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Sobre a resiliência da “bolha” bolsonarista

A pesquisa Datafolha de 22-23/06/2022 trouxe alguns resultados preocupantes:

Bolsonaro tem 47% das intenções de voto no grupo das pessoas com renda superior a 10 salários mínimos.

Entre os de renda mensal de 5 a 10 mínimos, Bolsonaro tem 44%.

Entre os empresários, Bolsonaro tem 43% dos votos.

O problema é que esses números parecem ser crescentes no último ano.

Ah! Mas esses grupos são minoritários em termos de votos. É verdade. Mas eles comandam a maioria das grandes organizações do país sem as quais qualquer governo que se instalar em 2023 será instável.

Em condições normais de temperatura e pressão, Bolsonaro já perdeu as eleições. A sua resiliência entre quem ganha acima de 5 salários mínimos, entretanto, precisa ser explicada. Porque mesmo que a maioria dos integrantes desse grupo aceite o resultado eleitoral, seus agentes não vão desparecer em outubro próximo num passe de mágica.

É necessário começar a colocar a cabeça para funcionar espancando da análise todo “cretinismo eleitoral”. Depois de tudo que aconteceu de negativo para o governo no último mês, pelo Datafolha: Lula tinha 48 e passou para 47; Bolsonaro tinha 27 e passou para 28. Não adianta fazer de conta que não está acontecendo: é preciso explicar.

Vamos tentar entender a situação.

Se temos uma “bolha” pró Bolsonaro tão grande (perto de 30% do eleitorado = 45 milhões de pessoas), que não se move um milímetro com nenhuma avalanche de notícias negativas para o governo e seu presidente (corrupção, assassinatos, inflação, crise econômica), então é sinal de que ela está imune ao debate eleitoral.

Entendam as implicações disso. As eleições (quer dizer o processo eleitoral, incluindo as campanhas, sem as quais esse processo perde o sentido e vira pesquisa de opinião) deixam de ser um mecanismo eficaz de verificação da vontade política coletiva porque não há mais possibilidade de polinização mútua e de mudança de opiniões a partir da interação política.

A rigor não é mais uma sociedade: são duas. E ainda que uma parte – a que rejeita Bolsonaro – seja majoritária, a parte minoritária, mesmo perdendo as eleições, não se desconstituirá: continuará sendo uma parte não orgânica (ou fora do mesmo organismo), desintegrada da sociedade com representação política majoritária (como está acontecendo nos EUA com os republicanos trumpistas).

É uma fratura profunda, ao que tudo indica não apenas conjuntural. E essa parte minoritária tem sua maior resiliência entre os que ganham acima de 5 salários mínimos, faixa de renda onde estão a maioria dos formadores de opinião e dos que comandam as organizações (da sociedade, do mercado e do Estado). Sim, aí estão os donos e dirigentes de tudo, de meios de comunicação, passando pelas empresas, pelos jogadores financeiros até chegar à grande parte dos setores médios do trabalho intelectual (muitos reacionarizados, mas não todos).

Por outro lado, a base eleitoral de Lula, composta massivamente pelos que ganham menos de 5 salários mínimos, sobretudo pelos que ganham até 2 salários mínimos, é também a faixa onde se concentram os trabalhadores braçais, os analfabetos e analfabetos funcionais, os que não operam e sim são operados pelas chamadas “elites” e, o que é mais importante, os que não constituem propriamente uma PPA (população politicamente ativa). Vão votar em alguém que fale por eles, que está em outro lugar, simplesmente porque não falam (porque não podem mesmo falar politicamente) a partir do seu próprio lugar. Tanto é assim que é um contingente que parece vendável: Bolsonaro quer comprá-lo a partir de benefícios estatais eleitoreiros descarados.

A base eleitoral de Lula é uma base social (os que nela figuram o fazem, em sua ampla maioria, em razão da sua condição sócio-econômica e não da sua escolha política). Isso significa dizer que essa base eleitoral não é, predominantemente, uma base política ativa. É a matéria-prima da fábrica do neopopulismo, dito de esquerda.

O eixo principal de sustentação do novo governo (caso Lula seja eleito) será então composto pelas elites políticas lulopetistas e aliados (as elites favoráveis ao “povo” contra as elites contrárias ao “povo”)  e por uma base social inorgânica a ser dirigida pelo grande líder. Assim se retraduz a clivagem que define o populismo (“povo” x “elites”): “elites favoráveis ao povo” x “elites contrárias ao povo”.

Do ponto de vista de um bloco orgânico no poder, isso é para lá de instável em termos de governabilidade. A nova população politicamente ativa que hoje, resilientemente, continua apoiando Bolsonaro, não é desprezível. Cerca de 30% de desvalorizadores da democracia, seduzidos pela promessa de uma autocracia eleitoral governável que atenda aos seus interesses e desejos, sobretudo desejos, não são facilmente metabolizáveis pela democracia. E essa turbamulta vil, agora com expressão política, não vai se deixar mesmerizar por discursos de palanque do grande líder (que constitui o modo lulista de governar).

Infelizmente, o cenário mais provável é o de uma guerra civil fria pela frente.

Renda per capita e democracia

Um resumo em 10 pontos da nossa situação eleitoral e pós-eleitoral