A democracia começa com uma reforma distrital – realizada por Clístenes em 508 a.C. – que introduziu novas instâncias participativas (os distritos, demoi) neles instalando poleis (comunidades políticas) com suas assembleias.
Foi um modo de substituir as instâncias de decisão: o (pro-democrático) demos entrou no lugar do (autocrático) genos (os lugares onde as famílias da aristocracia fundiária decidiam o que fazer ou não fazer). Não houve, entretanto, exclusão dos oligarcas que, mesmo na maioria das novas poleis locais, continuaram vencendo os debates e as eleições por mais de meio século.
Somente com outra reforma – introduzida por Efialtes em 462 a.C. – com o fim do poder do Areópago (uma espécie de tribunal político superior, controlado pelos oligarcas), antecipado pela introdução do sorteio no lugar da votação – a democracia pôde realmente florescer. Mas não se sabe quem introduziu o sorteio para escolha de dirigentes no Areópago, nem como isso foi feito, na década que precedeu a reforma de Efialtes.
O fato é que, se não fosse pela introdução do sorteio, jamais teríamos ouvido a palavra democracia.
O sorteio foi o principal obstáculo para os oligarcas, pois não adiantava nada se organizar para vencer eleições se a decisão não dependia de maioria. Aliás, a aristocracia fundiária ateniense, com a ajuda dos autocratas espartanos, deram um primeiro golpe na democracia, em 411 a.C., justamente para abolir o sorteio substituindo-o pela nomeação.
Isso deve ser lido pelos analfabetos democráticos que acham que democracia é eleição. E que transformam tudo em luta (convertendo a política – notadamente as eleições – em continuação da guerra por outros meios). Ora, na guerra, via-de-regra, ganha quem tem mais recursos, quem está mais organizado. Por isso os oligarcas continuaram no controle, por mais de meio século depois de a democracia ter sido inventada.
Os populismos querem fazer a mesma coisa com o sinal trocado, arrebanhando maiorias para vencer eleições, usando líderes com alta gravitatem capazes de mesmerizar parte do “povo” jogando-a contra as “elites”. O “povo”, para eles, são apenas os que os seguem e que se deixam conduzir e acarrear. Para esse projeto dar certo, a dinâmica tem de ser a da guerra, da construção e manutenção de inimigos, do “nós” contra “eles”. Isso nada tem a ver com democracia, que é um modo pazeante (não-guerreiro) de regulação de conflitos.
Talvez se entenda melhor agora por que os populismos não podem se dizer democráticos pelo fato de adotarem a via eleitoral. A via eleitoral é um campo permissível ao majoritarismo, que também nada tem a ver com democracia, pois a democracia não é a prevalência da vontade da maioria e sim a possibilidade de expressão de múltiplas minorias.
Tal como os oligarcas atenienses, os populistas amam de paixão as eleições, mas odeiam de morte o sorteio.