou produzem o bem, à exceção do bem conhecido código moral coletivista, cujos preceitos são introduzidos sem recurso à Ideia do Bem. As observações de que o Bem é a meta e de que é desejado por todos os homens (30) não enriquecem a informação que nos é dada. Esse formalismo vazio é ainda mais acentuado no Filebo, onde o Bem é identificado com a Ideia de Medida ou Meio (31). E quando leio o relato de que Platão, em seu famoso discurso “Do Bem”, decepcionou uma audiência não educada ao definir o Bem como “a classe do determinado concebida como uma unidade”, vai para esse auditório a minha simpatia. Na República, Platão diz francamente (32) que não pode explicar o que entende por “Bem”. A única sugestão prática que conseguimos extrair é a mencionada no início do capítulo 4 — a de que o bem é tudo o que preserva e o mal é tudo quanto leva à corrupção ou degeneração. (“Bem”, contudo, não parece ser aqui a Ideia do Bem, mas antes uma propriedade das coisas que as torna semelhantes às ideias.) Temos, enfim, que o Bem é um estado imutável, detido, das coisas; é o estado das coisas em repouso.

Isto não parece levar-nos para muito além do totalitarismo político de Platão; e a análise da Ideia da Sabedoria de Platão conduz a resultados igualmente decepcionantes. A sabedoria, como vimos, não significa para Platão a íntima visão socrática das próprias limitações, nem significa aquilo que a maioria de nós esperaria, a compreensão auxiliadora da humanidade e dos problemas humanos e o caloroso interesse por eles. Os sábios de Platão, altamente preocupados com os problemas de um mundo superior, “não têm tempo para cuidar dos negócios dos homens…; ligam-se estreitamente e prestam atenção ao ordenado e medido”. Eis o tipo certo de ensinamento que torna um homem sábio: “As naturezas filosóficas são amantes daquela espécie de ensinamento que lhes revela uma realidade existente para sempre e nunca perseguida pela geração e degeneração”. Não parece, assim, que o tratamento dado por Platão à sabedoria nos conduza muito além do ideal de paralisar a mudança.

V

Embora a análise das funções do fundador da cidade não revele quaisquer novos elementos éticos na doutrina de Platão, ela mostrou que há uma razão definida para ser um filósofo o fundador da cidade. Isto, porém, não justifica a exigência da soberania permanente do filósofo. Explica apenas a razão de dever ser o filósofo o primeiro legislador e não a da necessidade de ser ele o governante permanente, especialmente porquanto nenhum dos governantes subsequentes deverá introduzir qualquer alteração. Para completa justificação da exigência de que os filósofos devem governar, necessitamos, portanto, passar á análise das tarefas relacionadas com a preservação da cidade.

Sabemos pelas teorias sociológicas de Platão que o estado, uma vez estabelecido, continuará a ser estável enquanto não houver brecha na unidade da classe dominante. A formação dessa classe é, portanto, a grande função preservadora do soberano, função que deve persistir enquanto o estado existir. Até onde justifica ela a exigência de que o filosofo deva governar? Para responder a esta indagação, devemos distinguir uma vez mais, dentro dessa função, entre duas atividades diferentes: a supervisão da educação e a supervisão da criação eugênica.

Por que deveria ser um filósofo o dirigente da educação? Por que não seria suficiente, uma vez estarem estabelecidos o estado e seu sistema educacional, colocar à sua frente um general experiente, um rei-soldado? A resposta de que o sistema educacional não deve fornecer apenas soldados, mas filósofos e, portanto, necessita de filósofos tanto quanto de soldados como supervisores, é evidentemente pouco satisfatória, pois, se não se necessitasse de filósofos como dirigentes de educação e como governantes permanentes, então não seria necessário que o sistema educacional produzisse novos. As exigências do sistema educacional não podem, como tais, justificar a necessidade de filósofos no estado de Platão, ou postular que os governantes devam ser filósofos. A coisa seria sem dúvida diferente se a educação platônica tivesse um alvo individualista, separado do seu alvo de servir aos interesses do estado; por exemplo, o alvo de desenvolver as faculdades filosóficas, simplesmente em função destas. Mas quando vemos, como vimos no capitulo precedente, quanto temia Platão permitir qualquer coisa que se assemelhasse ao pensamento independente (33) e quando vemos agora que o alvo teórico final desta educação filosófica era simplesmente um “Conhecimento da Ideia do Bem” que é incapaz de dar uma explicação inteligível dessa Ideia, então começamos a verificar que esta não pode ser a explicação. Tal impressão é fortalecida ao nos lembrarmos do capítulo 4, onde vimos que Platão também reclamava “restrições” para a educação “musical” ateniense. A grande importância que Platão dá a uma educação filosófica dos governantes deve ser explicada por outras razões — por motivos que devem ser puramente políticos.

A principal razão que posso ver é a necessidade de incrementar ao máximo a autoridade dos governantes. Se a educação dos auxiliares funcionar devidamente, haverá abundância de bons soldados. As eminentes qualidades militares podem, todavia, ser insuficientes para estabelecer uma autoridade indiscutida e indiscutível. Esta deve basear-se em exigências mais elevadas. Platão baseia-a nas reivindicações de poderes sobrenaturais, místicos, que desenvolve em seus dirigentes. Estes não são como o comum dos homens. Pertencem a outro mundo, comunicam-se com o divino. Assim, o rei-filósofo parece ser em parte uma cópia de um rei-sacerdote tribal, instituição que já mencionamos em conexão com Heráclito. (A instituição de reis-sacerdotes tribais, ou curandeiros, ou pajés, parece também ter influenciado a antiga seita pitagórica, com seus tabus tribais surpreendentemente ingênuos. Aparentemente, a maioria deles caíra mesmo antes de Platão. Mas permaneceu a exigência pitagórica de uma base sobrenatural para a autoridade). Assim, a educação filosófica de Platão tem uma função política definida. Assinala os governantes e ergue uma barreira entre governantes e governados. (Isto permaneceu como uma função saliente da educação “superior” até em nossos próprios dias.) A sabedoria platônica é adquirida, em alto grau, com o fito de estabelecer uma classe política dominante permanente. Pode ser descrita como “medicina” política, que dá poderes místicos aos que a possuem, os curandeiros (34).

Não pode ser esta, porém, a resposta completa à nossa indagação sobre as funções do filósofo no estado. Significa ela, antes, que a indagação sobre a necessidade de um filósofo foi apenas desviada, e que teremos de suscitar agora pergunta análoga sobre as funções práticas do pajé ou curandeiro. Platão deve ter tido algum alvo definido ao idear seu adestramento filosófico especializado. Devemos procurar uma função permanente do governante análoga à função temporária do legislador. A única esperança de descobrir tal função parece estar no campo da criação da raça dos senhores.

VI

O melhor meio de descobrir a razão pela qual se necessita de um filósofo como governante permanente, consiste em fazer a pergunta: que acontece, de acordo com Platão, a um estado que não seja permanentemente governado por um filósofo? Platão deu clara resposta a tal pergunta. Se os guardiães do estado, mesmo de um estado perfeito, desconhecerem a sabedoria pitagórica e o Número Platônico, então a raça dos guardiães, e com ela o estado, deverá degenerar.

Toma assim o racismo parte mais central no programa político de Platão do que se poderia esperar à primeira vista. Assim como o Número Platônico racial ou nupcial fornece o quadro de sua sociologia descritiva, “o quadro em que se emoldura a Filosofia Platônica da História” (como diz Adam), assim também fornece ele a colocação para a exigência política de Platão quanto à soberania dos filósofos. Depois do que se disse no capitulo 4 acerca dos “pastores” ou “criadores de gado” que formam o fundo do estado de Platão, talvez não estejamos de todo despreparados para observar que seu rei é um rei-criador. Mas pode ainda surpreender a alguns o fato de ser também o seu filósofo um filósofo-criador. A necessidade de criação científica, matemático-dialéctica e filosófica não é o menor dos argumentos que vêm por trás da reivindicação de soberania dos filósofos.

Mostrou-se no capítulo 4 como o problema de obter uma raça pura de cães de vigia humanos é acentuado e desenvolvido nas primeiras partes da República. Mas até aqui não encontramos qualquer razão plausível pela qual um filósofo genuíno e plenamente qualificado deva ser um eficiente e bem sucedido criador político. E contudo, como sabe qualquer criador de cães, de cavalos ou de aves, a criação racional é impossível sem um modelo, um alvo que o guie em seus esforços, um ideal de que ele tente aproximar-se por meio dos métodos de cruzamento e seleção. Sem tal padrão, nunca poderia ele decidir que produto é “bastante bom”, nunca poderia falar dá diferença entre “bom produto” e “mau produto”. Mas esse padrão corresponde exatamente à Ideia Platônica da raça que ele pretende criar.

Assim como apenas o verdadeiro filósofo, o dialético, pode ver, de acordo com Platão, o original divino da cidade, assim também somente o dialético poderá ver aquele outro original divino: a Forma ou Ideia do Homem. Somente ele será capaz de copiar esse modelo, de fazê-lo descer do Céu à Terra (35), e de realizá-lo aqui. É uma Ideia régia, esta Ideia do Homem. Não representa, como alguns têm pensado, o que é comum a todos os homens; não é o conceito universal de “homem”. É antes, o original do homem à semelhança do deus, um super-homem imutável, filósofo deve tentar realizar na terra o que Platão descreve como a raça dos “mais constantes, mais viris e, dentro dos limites das possibilidades, mais belos homens formados…; nascidos nobremente e de caráter inspirador de reverente temor” (36). Deve ser uma raça de homens e mulheres “semelhantes aos deuses, se não divinos… esculpidos com perfeita beleza (37)” — uma raça senhorial, destinada pela natureza a reinar e dominar.

Vemos que as duas funções fundamentais do filósofo-rei são análogas: tem ele de copiar o original divino da cidade e tem de copiar o original divino do homem. É o único capaz disso, o que sente a premência de “realizar, no indivíduo assim como na cidade, sua visão celestial” (38).

Podemos agora compreender por que Platão deixa cair sua primeira sugestão de que uma excelência acima do comum é necessária a seus governantes, no mesmo ponto em que pela primeira vez requer que os princípios da criação dos animais deram ser aplicados à raça dos homens. Temos o maior cuidado, diz ele, com a criação dos animais. “Se não os criardes deste modo, não achais que a raça de vossos cães, ou de vossas aves, degenerará rapidamente?” Deduzindo daí que o homem deve ser criado com os mesmos cuidados, “Sócrates” exclama: “Céus! Que excelências extraordinárias não deveremos exigir de nossos governantes, se os mesmos princípios se aplicarem à raça humana!” (39) Esta exclamação é significativa; é uma das primeiras sugestões de que os governantes devem constituir uma classe de “extraordinária excelência”, com estatuto e adestramento que lhe sejam próprios; e assim somos preparados para a exigência de que sejam filósofos. Mas o trecho é ainda mais significativo pelo fato de levar diretamente à exigência de Platão de ser dever dos governantes, como médicos da raça humana, administrar mentiras e engôdos. As mentiras são necessárias, assevera Platão, “para que vosso rebanho alcance a mais alta perfeição”, pois isto reclama “medidas que devem ser mantidas em segredo de todos que não sejam os governantes, caso desejemos conservar o grupo dos guardiães realmente livre da desunião”. Na verdade, o apelo (citado acima) para que os governantes tenham mais coragem em administrar a mentira como um remédio é feito em relação com isto; prepara o leitor para a exigência seguinte, considerada como de particular importância por Platão. Determina ele (40) que os governantes inventem, com o fim de consorciar os jovens auxiliares, “um sistema engenhoso de sorteio, de modo que as pessoas que ficarem decepcionadas… possam censurar sua má sorte, e não os governantes”, que, secretamente, deverão manejar o sorteio. E logo após esse desprezível conselho para evitar a admissão de responsabilidade (colocando-o na boca de Sócrates, Platão difama seu grande mestre), “Sócrates” faz uma sugestão (41), que é logo adotada e desenvolvida por Glaucon e que podemos, portanto, denominar Edito Glauconiano. Refiro-me à lei brutal (42) que impõe a todas as pessoas de ambos os sexos o dever de se submeterem, enquanto durar uma guerra, aos desejos dos valentes: “Enquanto a guerra durar… ninguém lhe poderá dizer “Não”… Em consequência, se um soldado quiser ter relações amorosas com alguém, seja homem ou mulher, esta lei o tornará mais ansioso de merecer o preço de seu valor”. Daí o estado, salienta-se cuidadosamente, extrairá dois benefícios distintos: mais heróis, devido ao estímulo, e ainda mais heróis, devido ao número acrescido de filhos de heróis. (Este último benefício, como o mais importante do ponto de vista de uma política racial a longo prazo, é colocado na boca de “Sócrates”).

Como Popper pode saber que isso foi “colocado na boca de Sócrates”? Não pode. É outra hipótese gratuita, feita por necessidade de manter um “Sócrates” (aqui sim, com aspas) puro diante de um Platão impuro (ou impurificador).

VII

Não se exige especial adestramento filosófico para esta espécie de criação. A criação filosófica, contudo, desempenha sua parte principal em repelir os perigos da degeneração. A fim de combater esses perigos, um filósofo plenamente qualificado é necessário, isto é, um que seja conhecedor da matemática pura (incluindo a geometria dos sólidos), da pura astronomia, da harmonia pura e, como aperfeiçoamento a coroar tudo, da dialética. Somente aquele que conhecer os segredos da eugenia matemática, do Número Platônico, pode restituir ao homem, preservando-a para ele, a felicidade gozada antes da Queda (43). Tudo isto deve ser tido em mente quando, após o anúncio do Edito Glauconiano (e depois de um intervalo que trata da distinção natural entre Gregos e Bárbaros e que corresponde, segundo Platão, à existente entre amos e escravos), é enunciada a doutrina que Platão cuidadosamente assinala como sua exigência política central e mais sensacional: a da soberania do rei filósofo. Somente tal exigência, ensina ele, pode por fim aos males da vida social, à agitação do mal nos estados, isto é, a instabilidade política, assim como à sua causa mais oculta, a agitação do mal nos membros da raça humana, isto é, a degeneração racial. Eis o tópico:

“Bem — diz Sócrates —, estou agora a ponto de mergulhar naquele tópico que antes comparei à maior de todas as ondas. Devo, porém, falar, embora preveja que isso traga sobre mim um dilúvio de risos. Na verdade, posso ver agora essa onda a quebrar-se sobre minha cabeça, num rugido de gargalhadas e difamações…” — “Vamos à história!” — diz Glaucon. — “A menos que — diz Sócrates —, em suas cidades, os filósofos sejam investidos do poder de reis, ou que aqueles chamados reis e oligarcas se tornem genuínos e plenamente qualificados filósofos; e a menos que estes dois poderes, o político e o filosófico, se fundam (ao mesmo tempo que sejam eliminados pela força os muitos que hoje seguem suas naturais inclinações apenas por um dos dois), a menos que isso aconteça, meu caro Glaucon, não poderá haver repouso; e o mal não cessará de agitar as cidades, nem, creio eu, a raça dos homens”. (A isso, Kant sabiamente replicava: “Não é provável suceder que os reis se tornem filósofos ou, os filósofos, reis; nem seria isso desejável, visto como a posse do poder invariavelmente rebaixa o livre julgamento da razão. É, porém, indispensável que um rei — ou um povo real, isto é, que se governe a si mesmo — não suprima os filósofos, mas lhes deixe o direito de se manifestarem em público” (45).)

Este importante trecho platônico tem sido muito justamente assinalado como a chave de toda a obra. Suas últimas palavras, “nem, creio eu, a raça dos homens”, são, acredito, um pensamento posterior de importância relativamente menor neste ponto. É necessário, contudo, comentá-las, visto como o costume de idealizar Platão levou à interpretação (46) de que Platão fala aqui a respeito da “humanidade”, ampliando sua promessa de salvação dos limites das cidades aos da “humanidade como um todo”. Deve-se dizer, a este respeito, que a categoria ética de “humanidade”, como algo que ultrapassa as distinções de nações, raças e classes, é coisa inteiramente estranha a Platão. De fato, temos provas suficientes da hostilidade de Platão para com o credo igualitário, hostilidade que se expõe na sua atitude para com Antístenes (47), antigo discípulo e amigo de Sócrates. Antístenes também pertencerá à escola de Górgias, como Alcidamas e Licofronte, cujas teorias igualitárias parece ter ele ampliado na doutrina da irmandade de todos os homens e do universal império dos homens (48). Tal credo é atacado na República, relacionando-se a desigualdade natural entre Gregos e Bárbaros à existente entre amos e escravos; e sucede que esse ataque é lançado imediatamente antes da passagem-chave que aqui consideramos (49). Por estas e outras razões (50), parece seguro admitir que Platão, ao falar da agitação do mal na raça dos homens, referia-se a uma teoria com a qual seus leitores já estariam suficientemente familiarizados nesse ponto, a saber, a sua teoria de que o bem estar do estado depende, em última análise, da “natureza” dos indivíduos que compõem a classe governante; e que a sua natureza, e a natureza de sua raça, ou descendência, é ameaçada, por sua vez, pelos males de uma educação individualista e, de modo mais importante ainda, pela degeneração racial. A observação de Platão, com sua clara alusão à oposição entre o repouso divino e o mal da mudança e da decadência, antecipa a história do Número e da Queda do Homem (51).

É muito natural que Platão aluda a seu racismo neste trecho-chave em que enuncia sua mais importante exigência política. De fato, sem o “filósofo genuíno e plenamente qualificado”, adestrado em todas as ciências que são pré-requisitos da eugenia, o estado está perdido. Em sua história do Número e da Queda do Homem, Platão diz-nos que um dos primeiros e fatais pecados de omissão cometidos pelos guardiães degenerados será sua perda de interesse pela eugenia, pela vigilância e verificação da pureza da raça: “Em consequência, serão indicados governantes inteiramente incapazes para suas tarefas como guardiães, especialmente a de vigiar e verificar os metais nas raças (que são as raças de Hesíodo tanto quanto as vossas), o ouro, e a prata, e o bronze e o ferro (52)”.

É sua ignorância do misterioso Número nupcial que leva a tudo isso. Mas o Número era, indubitavelmente, uma invenção do próprio Platão. (Pressupõe harmonia pura, a qual por sua vez pressupõe a geometria dos sólidos, ciência nova no tempo em que foi escrita a República). Vemos assim que ninguém além de Platão conhecia o segredo e guardava a chave da verdadeira função de guardião. O rei-filósofo é o próprio Platão, e a República é a reivindicação do próprio Platão sobre o poder real — poder que ele julga ser-lhe devido, já que une em si próprio tanto as reivindicações de filósofo como de descendente e herdeiro legítimo de Codro, o mártir, o último dos reis de Atenas, o qual, segundo Platão, sacrificou-se “a fim de preservar o reino para seus filhos”.

VIII

Uma vez alcançada esta conclusão, muitas coisas que de outro modo permaneceriam sem relação tomam-se conexas e claras. Dificilmente se poderá duvidar, por exemplo, de que a obra de Platão, cheia de alusões, como é, aos problemas e caracteres contemporâneos, não fosse, na intenção do autor, tanto um tratado teórico como um manifesto político de oportunidade. “Faremos a Platão a maior das injustiças — diz A. E. Taylor — se esquecermos que a República não é simples coleção de discussões teóricas a respeito do governo… mas um projeto sério de reforma prática apresentado por um ateniense… inflamado, como Shelley, pela paixão de reformar o mundo” (53). Isso é indubitavelmente verdadeiro e só desta consideração podemos concluir que, ao descrever seus reis filósofos, Platão deve ter pensado em alguns dos filósofos seus contemporâneos. Mas, nos dias em que a República foi escrita, só havia em Atenas três homens eminentes que podiam proclamar-se filósofos: Antístenes, Isócrates e o próprio Platão. Se examinarmos a República com isto em mente, verificaremos logo que, na discussão das características dos reis filósofos, há um extenso trecho que o próprio Platão assinala claramente como contendo alusões pessoais. Começa (54) como uma indisfarçável alusão a um caráter popular, isto é, Alcibíades, e termina mencionando abertamente um nome, o de Teages, e com uma referência de “Sócrates” a si mesmo (55). Sua conclusão é a de que apenas muito poucos podem ser descritos como verdadeiros filósofos, elegíveis para o posto do filósofo rei. O nobre Alcibíades, que era do tipo certo, desertou da filosofia, apesar dos esforços de Sócrates para salvá-lo. Abandonada e sem defesa, a filosofia foi reclamada por sucessores indignos. Por último, “apenas resta um punhado de homens dignos de se associarem com a filosofia”. Do ponto de vista a que chegamos, temos de considerar que os “sucessores indignos” são Antístenes e Isócrates e sua escola (sendo eles as mesmas pessoas que Platão reclama sejam “suprimidas pela força”, como diz no trecho-chave do rei filósofo). Na verdade, há certa prova independente corroborando essa consideração (56). Do mesmo modo, devemos pensar que o “punhado de homens dignos” inclui Platão e, talvez, alguns de seus amigos, possivelmente Dio); e, de fato, uma continuação desse trecho deixa pouca dúvida de que ali Platão fala de si mesmo: “Aquele que pertence a esse pequeno grupo… pode ver a loucura dos demais e a corrupção geral dos negócios públicos. O filósofo… é como um homem numa jaula de feras. Não compartilhará da injustiça da maioria, mas sua força não basta para que continue a lutar sozinho, rodeado como está por um mundo de selvagens. Seria assassinado antes que pudesse fazer qualquer bem à sua cidade ou a seus amigos… Tendo considerado devidamente todos esses pontos, ele se manterá em paz limitando seus esforços à sua própria obra (57)”. O forte ressentimento manifestado nestas palavras amargas e tão anti-socráticas (58) assinala-as claramente como do próprio Platão. Para uma avaliação plena, entretanto, dessa confissão pessoal, deve ser ela comparada com o seguinte: “Não está de acordo com a natureza que o navegante experiente deva pedir que inexperientes navegadores aceitem seu comando: nem que o sábio deva esperar às portas dos ricos… Mas o procedimento verdadeiro e natural é que o enfermo, seja rico ou pobre, corra à porta do médico. Do mesmo modo, deveriam aqueles que necessitam de ser governados sitiar a porta daquele que pode governar, e nunca um governante que de qualquer modo se preze pedir-lhes que aceitem seu governo”. Quem não percebe o som de um imenso orgulho pessoal neste tópico? Aqui estou eu, diz Platão, vosso governante natural, o rei filósofo que sabe como governar. Se me quiserdes, deveis vir a mim e, se insistirdes, poderei tornar-me vosso governante. Mas não irei pedir isso a vós.

Acreditaria ele que eles iriam? Como muitas grandes obras de literatura, a República mostra traços de que seu autor experimentava jubilosas e extravagantes esperanças de sucesso (59), alternadas com períodos de desespero. Algumas vezes, pelo menos, Platão esperava que fossem ter com ele, que o êxito de sua obra, a fama de sua sabedoria os atrairia. Outras vezes, sentia que só poderiam ser incitados a furiosos ataques, que tudo quanto atrairia sobre si mesmo seria “um ruir de gargalhadas e difamação”, talvez mesmo a morte.

Era ele ambicioso? Procurava alcançar as estrelas — a semelhança com os deuses. Fico às vezes a pensar se parte do entusiasmo por Platão não é devida ao fato de que ele deu expressão a muitos sonhos secretos (60). Mesmo onde argumenta contra a ambição, não podemos deixar de sentir que é inspirado por ela. O filósofo, assegura-nos (61), não é ambicioso, embora “destinado a governar, é o que menos aspira a isso”. Mas a razão dada é que sua posição é por demais elevada. Aquele que teve comunhão com o divino pode descer de suas alturas até aos mortais cá em baixo, sacrificando- se pelo interesse do estado. Não tem avidez por isso, mas, como natural governante e salvador, está disposto a vir. Os pobres mortais necessitam dele. Sem ele, o estado deverá perecer, pois só ele conhece o segredo de preservá-lo, o segredo de deter a degeneração.

Creio devermos enfrentar o fato de que por trás da soberania do rei filósofo se oculta a aspiração do poder. O belo retrato do soberano é um auto-retrato. Quando nos recuperamos do choque dessa descoberta, poderemos fitar de novo o retrato inspirador de temeroso respeito; e, se nos pudermos fortalecer com uma pequena dose da ironia de Sócrates, então poderemos deixar de considerá-la tão terrífica. Poderemos começar a discernir-lhe as feições humanas, em verdade tão humanas! Chegaremos mesmo a ter alguma pena de Platão, que teve de satisfazer-se em estabelecer o primeiro professorado da filosofia, em vez de seu primeiro reinado, que nunca realizou seu sonho, a Ideia real que formara á sua própria imagem. Fortalecidos por nossa dose de ironia, poderemos mesmo encontrar, na história de Platão, uma semelhança melancólica com aquela inocente e inconsciente sátira ao platonismo, a história do Podengo Feio, de Tono, o Grande Dinamarquês, que forma sua Ideia real do “Grande Cão” à sua própria imagem (mas que, felizmente, descobre no fim que é ele próprio o Grande Cão) (62).

Que monumento de pequenez humana é esta ideia do rei filósofo! Que contraste entre ela e a simplicidade e humanidade de Sócrates, que advertia o estadista contra o perigo de deixar-se deslumbrar por seu próprio poder, excelência e sabedoria, e que tentava ensinar-lhe o que mais importa: o fato de sermos, todos, frágeis seres humanos! E como se desce, desse mundo de ironia e razão e veridicidade, ao reinado do sábio de Platão, cujos poderes mágicos o elevam muito acima dos homens comuns, embora não tão alto que dispense o uso de mentiras ou despreze o triste mercado de cada curandeiro, a venda de feitiços, de encantamentos criadores de raça, em troca de poder sobre seus concidadãos!

Tirando-se as idealizações de Sócrates, Popper é brilhante em reduzir os sonhos de grandeza platônicos à pequenez humana (que, na verdade, não é pequenez alguma e sim a condição humana em um mundo patriarcal).

Cabe aqui uma consideração mais geral. O primeiro volume de A Sociedade Aberta e seus Inimigos, de Karl Popper (1945), intitulado The Spell of Plato, comumente traduzido por O Fascínio de Platão, também pode ser traduzido por O Feitiço de Platão. É verdade, considerando que Platão não inventou tanta coisa assim no que tange aos padrões do seu pensamento totalitário – mas herdou boa parte dessas matrizes (ideias-implantes) do tribalismo patriarcalista dório (em especial as que ainda vigoravam em Esparta e Creta e que são ecos da ideologia sacerdotal-militar do Estado-tempo-palácio mesopotâmico e das sociedades de predadores e senhores surgidas três milênios antes) – trata-se mais de um feitiço mesmo. Feitiço porque sua concepção envolve misticismo: seu rei-filósofo é uma espécie de salvador (taumaturgo) sobre-humano, quase divino, seu ser humano prototípico é réplica de um Adam-Kadmon primordial, uma variante do Adapa pré-diluviano (sumeriano). Aliás, o próprio Popper já havia especulado com uma conexão entre Platão, Heráclito e o pensamento babilônico. E feitiço porque, inexplicavelmente, o caráter totalitário, racista, anti-humano, de sua teoria política, passou quase desapercebido por cerca de 100 gerações de platonistas e de simples leitores de suas obras, inclusive dos seus críticos. Se isso não for uma espécie de feitiço, o que será? Do ponto de vista das redes e da democracia, tudo isso é meio magia negra mesmo. A tradição dita “espiritualista” ou ocultista ocidental é um complexo mítico-sacerdotal-hierárquico-autocrático e Platão – por ter tido a sorte (ou o azar, para nós) de seus escritos terem sido preservados (em maior quantidade do que qualquer outro pensador da antiguidade) – foi a porta pela qual essas ideias celestes (quer dizer, não-terrestres: utópicas, distópicas, retrópicas) entraram na política e no pensamento em geral das escolas e universidades inspiradas em sua academia (que, na verdade, era um centro de formação de tiranos).

Notas

As notas estão desorganizadas (por culpa do próprio Popper, do tradutor e do editor brasileiros) e sem revisão.

Sobre a legenda deste capítulo, tirada da Rep., 540c-d, cf. nota 37 a este cap. e nota 12 ao cap. 9, onde a passagem é mais extensamente citada.

1 — Rep., 475e; cf. também, por ex., 485b sg., 501c.

2 — Ob. cit, 389b sg.

3 — Ob. cit, 389c/d; cf. também Leis, 730b sgs.

4 — Pára esta e as três citações seguintes, cf. Rep., 407e e 406c. Ver também Pol., 293a sg. e 295b-296e, etc.

5 — Cf. Leis, 720c. É interessante notar que a passagem (718c-722b) serve para apresentar a ideia de que o estadista deve usar a persuasão, juntamente com a força (722b); e como por “persuasão” das massas Platão geralmente entende a propaganda mentirosa (cf. notas 9 e 10 a este cap. e a citação de Rep., 414b/c ali no texto) verifica-se que o pensamento de Platão em nossa passagem das Leis, apesar de sua nova amabilidade, é ainda dominado pelas velhas associações — p político-médico, a administrar mentiras. Mais adiante, nas Leis, Platão queixa-se de um tipo oposto de médico: aquele que fala por demais sobre filosofia com seu cliente, em vez de concentrar-se na cura. É bastante provável que aí Platão relate algumas de suas experiências quando esteve doente ao escrever as Leis.

6 — Rep., 389b. Com a curta citação seguinte cf. Rep. 459c.

7 — Cf. Kant, Da Paz Eterna, Apêndice. (Werke, ed. Cassirer, 1914, vol. VI, 457). Cf. tradução inglesa de M. Campbell Smith, 1903, p. 162 sgs.

8— Cf. Crossman, Plato To-Day (1937), 130; cf. também as páginas imediatamente precedentes. Parece que Crossman ainda crê que as mentiras propagandísticas eram forjadas para consumo exclusivo dos governados e que Platão pretendia educar os governantes no pleno uso de suas faculdades críticas, pois vejo agora (em The Listener, vol. 27, pág. 750, que ele escreve: “ Platão acreditava na liberdade de palavra e na liberdade de discussão apenas para os poucos escolhidos”. Mas o fato é que ele não acreditava absolutamente nisso. Tanto na República como nas Leis (cf. as passagens citadas nas notas 18-21 ao cap. 7 e o texto) ele expressa seu temor de que qualquer pessoa que não haja alcançado os limites da ancianidade possa pensar ou falar livremente, pondo assim em perigo a rigidez da doutrina detida e, portanto, a petrificação da sociedade detida. Ver também as duas notas seguintes.
9 — Rep. 414b/c. Em 414d, Platão ratifica sua esperança de persuadir “ os próprios governantes, a classe militar e em seguida o resto da cidade” da verdade de suas mentiras. Posteriormente parece haver-se arrependido de sua franqueza, pois no Estadista, 269b sgs. (ver esp. 271b; cf. também a nota 6 (4) ao cap. 3) fala como se ele mesmo acreditasse na verdade do Mito dos Terrígenos, que na Rep. havia hesitado em apresentar, (ver nota 11 a este capítulo) mesmo como uma “mentira senhorial”.

O que traduzimos como “mentira senhorial” costuma ser traduzido como “mentira nobre” ou “nobre falsidade”, ou, mesmo, “ficção benigna”.

A tradução literal da palavra “gennaios”, que agora traduzo como senhorial, é “ altamente nascido” ou “ de nobre ascendência”. Deste modo, á expressão “ mentira senhorial” e, em todo caso, tão literal como “mentira nobre”, e evita as associações que a palavra “ nobre” traz consigo e que de modo algum se enquadram na situação; mentira nobre seria, por exemplo, a de quem tomasse sobre si desse modo um ônus ou uma responsabilidade que o pusesse em perigo, como no caso da mentira de Tom Sawyer, com a qual ele lança sobre si mesmo a culpa de Becky e que o juiz Thatcher (no capitulo XXXV) qualifica de “ nobre, generosa e magnânima”. Nenhuma razão, contudo, há para considerar a nossa “mentira senhorial” com esse sentido; daí porque a tradução como “ mentira nobre” apenas obedece á típica preocupação de idealizar Platão. Cornford traduz — “um audaz… voo de imaginação” e combate, em nota de pé de página, a tradução “ mentira nobre”, citando trechos em que “gennaios” significa “em escala generosa”; mas, na realidade, seria perfeitamente licito e adequado traduzí-la por “grande mentira” ou “mentira maiúscula”. Ao mesmo tempo, porém, Cornford se mostra contrário ao uso da palavra “ mentira”; de fato, ao referir-se ao mito, chama-o “ inofensiva alegoria de Platão” e ataca a ideia de que Platão “pudesse aprovar as mentiras, na sua maior parte sem nobreza, que hoje chamamos propaganda”, expressando o seguinte, em nota de pé de página: “Advirta-se que os próprios guardiães devem aceitar esta alegoria na medida do possível. Não se trata, pois, de mera “ propaganda” imposta ás massas pelos governantes”. Todas essas tentativas de idealizar Platão, porém, não podem deixar de fracassar. O próprio Platão deixa bem estabelecido que a mentira é tal que devemos sentir vergonha dela; ver a última citação, na nota 11, abaixo. (Na primeira edição deste livro traduzi “mentira inspirada”, aludindo a seu “alto nascimento” e sugeri, como alternativa, “ mentira engenhosa”; mas muitos amigos platônicos criticaram ambas as traduções, classificando-as como demasiado livres ou tendenciosas. Mas o “audaz vôo da imaginação” de Cornford toma o termo “gennaios” precisamente no mesmo sentido). Ver também notas 10 s 18 a éste capítulo.

10 — Cf. Rep., 509 sgs. cit. no texto de nota 35, cap. 5; quanto á persuasão e a força ver também Rep. 366d, analisado na nota presente, abaixo, assim como os trechos a que aludem as notas 5 e 18 deste capítulo. A palavra grega (“peitho”; sua personificação é uma deusa sedutora, uma aia de Afrodite) habitualmente traduzida como persuasão pode significar: a) “persuasão por meios lícitos” e b) “captação por meios ilícitos”, isto é, um “artifício ou artimanha” (ver abaixo, (D), isto é, Rep. 414c), e às vezes também quer dizer, ainda, “persuasão por meio de dádivas”, ou suborno (ver abaixo (D), isto é, Rep. 390e). Particularmente na expressão “ persuasão e força”, a palavra “ persuasão” é interpretada, amiúde, no sentido assinalado em a), sendo em geral traduzida (e às vezes corretamente) como “por meios lícitos ou ilícitos” (cf. trad. de Davies e Vaughan: “por meios lícitos, ou ilícitos”, que aparece na passagem (C). (Rep.. 365d, cit. abaixo). Creio, entretanto, que Platão, ao recomendar “persuasão e força” como instrumentos de técnica política, usa as palavras num sentido mais literal e que recomenda o uso da propaganda retórica juntamente com o da violência (Cf. Leis, 753a).

As passagens seguintes são significativas quanto ao uso, por Platão, da palavra persuasão no sentido b) e especialmente em conexão com a propaganda política.

(A) Górgias, 453a a 466a, esp. 454b-455a; Feiro, 260b sgs.: Tcet., 201a: Sofista, 222c; Estadista, 269b sgs., 304c/d; Filebo, 58a. Em todas essas passagens, a persuasão (a “ arte da persuasão”, em contraposição à “ arte de comunicar conhecimento ver-dadeiro”) é associada à retórica, ao faz-crer, à propaganda. Na Rep., 364b sg., esp. 364e-365d (cf. Leis, 909b) é trecho que merece atenção.

(B) Em 364e (“eles persuadem”, isto é, fazem crer erroneamente, “não só a indivíduos, como a cidades inteiras”). A palavra é utilizada em grande parte com o mesmo sentido que em 414b/c citado nd texto de nota 9 deste capítulo, a saber, a passagem da “mentira senhorial”

(C) 365d é de sumo interesse, porque nele se utiliza um termo que Lindsay traduz corretamente por “ fraudar” como equivalente de “persuadir”. (“A fim de não ser apanhados… temos os mestres da persuasão á nossa disposição;…, assim, pela persuasão e a força, escaparemos á punição. Mas, pode-se objetar, ninguém pode fraudar ou forçar os deuses”…) Além disso,

(D) na Rep., 390e sg., a palavra persuasão é usada no sentido de suborno. (Este uso deve ser antigo; a palavra é suposta como citação de Hesíodo. Interessante é ver que Platão, que tantas vezes contesta a ideia de poderem os homens “ persuadir” ou subornar os deuses, faz algumas concessões a ela na passagem seguinte, 399a/b). A seguir chegamos a 414b/c, a passagem da “mentira senhorial”; imediatamente após esse trecho, em 414c (conf. também a nota seguinte), “Sócrates” faz a cínica observação (E) : “ Seria necessária muita persuasão para fazer alguém acreditar nesta história”. Por fim, posso mencionar (F) Rep., 511d e 533e, onde Platão fala de persuasão, ou crença, ou fé (a raiz da palavra grega para “ persuasão” é a mesma da nossa “ fé”) como uma faculdade cognitiva inferior da alma, correspondente á formação da opinião (enganosa) acerca das coisas em fluxo (Cf. nota 21 ao cap. 3 e esp. o uso de “persuasão em Tim., 51e), em contraposição ao conhecimento racional das Formas imutáveis. Sobre o problema da persuasão “ moral”, ver também o cap. 6, esp. notas 52/54 e texto, e cap. 10, esp. texto de notas 56 e 59 e nota 69.

11 — Rep., 415a. A citação seguinte é de 415c. (Ver também Crátilo, 398a) Cf. notas 12-14 ao presente capítulo e texto e notas 27 (3), 29 e 31 ao cap. 4.

(1) Sobre minha afirmação no texto, antes neste parágrafo, relativamente á inquietação de Platão, ver Rep., 414c-d e a nota anterior (E) : “ Seria necessária muita persuasão para fazer alguém acreditar nesta história”, diz Sócrates. — “ Parece um tanto relutante a contá-la”, diz Glaucon. — “ Compreenderás minha relutância — diz Sócrates — quando eu a tiver contado”. — “ Fala e não temas”, diz Glaucon. Este diálogo apresenta o que chamo a primeira ideia do Mito (apresentado por Platão no Estadista como uma história verdadeira; cf. nota 9 a este capítulo; v. também Leis, 740a). Como se menciona no texto, Platão sugere que está nesta “ primeira ideia” a razão de sua hesitação, pois Glaucon replica a essa ideia: “Não é sem razão que por tanto tempo ficaste com vergonha de contar tua mentira”. Nenhuma observação retórica semelhante é feita depois que Sócrates contou “o resto da história”, isto é, o Mito do Racismo.

(2) Com relação guerreiros autóctones, devemos lembrar que a nobreza ateniense proclamava (em contraposição á dória) ser aborígene de seu país, nascida da terra “como as cigarras”, como diz Platão no Banquete, 191b; ver também fim da nota 52 ao presente capítulo). Foi-me sugerido por um crítico amigo que a relutância de Sócrates e o comentário de Glaucon de que Sócrates com razão se sentia envergonhado, aqui mencionados em (1), devem ser interpretados como uma alusão irônica de Platão aos atenienses que, a despeito de proclamarem ser autóctones, não defendiam sua terra como á própria mãe. Mas essa engenhosa sugestão não me parece sustentável. Platão, com sua preferência escancarada por Esparta, seria o último a acusar os atenienses de falta de patriotismo; e não haveria justiça em tal acusação, pois, na Guerra do Peloponeso, os democratas atenienses nunca se renderam a Esparta (como será mostrado no cap. 10), ao passo que o bem-amado tio do próprio Platão, Crítias, rendeu-se e tornou-se o chefe de um governo-títere sob a proteção os espartanos. Se Platão pretendesse aludir ironicamente a uma defesa inadequada de Atenas, então isso só poderia ser uma alusão á Guerra do Peloponeso e, assim, uma crítica a Crítias, a última pessoa a quem Platão criticaria desse modo.

(3) Platão denomina seu Mito uma “ mentira fenícia”. R. Eisler sugeriu uma explicação possível desse termo indicando que no Oriente os etíopes, gregos (as minas de prata), sudaneses e sírios (Damasco) eram descritos como as raças ouro, prata, bronze e ferro respectivamente, descrição esta utilizada no Egito para efeitos de propaganda política (cf. também Daniel, 2, 31); e finalmente insinua que esta história das quatro raças deve ter sido introduzida na Grécia na época de Hesíodo, pelos fenícios (coisa muito provável) e que Platão devia ter conhecimento disso.

12 — A passagem é de Rep., 546a sg.; cf. texto de notas 36-40 do capítulo 5. A mescla de classes é também terminantemente vedada em 435c; cf. notas 27 (3), 31 e 34 ao cap. 4 e nota 40 ao cap. 6. A passagem das Leis (930d/e) contém o princípio de que o filho de um casamento impuro herda a casta do progenitor de categoria social inferior.

13 — Rep., 547a (para a teoria da mescla na herança, ver também o texto de notas 39-40 do cap. 5, esp. 40 (2) e notas 39 a 43 e 52 do presente cap.

14 — Oh cit., 415c.

15 — Çf. nota de Adam a Rep., 414 sgs.; o grifo é meu. A única exceção é Grote (.Plato and the Other Companions of Sócrates, Londres, 1875, III, 240), que, ao resumir o espírito da República, assinala sua oposição ao da Apologia: “Na … Apologia verificamos que, Sócrates
confessa sua própria ignorância… Mas a República o apresenta sob diferente aspecto… Colocou-se ele próprio no trono do Rei Nomos: a autoridade infalível, tanto temporal como espiritual, de que emana todo o sentimento público e por quem é determinada a ortodoxia… Agora espera que todo indivíduo corra a buscá-lo e assimile suas certas propositadas ficções éticas e políticas, tais como, por exemplo, opiniões prescritas pela autoridade, incluindo-se entre essas opiniões a… dos terrígenos… Nem o Sócrates da Apologia nem sua dialéctica negativa poderiam encontrar lugar na República platônica”. (Os grifos são meus). A doutrina de que o religião é o ópio do povo, embora com enunciado diferente, vem a ser um dos dogmas mais importantes de Platão e dos platônicos. (Cf. também a nota 17 e texto e, esp., nota 18 a este capítulo). Trata-se, ao que parece, de uma das doutrinas mais esotéricas da escola, pois só pode ser discutida pelos membros da classe superior, de idade bastante avançada (cf. nota 18 ao cap. 7). Mas os que se atreverem a revelar o segrêdo deverão sofrer a perseguição dos idealistas, como ateus.

16 — Por exemplo, Adam, Barker, Field.

17 — Cf. Diels, Vorsokratiker 5, frag. 25 Crítias. (Escolhi cerca de onze linhas características, entre mais de quarenta). Observe-se que a passagem começa com um esquema do contrato social (que aliás se parece em algo com o igualitarismo de Licofronte; cf. nota 45 ao cap. 6). Quanto a Crítias, cf. esp. nota 48 ao cap. 10. Embora Burnet haja sugerido que os fragmentos poéticos e dramáticos atribuídos a Crítias devam atribuir-se ao avô do chefe dos Trinta, deve-se notar que Platão menciona os dotes poéticos de Crítias, no Cármides, 157e e, em 162d, chega a aludir ao fato de que Crítias era autor dramático. (Cf. também Memorabilia, I, IV, 18, de Xenofonte.

18 — Cf. Leis, 909e. A opinião de Crítias, parece, passou a ser parte mais tarde da tradição da escola platônica, como o indica a seguinte passagem da Metaf. de Aristóteles (1074b3). que ao mesmo tempo fornece outro exemplo do uso da palavra “ persuasão” no sentido
de “propaganda” (cf. notas S e 10 a este cap.) : “O resto… foi aduzido sob a forma de um mito, a fim de persuadir a multidão e aplainar as dificuldades jurídicas e de ordem geral (políticas)”. Cf. também a tentativa de Platão, no Estad., 271a sgs., para argumentar em favor da verdade de um mito em que não acreditava. (Ver notas 9 e 15 a este cap.).

19 — Leis, 908b.

20 — Ob. cit., 909a.

21 — Sobre o conflito entre o bem e o mal, ver ob. cit., 904-906. Ver especialmente 906a-b (a justiça contra a injustiça; aqui, justiça tem, ainda, o sentido coletivista da Rep.). Imediatamente antes, 903c, vem a passagem citada acima no texto de nota 35 do cap. 5 e de nota 27 do capítulo 6. Ver também a nota 32 ao presente capítulo.

22 — Ob. cit., 905d-907b.

23 — O parágrafo a que está apensa esta nota indica minha adesão a uma teoria “absolutista” da verdade que se acha de conformidade com a ideia corrente de que um enunciado é certo se (e somente nesse caso) concorda com os fatos que descreve. Esta teoria “absoluta”, da verdade, ou da “correspondência” (que remonta a Aristóteles) foi pela primeira vez desenvolvida com clareza por A. Tarski (Der Wahrheitsbegriff in den formalisierten Sprachen, ed. polonesa, 1933, trad. alemã, 1936) e constitui a base de uma teoria da lógica que ele denominou Semântica (cf. nota 29 ao cap. 3 e nota 5 (2) ao cap. 5) ; ver também a obra de R. Carnap, Introduction to Semantics, 1942, em que se desenvolve pormenorizadamente a teoria da verdade. A seguir cito, da pág. 28: “ Deve-se notar especialmente que o conceito de
verdade no sentido que acabamos de explicar — poderiamos chamá-lo conceito semântico da verdade — difere fundamentalmente daqueles conceitos tais como “acreditado”, “verificado”, “altamente confirmado” etc.” — Opinião similar, embora não desenvolvida, pode ser encontrada em minha obra Logik der Forschung, cap. 84, sobre a “Verdade” e a “Confirmação” (p. 203 sgs); isto foi escrito antes que eu tomasse conhecimento da Semântica de Tarski, razão por que a minha teoria é apenas rudimentar. A teoria pragmatista da verdade (que deriva do hegelianismo) foi criticada por Bertrand Russell, do ponto de vista de uma teoria absolutista da verdade, já em 1907; e recentemente ele mostrou a ligação entre uma teoria relativista da verdade e o credo fascista. Ver Russell, Let the People Thjnk, págs. 77, 79.

24 — Refiro-me especialmente a Rep., 474c-502d. A citação seguinte é de 475e, ob. cit.

25 — Para as sete citações que se seguem neste parágrafo, ver: (1) e (2) Rep., 476b; (3), (4), (5), ob. cit., 500d-e; (6) e (7), ob. cit. 501a/b. Com (7), cf. também a passagem paralela, ob. cit. 484c. Ver, ainda, Sofista, 253d/e; Leis, 964a-966a (esp. 965b/c).

26 — Cf. ob. cit., 501c.

27 — Cf. esp. Rep., 509a sg. — Ver 509b: “ O sol induz as coisas sensíveis a gerar” (embora ele próprio não seja envolvido no processo de geração); similarmente, “pode-se dizer dos objetos de conhecimento racional que não só eles devem ao Bem o poderem ser conhecidos, como sua realidade e mesmo sua essência flui daí; embora o Bem não seja em si mesmo uma essência, mas transcenda até as essências em dignidade e poder”. (Com 509b, cf. Aristót., De Gen. et Corr., 336al5, 31, e Fís., 194bl3). — Em 510b, o Bem é descrito como a origem absoluta (não simplesmente postulada ou admitida), e em 511b é descrito como “ a primeira origem de tudo”.

28 — Cf. esp. Rep., 508b sgs. Ver 508b-c: “ O que o Bem gerou á sua própria semelhança (isto é, a verdade) é o vínculo que une, no mundo inteligível, a razão a seus objetos (isto é, as Ideias), da mesma forma que no mundo visível aquele objeto (isto é, a luz, produto do sol) constitui o traço de união entre a vista e seus objetos (isto é, as coisas sensíveis).”

29 — Cf. ob. cit. 505a, 543b sgs.

30 — Cf. ob. cit. 505<L

31 — Filebo, 66a.

32 — Rep. 506d sgs. e 509, 511. A definição do Bem, aqui citada, como “ a classe do determinado (ou do finito, ou limitado) concebido como uma unidade”, não é, a meu ver, tão dificil de compreender e concorda com outras observações de Platão, plenamente. A “classe do determinado” é a categoria das Formas ou Ideias concebidas como princípios masculinos ou progenitores, em contraposição ao espaço ilimitado ou indeterminado, de caráter feminino (cf. nota 15 (2) ao cap. 3). Estas formas, é claro, ou progenitores, são boas na mesma medida em que constituam originais antigos e inalteráveis e em que cada uma delas seja uma só em contraposição á multidão de coisas sensíveis que geram. Se concebermos a classe ou raça dos progenitores como múltipla, então não serão elas boas em sentido absoluto, de modo que poderemos representar o Bem absoluto, se as concebermos como uma unidade, — como Único progenitor. (cf. também Arist. Met., 988al0).

A ideia do Bem, de Platão, é um conceito praticamente vazio. De fato, não nos oferece qualquer indicação acerca do que devemos fazer. Como se deduz das notas 27 e 28 deste capítulo, tudo quanto sabemos a respeito é que o Bem ocupa o ponto superior na esfera das Formas ou Ideias, sendo uma espécie de Super-ideia, da qual as demais Ideias se,originam. Tudo mais que podemos extrair daí é ser o Bem inalterável e primário e, em consequência, antigo (cf. nota 3 ao cap. 4), constituindo um todo único de que participam todas aquelas coisas que não mudam; vale dizer que o bem é o que preserva (cf. notas 2 e 3 ao cap. 4) e o que é antigo, especialmente as leis antigas (cf. nota 23 ao cap. 4, nota 7, parágrafo dedicado ao platonismo, do cap. 5, e nota 18 ao cap. 7), e que o holismo é bom (cf. nota 21 a este capítulo); tudo isso significa que priticamente retrogradamos á moralidade totalitária (cf. texto de notas 40/41 ao cap. 6).

Se acreditarmos na autenticidade da Sétima Carta, deveremos tomar nota de outra afirmativa de Platão (314b-c) : a de que a doutrina do Bem não pode ser objeto de formulação: “Não é susceptível de expressão, como outros ramos de estudo”. (Cf. também nota 57 ao cap. 10).
Foi de novo Grote quem claramente viu e criticou a vacuidade da Ideia ou Forma platônica do Bem. Depois de indagar que é esse bem, diz (Platão, III, 241 sg.) : “Faz-se a pergunta… Mas infelizmente ela permanece sem resposta… Ao descrever a condição da mente de outros homens — no sentido de que vislumbram um Bem real… e fazem todo o possível para obtê-la, confundindo-se, porém, em vão, para apreendê-lo e determiná-lo — ele (Platão) pintou inconscientemente o estado de seu próprio espirito.” É surpreendente o escasso número de autores modernos que levaram em consideração a excelente crítica de Grote ao pensamento platônico.

Para as citações do parágrafo seguinte do texto, ver: (1) Rep., 500b-c; (2) ob. cit., 485a-b. Esta segunda passagem é sumamente interessante; como o confirma Adam (nota a 485b9) é a primeira passagem em que se utilizam os termos “geração” e “degeneração” com este sentido semi-técnico. Nela Platão se refere ao fluxo e ás entidades imutáveis de Parmênides, introduzindo o principal argumento em favor do governo dos filósofos. Ver também a nota 26 (1) ao cap. 3 e a 2 (2) ao cap. 4. Nas Leis, 689c-d, quando examina a “degeneração”, 688c, do reino dório, acarretada “pela pior das ignorâncias” (isto é, a ignorância de não saber obedecer aos que são senhores por natureza; ver 689b), Platão explica o que entende por sabedoria: a aspiração de obter maior unidade de “ unissonância”, é a única sabedoria que qualifica um homem para exercer a autoridade. E em Rep., 591b e d, o termo “ unissonância” é explicado como a harmonia das ideias da justiça (isto é, manter-se cada qual em seu lugar) e da temperança (satisfazer-se com isso). Assim, somos outra vez lançados de volta ao ponto de partida.

33 — Um crítico desta passagem afirmou que não podia achar, em Platão, traço de qualquer temos ao pensamento independente. Mas devemos recordar a insistência de Platão sobre a censura (ver notas 40 e 41 ao cap. 4) e sua proibição de mais elevados estudos dialécticos a quem não estivesse acima de cinquenta anos de idade na República (ver notas 19 e 21 ao cap. 7), para nada dizer das Leis (ver nota 18 ao cap. 7 e muitas outras passagens).

34 — Para o problema da casta sacerdotal, ver Timeu, 24a. Numa passagem que claramente alude ao estado melhor ou “antigo” da República, a casta sacerdotal toma o lugar da “ raça filosófica” da República. Cf. também os ataqpes aos sacerdotes ,(até aos sacerdotes egípcios), adivinhadores e curandeiros, no Estadista, 290c sg.; ver também nota 57 (2) ao cap. 8 e nota 29 ao cap. 4.

35 — Cf. p. ex., Rep., 484c, 500e sgs.

36 — Rep., 535a/b. Tudo quanto Adam diz (cf. nota a 535b8) acerca da expressão a que demos o sentido de “ aterrorizante” contribui para sustentar a ideia habitual de que o termo significa “ soturno” ou “ temível”, especialmente no sentido de “ inspirar terror”. A sugestão de Adam para que se traduza como “ másculo” ou “ viril” acompanha a tendência geral para abrandar o que Platão diz. Lindsay traduz; “ de… moral robusta.”

37 — Ob. cit 540c; ver também 500c-d: “O próprio filósofo… se torna semelhante aos deuses, e a nota 12 ao cap. 9, onde se cita de modo mais completo a passagem correspondente a 540c e sgs. É muito interessante observar como Platão transforma o Um de Parmênides ao argumentar em favor de uma hierarquia aristocrática. Não se conserva mais a oposição Um^Muitos, mas esta é substituída por um sistema de graus; a Ideia de um — poucos que se aproximam dela, mais que os auxiliam — e os muitos, isto é, a multidão (esta divisão é fundamental no Estadista). Em contraste com esta concepção, o monoteísmo de Antístenes preserva a oposição eleática original entre o Um (Deus) e os Muitos (cujos elementos considerava provavelmente como irmãos, visto que iguais em sua distância de Deus). Antístenes recebe a influência de Parmênides através de Górgias, que, por sua vez, havia sido influenciado por Zenon. Talvez houvesse também influência de Demócrito, que ensinava “que os sábios pertencem a todos os países por igual, pois a pátria de uma grande alma é todo o mundo.”

38 — Rep., 500d.

39 — As citações são de Rep., 459b sgs.; cf. também notas 34 sgs. ao capitulo 4, esp. 40 (2) ao cap. 5. Vejam-se ainda os três símiles do Estadista, onde se compara o governante (1) ao pastor, (2) ao médico e (3) ao tecelão, cujas funções são explicadas como as de quem mistura caracteres pela formação habilidosa (310b sgs.).

40— Ob. cit. 460a. — Minha afirmação de que Platão dá enorme importância a esta lei baseia-se no fato de que a menciona no resumo que faz da Rep. no Timeu, 18d-e.

41 — Ob. cit, 460b. A sugestão é “ logo aceita”, em 468c, cf. nota seguinte.

42 — Ob. cit. 468c.

43 — Sobre a história do Número e da Queda, cf. notas 13 e 52 a este capítulo e notas 39/40 ao cap. 5 e o texto.

44 — Rep., 473c-e. Note-se a oposição entre o (divino) repouso e o mal, isto é, a mudança sob a forma de corrupção ou degeneração. Sobre o termo que aqui traduzimos por “ oligarca”, cf. final da nota 57, abaixo. Equivale a “ aristocrata hereditário”.

A frase que coloquei entre parênteses, por motivos estilísticos, é de grande importância, pois nela Platão exige a supressão de. todos os filósofos “puros” (e dos políticos não filósofos). Uma tradução mais literal da frase original seria esta: “de modo que todos aqueles (que tenham) atualmente uma natureza (disposta ou dotada) para vogar somente numa destas duas (correntes) sejam eliminados á força.” Adam admite que o significado da frase de Platão é que este “se recusa a sancionar a busca exclusiva do conhecimento”; mas sua sugestão de que suavizemos o significado das últimas palavras da frase traduzindo: “que sejam forçosamente afastados de buscar exclusivamente uma das duas” (o grifo é meu; cf. nota a 473d24, vol. I, 330, da edição da Rep. de Adam), essa sugestão não tem base no original, mas só em sua tendência pará idealizar Platão. O mesmo se dá com a tradução de Lindsay (“sejam forçosamente afastados de tal conduta”). A quem deseja Platão suprimir? Creio que aos “muitos” cujos limitados ou incompletos talentos ou “ naturezas” Platão aqui condena, são idênticos (na medida em que isso compreende os filósofos) aos “muitos cujas naturezas são incompletas” mencionados na Rep., 495d; e também com “os muitos (declarados filósofos) cuja maldade é inevitável”, mencionados em 489e (cf. também 490e/491a); cf. notas 47, 56 e 59 a este capítulo (e nota 23 ao cap. 5). O ataque é, portanto, dirigido de um lado contra os políticos democráticos “deseducados” e, de outro lado, muito provàvelmente — e principalmente — contra o semi-trácio Antístenes, o “bastardo deseducado”, o filósofo igualitário; cf. nota 47, adiante.

45 — Kant: Da Eterna Pas, Segundo Suplemento (Werke, ed. Cassirer, 1914, vol. VI, 456). Os grifos são meus; também encurtei um tanto o período extenso de Kant; cf. tradução de M. Campbell Smith (1903), 160.

46 — Cf. p. ex. Gomperz, Greev Thinkers, V, 12, 2 (Ed. al., vol. II, 2, 382) ; ou a tradução de Lindsay da Rep. (Para crítica dessa interpretação, ver nota 50 adiante).

47 — Deve-se admitir que a atitude de Platão para com Antístenes suscita um problema altamente especulativo; isto, aliás, prende-se ao fato de que pouquíssimo se conhece acerca de Antístenes, de fontes de primeira qualidade. Mesmo a velha tradição estoica de que a escola ou movimento dos Cínicos pode remontar a Antístenes é atualmente muitas vezes posta em dúvida (cf. p. ex., G. C. Field, Platão, 1930, ou D. R. Dudley, A History of Cynicism, 1937), embora talvez não com base suficiente (cf. a crítica de Fritz do último livro mencionado em Mind, vol. 47, p. 390). Em vista do que sabemos, especialmente de Aristóteles, a respeito de Antístenes, parece-me altamente provável que haja muitas alusões a ele nos escritos de Platão; e mesmo só o fato de ter sido Antístenes, além de Platão, o único membro do círculo íntimo de Sócrates que ensinou filosofia em Atenas, seria justificativa suficiente para procurarmos tais alusões na obra de Sócrates. Ora, parece-me bem provável que uma série de ataques, na obra de Platão, apontados pela primeira vez por Duemmler (esp. Rep., 495d/e mencionado na nota 56 a este cap.; Rep., 535e sg., Sof., 251b-e) encerre essas alusões. Há uma definida semelhança (ou assim pelo menos me parece) entre esses trechos e os desdenhosos ataques de Aristóteles a Antístenes. Aristóteles que menciona o nome de Antístenes, fala dele como de um simplório e refere-se a “gente deseducada assim como os seguidores de Antístenes” (cf. nota 54 ao cap. 11). Platão, nas passagens mencionadas, fala de modo semelhante, mas muito mais rispidamente. A primeira passagem que tenho em mente é do Sofista, 251b sg., què em verdade corresponde muito de perto á passagem de Aristóteles. Examinando as duas passagens da Rep., devemos lembrar que, de acordo com a tradição, Antístenes era um “ bastardo” (sua mãe viera da Trácia bárbara”) e que ele ensinava no ginásio ateniense reservado a “ bastardos”. Ora, encontramos, em Rep. 535d sg., (cf. nota 52, fim, a este capítulo) um ataque tão específico que deve visar a uma pessoa individualizada. Platão fala de gente que “gagueja em filosofia sem ser restringida pelo sentimento de sua própria indignidade” e afirma que “os mal nascidos deveriam ser impedidos” de fazê-lo. Fala de gente “desequilibrada” (ou “torta”, ou “manca”) no amor ao trabalho e ao repouso; e, tornando-se mais pessoal, alude a alguém de “ alma aleijada” que, embora amando a verdade (como um socrático o faria) não consegue alcançá-la, pois “camDaleia na ignorância” (provavelmente porque não aceita a teoria das Formas) : e aconselha a cidade a não confiar em tais “bastardos coxeantes”. Acho provável que seja Antístenes o objeto desse ataque indubitavelmente pessoal; a admissão de que o adversário ama a verdade parece-me um argumento extrema-mente forte, por ocorrer, como ocorre, num ataque de extrema violência. Mas se esta passagem se refere a Antístenes, então é muito plausível que outra passagem muito semelhante se refira também a ele, a saber, Rep., 495d/e, onde Platão novamente descreve sua vítima como tendo uma alma desfigurada ou aleijada, assim como o corpo. Insiste nessa passagem em que o objeto de seu desprezo, apesar de aspirar a ser um filósofo, é tão depravado que nem mesmo se envergonha de fazer degradante trabalho manual (“ banáusico”; cf. nota 4 ao cap. 11). Ora, sabemos que Antístenes recomendava o trabalho manual, que tinha em alta estima (sobre a atitude de Sócrates, cf. Xenofonte, Memor., II, 7, 10), e que ele praticava o que ensinava — mais um forte argumento para que seja Antístenes o homem de alma aleijada. Na mesma passagem, Rep., 495d, há também uma observação acerca “dos muitos cujas naturezas são incompletas” e que, não obstante, aspiram á filosofia. Isso parece „referir-se ao mesmo grupo (os seguidores de Antístenes de que fala Aristóteles) de “muitas naturezas” cuja supressão é exigida em Rep. 473c-e, discutida na nota 44 a este capítulo. — Cf. também Rep., 489e, mencionado em notas 59 e 56 a este capítulo.

48 — Sabemos (de Cícero. De Natura Deorutn, e de Filodemo, De Pietate) que Antístenes era monoteísta; e a forma por que expressava seu monoteísmo (só há Um Deus “de acordo com a natureza”, isto é, com a verdade, embora haja muitos “ de acordo com a convenção”) mostra que ele tinha em mente a oposição natureza-convenção, que, ao parecer de um’ antigo membro da escola de Górgias e contemporâneo de Alcidamas e Licofronte (cf. nota 13 ao cap. 5), deve ter-se ligado ao igualitarismo. Isto, por si só, não estabelece a conclusão de que o semi-bárbaro Antístenes acreditasse na fraternidade de gregos e bárbaros. Contudo, parece-me extremamente provável que assim fosse. W. W. Tarn (Alexander the Great and the Unity of Mankind; cf. nota 13 (2) ao cap. 5) tentou mostrar — e creio que com sucesso — que a ideia da unidade da humanidade pode ser rastreada até, pelo menos, Alexandre Magno. Acho que por uma muito semelhante linha de raciocínio poderemos remontá-la mais: a Diógenes, Antístenes e mesmo a Sócrates e á “ Grande Geração” da era de Péricles (cf. nota 27 ao cap. 10 e texto). Isto parece bastante evidente, mesmo sem considerarmos indícios mais detalhados, porque uma ideia cosmopolita pode ter sua ocorrência esperada como um corolário de tendências imperialistas tais como a da época de Péricles (cf. Rep., 494c/d. mencionado na nota 50 (5) a este capítulo e o Primeiro Alcibíades, 105b sgs.; ver também texto de notas 9-22, 36 e 47, cap. 10). Isto é especialmente provável existindo outras tendências igualitárias. Não pretendo diminuir a significação dos feitos de Alexandre, mas suas ideias me parecem, de certo modo, um renascimento das melhores ideias do imperialismo ateniense do século quinto.

Passando a detalhes, posso dizer primeiramente que há forte evidência de que, pelo menos no tempo de Platão (e no de Aristóteles), o problema do igualitarismo era claramente encarado como relacionado com duas distinções inteiramente análogas, a saber, a que se fazia entre gregos e bárbaros, por um lado, e, por outro, entre senhores (ou homens livres) e escravos; cf. neste sentido a nota 13 ao cap. 5. Ora, temos provas convincentes de que o movimento ateniense do século quinto contra a escravidão não se circunscreveu a uns poucos intelectuais como Eurípides, Alcidamas, Licofronte, Antofonte, Hípias, etc., mas teve considerável êxito prático. A evidência nos é fornecida pelos inimigos da democracia ateniense, em unânimes informes (esp. o “Velho Oligarca”, Platão, Aristóteles; cf. notas 17, 18 e 29 ao cap. 4 e 36 ao cap. 10). Se considerarmos agora, desse ângulo, a evidência inbubitavelmente escassa com referência ao cosmopolitismo, esta se nos apresenta bastante convincente, no entanto, se dentro dela se incluírem os ataques dos inimigos desse movimento. Em outras palavras, devemos levar bem em conta os ataques do Velho Oligarca, Platão e Aristóteles contra o movimento humanitário, se quisermos avaliar sua verdadeira importância. Assim, o Velho Oligarca (2, 7) ataca Atenas por um eclético modo de vida cosmopolita. Os ataques de Platão contra as tendências cosmopolitas e de tipo semelhante, embora não frequentes, encerram particular valor. (Refiro-me ás passagens como a de Rep., 562e/463a — “ os cidadãos, os residentes estrangeiros e os forasteiros se encontram todos no mesmo pé de igualdade” — que poderá comparar-se á irônica descrição do Menexeno, 245c-d, em que Platão louva sarcasticamente Atenas por seu coerente ódio aos bárbaros; Rep., 494c/d; também devemos, sem dúvida, considerar aqui a passagem de Rep., 469b-471c. Ver também o final da nota 19 ao cap. 6). Apesar da grande admiração que me inspira a análise de Tarn, não creio que ele faça a devida justiça aos diversos dados que se conservam a respeito desse movimento do século V; por exemplo, Antifonte (cf. pg. 149, nota 6, de sua obra), Eurípides, Hípias, Demócrito, (cf. nota 20 ao cap. 10), ou Diógenes (p. 150, nota 12) e Antístenes. Não creio que Antifonte desejasse apenas insistir no parentesco biológico entre os homens, pois em seu caso trata-se, indubitavelmente, de um reformador social e, para ele, “por natureza” tinha que significar “em verdade”. Por isso acho priticamente indubitável que tenha atacado conscientemente a distinção entre gregos e bárbaros, considerando-a artificial. Tam comenta o fragmento de Eurípides que afirma que um homem nobre pode abranger o mundo como uma águia o ar, observando que ele “ sabia que uma águia tem um ninho permanente”; entretanto, esta observação não faz justiça inteira ao fragmento, pois, para ser cosmopolita, não é mister abandonar definitivamente o próprio lar. Em face de todos esses fatos torna-se difícil compreender por que teria que ser puramente “negativa” a intenção de Diógenes quando, á pergunta “De onde és?”, replicou que era um cosmopolita, um cidadão de todo o mundo, especialmente se considerarmos que Sócrates dá resposta semelhante (“sou um homem do mundo”), semelhantemente àquela outra de Demócrito (“o sábio pertence a todos os países porque a pátria de uma grande alma é o mundo inteiro”; cf. Diels 5, fragm. 247; a autenticidade foi posta em dúvida por Tarn e Diels).
O monoteísmo de Antístenes deve ser enquadrado, também, dentro desse mesmo feixe de evidências. Não resta dúvida de que esse monoteísmo não era como o dos judeus, isto é, tribal e exclusivista. (Se verdadeira a história do Diog. Laer., VI, 13, de que Antístenes ensinava no Cinossargo — a escola para bastardos — então deve ele ter acentuado deliberadamente sua própria ascendência mestiça e bárbara.) Tam tem razão, sem dúvida, quando assinala (p. 14S) que o monoteísmo de Alexandre se relacionava á sua ideia da unidade da humanidade. Mas o mesmo se poderia dizer das ideias dos Cínicos, que foram influenciados, como creio (ver nota anterior), por Antístenes e, desse modo, por, Sócrates. (Cf. especialmente a evidencia oferecida por Cícero, Tuscul., V, 37 e Epícteto, I, 9, 1, com D. L., VI, 2, 63-71; também Górgias, 492e, com D. L., VI, 105. Ver ainda Epícteto, III, 22 e 24.)
Em vista de tudo isso, não parece muito improvável que Alexandre (em quem os ensinamentos de Aristóteles não produziram muito grande influência, como indica Tarh) possa ter sido genuinamente inspirado, como diz a tradição, pelas ideias de Diógenes; e as ideias que o impressionaram devem ter tido o espírito da ti adição igualitária.

49 —Cf. Rep., 469b-471c, esp. 470b-d e 469b/c. Aqui realmente temos (cf. nota seguinte) um traço de algo como a introdução de um novo todo ético, mais abrangente do que a cidade; a saber, a unidade da superioridade helénica. Como era de esperar (ver nota seguinte (I, b), Platão trabalha o assunto com certa minúcia. * Cornford com correção resume esta passagem quando diz que Platão “não expressa simpatia humanitária que se estenda além das fronteiras da Hélade”; cf. The Republic of Plato, 1941, p. 16S.)

50 — Nesta nota, mais argumentos são coligidos com referência á interpretação de Rep., 473e e do problema do humanitarismo de Platão. Desejo expressar agradecimentos a meu colega, Prof. H. D. Broadhead, cuja crítica muito me auxiliou a completar e esclarecer minha argumentação.

(1) Um dos tópicos típicos de Platão (cf. as observações metodológicas, Rep., 368e, 445c, 577c e nota 32 ao cap. 5) é a oposição e comparação entre o indivíduo e o todo, isto é, a cidade. A introdução de um novo todo, mais abrangente do que mesmo a cidade, a saber, a humanidade, seria passo importantíssimo para ser dado por um holista; exigiria (a) preparação e (b) elaboração, (a) Em vez de tal preparação, encontramos a passagem acima mencionada sobre a oposição entre gregos e bárbaros (Rep., 469b-471c). Em vez de uma elaboração, encontramos, no máximo, uma repulsa á ambígua expressão “raça dos homens”. Primeiro, na continuação imediata da passagem chave que consideramos, isto’ é, da passagem sobre o filósofo rei (Rep., 473d/e) ocorre uma paráfrase da duvidosa expressão, em forma de um sumário ou conclusão de todo o discurso; e nesta paráfrase a oposição típica de Platão, cidade-indivíduo, substitui a de cidade-raça humana. Diz a paráfrase: “Nenhuma outra constituição pode estabelecer um estado de felicidade, nem nos negócios privados, nem nos da cidade”. Em segundo lugar, resultado semelhante se encontra quando analisamos as seis repetições ou variações (a saber, 487e, 499b, SOOe, SOle, 536a-b, em discussão na nota 52 adiante, e o sumário 540d/e, com o pensamento posterior de 541b) da passagem chave em consideração (isto é, Rep., 473d/e). Em duas delas (487e, 500e) só a cidade é mencionada; em todas as outras, a oposição típica de Platão cidade-indivíduo volta a substituir a de cidade-raça humana. Em parte alguma há outra alusão á suposta ideia platônica de que a sofocracia, somente, pode salvar não só as cidades sofredoras, como toda a sofredora humanidade. — Em vista de tudo isso, parece claro que em todos esses textos apenas a oposição típica pairava na mente de Platão (sem, contudo, o desejo de qualquer saliência lhe ser dada a tal respeito), provavelmente no sentido de que só a sofocracia pode alcançar a estabilidade e a felicidade — o divino repouso — de qualquer estado, assim como o de todos os seus cidadãos individuais e sua descendência (nos quais, de outro modo, deve crescer o mal — o mal da degeneração).

(2) A palavra “humano” (“anthrõpinos”) é usada por Platão, via de regra, ou em oposição a “divino” (e, consequentemente, às vezes em sentido levemente pejorativo, especialmente se devem ser acentuadas as limitações do conhecimento humano ou da aite humana; cf. Timeu, 29c/d; 77a; ou Sofista, 266c, 268d, ou Leis, 691e sg., 854a), ou num sentido zoológico, opondo-se ou referindo-se a animais, por exemplo, águias. Em parte alguma, exceto nos primeiros diálogos socráticos (para uma exceção ulterior ver (6) desta nota), encontro essa palavra, ou a palavra “homem”, usada num sentido humanitário, isto é, indicando algo que transcenda as distinções de nação, raça ou classe. Mesmo um uso “mental” do termo “humano” é raro. (Tenho em mente um uso tal como em Leis, 737b: “ um exemplo de loucura humanamente impossível”.) De fato, as extremadas concepções nacionalistas de Fichte e Spengler, citadas no capítulo 12, no texto de nota 79, constituem uma expressão aguçada do uso platônico do termo “humano”, com a significação de uma categoria antes zoológica do que moral. Certo número de passagens de Platão indicando este uso e similares pode ser dado: Rep., 365d, 486a, 459b/c, 514b, 522c, 606e sgs. (onde se contrapõe o Homero guia dos problemas humanos ao Homero compositor de hinos aos deuses), 20b; Feãon, 82b; Crátilo, 392b; Parmènides, 134e; Teetetes, 107b; Criton, 46e; Protágoras, 344c; Estad., 274d; (o pastor do rebanho humano, que é um deus e não um homem) ; Leis, 673d, 688d, 737b (890b constitui, talvez, outro exemplo de uso pejorativo: “os homens” parece equivaler, aqui, aos “muitos”).

(3) É sem dúvida verdade que Platão admite uma Forma ou Ideia do Homem.; mas é engano pensar que ela represente o que todos os homens têm em comum; antes, é um ideal aristocrático de um altivo Super-Grego, e sobre isso se funda uma crença, não na fraternidade dos homens, mas numa hierarquia de “ naturezas”, aristocráticas ou escravas, de acordo com sua maior ou menor semelhança com o original, o antigo progenitor da raça humana. (Os Gregos se parecem mais a este do que qualquer outra raça.) Assim, “ a inteligência é compar-tilhada pelos deuses apenas com pouquíssimos homens” (Tim., 51e; cf. Aristóteles, no texto de nota 3, cap. 11).

(4) A “ Cidade do Céu” (Rep., 592b) e seus cidadãos não são, como Adam com razão aponta, Gregos; mas isso não implica- que pertençam á “humanidade” como ele pensa (nota a 470e30 e outras); são antes super-exclusivos, super-gregos (estão “ acima” da cidade grega de 470e sgs.), mais afastados dos bárbaros do que nunca. (Esta observação não implica que a ideia da Cidade do Céu, como a do Leão do Céu, por ex., e as de outras constelações, possam não ter sido de origem oriental).

(5) Finalmente, pode-se mencionar que a passagem 499c/d não anula a distinção entre gregos e bárbaros mais do que a existente entre passado, presente e futuro: Platão tenta aqui dar expressão drástica a uma abrangente generalização em relação a tempo e espaço; deseja dizer nada menos do que isto: “ Se tal coisa acontecer, seja em que
tempo for, ou seja em que lugar for (poderíamos acrescentar: mesmo em lugar tão extremamente improvável como um país bárbaro), então…” Á observação de Rep., 494c/d expressa sentimento semelhante, ainda que mais forte, de enfrentar algo que se aproxima de ímpio absurdo, sentimento aqui despertado pelas esperanças de Alcibíades quanto a um império universal de gregos e estrangeiros. (Concordo com as opiniões manifestadas por Field, Plato and His Contemporaries, 130, nota 1, e por Tarn; cf. nota 13 (2) ao cap. S).
Em suma: nada consigo encontrar além de hostilidade para com as ideias humanitárias de uma unidade da humanidade que transcenda raças e classes, e creio que os que encontram o oposto idealizam Platão (cf. nota 3 ao cap. 6 e texto.) ; e não consigo ver o elo entre sua exclusividade aristocrática e anti-humanitária e sua Teoria das Ideias. Ver também este capítulo, notas 51, 52 e 57, adiante.

(6) Que eu conheça, só existe uma exceção autêntica, uma passagem que fica em flagrante contraste com tudo isto. Num texto destinado (Teetetes, 174e sg.) a ilustrar a amplitude de espírito e a feição universalista do filósofo, lemos: “Todo homem tem incontáveis ancestrais, e entre eles, em qualquer caso, há ricos e pobres, reis e escravos, bárbaros e gregos.” Não sei como conciliar esta passagem interessante e definidamente humanitária com as outras concepções de Platão; sua ênfase sobre o paralelismo senhor versus escravo, grego versus bárbaro, é reminiscência de todas as teorias a que Platão se opõe. Talvez seja socrática, como muita coisa no Górgias; e o Teetetes talvez seja (contra a suposição habitual) anterior á República.

51 — Creio referir-se a alusão a dois lugares da História do Número onde Platão (falando de “vossa raça”) refere-se á raça humana: “com relação á vossa própria raça” (546a/b; cf. nota 39 ao cap. 5 e texto) e “pondo a prova os metais em vossas raças” (546d/e sg; cf. notas 39 e 40 ao cap. 5 e a passagem que se segue). Cf. também os argumentos da nota 52 a este capítulo, referentes á “ ponte” entre as duas passagens, isto é, a passagem chave sóbre o rei filósofo e a História do Número.

52 — Rep., 546d/e sg. O trecho aqui citado é parte da História do Número e da Queda do Homem, 546a-547a, citado no texto de notas 39/40 ao cap. 5; ver também notas 13 e 43 ao presente capítulo. — Minha afirmação (cf. texto a que se refere a nota anterior) de que a passagem sóbre o rei filósofo, Rep., 473e (cf. notas 44 e 50 a este cap) prenuncia a História do Número é reforçada pela observação de que existe uma ponte, por assim dizer, entre as duas passagens. A História do Número é, sem dúvida, antecipada pela Rep., 536a/b, trecho que, de outra parte, pode ser descrito como a recíproca (e também como uma variação) da passagem do rei filósofo, pois diz, geralmente falando, que o pior pode acontecer se não forem escolhidos como governantes os homens certos, e acaba mesmo com uma recordação direta da grande onda: “ se tomarmos homens de outra espécie… então acarretaremos para a filosofia outro dilúvio de gargalhadas”. Creio ser esta clara reminiscência uma indicação de que Platão estava consciente do caráter do trecho (que procede, por assim dizer, do fim de 473c-e até seu princípio), o qual mostra o que deve acontecer se for desprezada a advertência dada na passagem do rei filósofo. Ora, esta passagem “recíproca” (536a/b) pode ser descrita como uma ponte entre a “passagem chave” (473c) e a “passagem do Número” (546a sgs.), pois contém referências nada ambíguas ao racismo, prenunciando a passagem (546d sg.) sobre o mesmo assunto, a que é apensa esta nota. (Isto pode ser interpretado como evidência adicional de que o racismo estava na mente de Platão, que a ele aludiu, quando escreveu a passagem do rei filósofo.) Cito agora o início da passagem “recíproca”, 536a/b: “ Devemos distinguir cuidadosamente entre o filho legítimo e o ‘bastardo, pois, se um indivíduo ou uma cidade não sabe como considerar esses assuntos, com plena inocência aceitarão os serviços dos bastardos desequilibrados (ou mancos), em qualquer qualidade, talvez como amigos ou mesmo como governantes” (Cf. também nota 47 a este cap.).
Para uma espécie de explicação á preocupação de Platão com as questões de degeneração racial e criação racial, ver textos de notas 6, 7 e 63 ao cap. 10, em conexão com a nota 39 (3) e 40 (2) ao cap. 5.

Para a passagem sobre Codro, o mártir, citada no parágrafo que se segue no texto, ver o Banquete, 208d, mais amplamente citado na nota 4 ao cap. 3. — R. Eisler (Caucásica, 5, 1928, p. 129, nota 237) assevera que “ Codro” é um termo pré-helênico que significa “ rei”. Isto daria mais algum colorido á tradiqão de que a nobreza ateniense era autóctone. (Ver nota 11 (2) a este cap).

53 — A. E. Taylor, Platão (1908, 1914), p. 122 sg. Concordo com esse interessante trecho, até onde é citado no texto. Omiti, porém, a palavra “ patriota” junto a “ ateniense”, pois não estou plenamente de acordo com essa caracterização de Platão, no sentido em que é usada por Taylor. Sobre o “patriotismo” de Platão, cf. texto de notas 14-18, cap. 4. Quanto ao- termo “ patriotismo” e ao “ estado paternal”, cf. notas 23-26 e 45 ao cap. 10.

54 — Rep., 494b: “Mas quem for deste tipo não será o primeiro em tudo, a partir da meninice?”

55 — Ob. cit., 496c.: “ De meu próprio signo espiritual não preciso falar”.

56 — Cf. o que Adam diz em sua edição da República, notas a 495d23 e a 495e31, e minha nota 27 a este capítulo. (Ver ainda nota 59 a este capítulo).

57 — Rep., 496c-d; cf. a Sétima Carta, 325d. (Não acho que Barker, Greek Political Theory I, 107, n. 2, faça boa suposição quando diz, sobre a passagem citada, que “é possível… que Platão esteja pensando nos Cínicos.” A passagem certamente não se refere a Antís- tenes; e Diógenes, que Barker deve ter em mente, não era famoso quando ela foi escrita, sem ter em conta o fato de Platão não se teria referido a ele de tal modo.)

(1) Antes, na mesma passagem da Rep., há outra observação que pode ser uma referência ao próprio Platão. Falando do pequeno grupo dos dignos e dos que a ele pertencem, menciona “ um caráter nobremente nascido e bem criado, que foi salvo por uma fuga” (ou “pelo exílio”; isto é, salvo do destino de Alcibíades, que se tornou vítima da lisonja e abandonou a filosofia socrática). Adam julga (nota a 496b9) que “ Platão não chegou a ser exilado”, mas a fuga pará Megara dos discípulos de Sócrates, após a morte de seu mestre, pode bem ter jicado na memória de Platão como um dos pontos decisivos de sua vida. Pouco possível é que o trecho se refira a Dion, uma vez que Dion estava com cerca de quarenta anos ao ir para o exílio e, portanto, bem além da idade juvenil crítica; e não havia (como no caso de Platão) um paralelismo com o companheiro socrático Alcibíades (sem levar em conta o fato de que Platão resistira ao banimento de Dion e tentara sua revogação). Se supusermos que a passagem se refere a Platão, então teremos de admitir o mesmo de 502a: “Quem duvidará da possibilidade de que os reis ou aristocratas tenham um descendente que seja filósofo nato?”, pois a continuação dessa passagem é tão similar á anterior que ambas parecem referir-se ao mesmo “ caráter nobremente nascido”. Esta interpretação de 502a é provável em si mesma, pois devemos recordar que Platão sempre mostrou orgulho por sua família, como, p. ex., no elogio a seus pais e irmãos, a que chama “ divinos” (Rep., 368a) ; não posso concordar com Adam, que considera irônica a observação; cf. também a observação sobre o suposto ancestral de Platão, Codro, em Banq., 208d, juntamente com sua alegada descendência de reis tribais da Ática. Se esta interpretação for adotada, a referência em 499b-c a “governantes, reis ou seus filhos”, que se adapta perfeitamente a Platão (ele não só era um Códrida, mas também descendia do governante Drópides), terá de ser considerada á mesma luz, isto é, como preparação a 502a. E isto resolveria outro enigma. Refiro-me a 499b e 502a. É difícil, senão impossível, interpretar essas passagens como tentativas de lisonjear Dianísio, o Moço, pois tal interpretação dificilmente se poderia conciliar com a implacável violência e o reconhecido’ (576a) fundo pessoal dos ataques de Platão (572-580) a Dionísio, o Velho. É importante notar que Platão fala, em todas as três passagens (473d, 499b e 502a) em reinos hereditários (que ele tão fortemente opõe ás tiranias) e em “ dinastias”; e sabemos de Aristóteles, Pol., 1292b2, (cf. Meyer, Gesch. d. Altertums, V, p. 56) e 1293all, que as “ dinastias” são famílias oligárquicas hereditárias e, portanto, não tanto as famílias de um tirano como Dionísio, mas antes o que hoje chamamos famílias aristocráticas, como a do próprio Platão. A afirmação de Aristóteles é sustentada por Tucídides, IV, 78, e Xenofonte, Hellenica, V, 4, 46. (Estes argumentos são dirigidos contra a segunda nota de Adam a 499bl3). Ver também nota 4 ao cap. 3.

(2) Outra passagem importante que contém reveladora referência a si mesmo é encontrada no Estadista. Supõe-se aí que a característica essencial do estadista real (258b, 292c) é seu conhecimento ou ciência; e o resultado é outra defesa da sofocracia: “O único governo reto é
aquele em que os governantes sejam verdadeiros Mestres de Ciência” (239c). E Platão prova que “o homem que possui a Ciência Real, quer governe ou não governe, deve, como mostra nossa argumentação, ser proclamado real” (292e/293a). Platão certamente reivindicava possuir a Ciência Real; em consequência, esta passagem implica de modo inequívoco que ele se considerava um “homem que deve ser proclamado real”. Não se deve esquecer esta esclarecedora passagem, em qualquer tentativa de interpretar a República. (A Ciência Real, sem dúvida, é mais uma vez a do pedagogo romântico e criador de uma classe senhorial, que deve fornecer o material para cobrir e manter em conjunto as outras classes: os escravos, trabalhadores, funcionários, etc., discutidos em 289c sgs. A tarefa da Ciência Real é, assim, descrita como o “ entretecimento (mistura, mescla) dos caracteres de homens equilibrados e corajosos, quando reunidos pela realeza numa vida comunitária de unanimidade e amizade. Ver também notas 40 (2) ao cap. 5; 29 ao cap. 4 e 34 ao capítulo presente).

58 — Em famosa passagem no Fedon (89d (Sócrates adverte contra a misantropia ou o ódio aos homens (que ele compara à misologia, ou desconfiança na argumentação racional). Ver também nota 28 e 56 ao cap. 10 e nota 9 ao cap. 7. A citação que se segue neste parágrafo é de Rep., 489b/c. — A ligação às passagens precedentes é mais evidente se se considera o conjunto de 488 e 489 e especialmente o ataque, em 489e, aos “ muitos” filósofos cuja perversidade é inevitável, isto é, os mesmos “ muitos”, de “naturezas incompletas”, cuja supressão é discutida nas notas 44 e 47 a este capítulo. Uma indicação de que Platão certa vez sonhara em tornar-se o rei filósofo e salvador de Atenas pode-se encontrar, creio eu, nas Leis, 704a-707c, onde Platão tenta salientar os perigos morais do mar, da navegação, do comércio e do imperialismo. (Cf. Arist., Pol., 1326b- 1327a e minhas notas 9 a 22 e 36 ao cap. 10 e texto). Ver especialmente Leis, 704d: “Se a cidade for construída no
litoral e bem suprida de portos naturais… então será necessário um poderoso salvador e, na verdade, um legislador sobre-humano, para fazê-la escapar a variabilidade e degeneração.” Não soa isso como se Platão desejasse mostrar que seu fracasso em Atenas se devera às dificuldades sobre-humanas criadas pela geografia local? (Mas, apesar de todas as desilusões — cf. nota 25 ao cap. 7 — Platão ainda acredita no método de obter vitória sobre um tirano; cf. Leis, 710c/d, cit. no texto de nota 24 ao cap. 4).

59 — Há um trecho (que se inicia em Rep, 498d/e; cf. nota 12 ao cap. 9) em que Platão chega a expressar sua esperança de que “os muitos” possam mudar de pensamento e aceitar os filósofos como governantes, uma vez que hajam aprendido (talvez da República?) a distinguir entre o filósofo genuíno e o suposto. Para as duas linhas finais do parágrafo no texto, cf. Rep., 473e- 474a e 517a/b.

60 — Sonhos tais às vezes têm sido confessados até abertamente. Em A Vontade do Poder (ed. 1911, livro IV, Afor. 958; a referência é a Teages, 125e/126a), F. Nietzsche escreve: “No “Teages” de Platão está escrito: “Cada um de nós deseja ser o senhor de todos
os homens, se isto for possível — e acima de tudo cada um de nós gostaria de ser o próprio Senhor Deus.” Este é o espírito que deve retomar.” Não preciso comentar as concepções políticas de Nietzsche; mas há outros filósofos, platônicos, que ingenuamente sugeriram que, se um platônico conseguisse, por feliz acidente, alcançar o poder num estado moderno, mover-se-ia na direção do Ideal Platônico e deixaria as coisas pelo menos mais próximas da perfeição do que as encontrara. “Homens nascidos numa “ oligarquia” ou numa “ democracia”… — lemos (isto, suspeito, é uma alusão à Inglaterra de 1939) — que tenham ideais de filósofos platônicos e se achem, por alguma venturosa reviravolta das circunstâncias, de posse do supremo poder político, certamente tentarão atualizar o Estado Platônico e, mesmo que não sejam completamente bem sucedidos, como podem ser, pelo menos deixarão a comunidade mais próxima daquele modelo do que quando a encontra-ram”. (Citado de A. E. Taylor, “ Declínio e Queda do Estado na República, VIII, Mind, N. S. 48, 1939, p. 31). A argumentação do capítulo seguinte é em parte dirigida contra esses sonhos românticos. Uma percuciente análise da cobiça platônica do poder pode ser encontrada no brilhante artigo de H. Kélsen, Amor Platônico (The American Imago, vol. 3, 1942, p. 1 sgs.).

61 — Ob. cit., 520a-521c; a citação é de 520d.

62 — Cf. G. B. Stem, The Ugly Dachsund, 1938.


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