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A narrativa olavista-bolsonarista em 7 pontos, seguidos de breves contestações

O encadeamento da narrativa olavista-bolsonarista é tão simplório que acaba colando em mentes rudes. Eis aqui um resumo em 7 pontos, juntamente com breves contestações, das alegações que são replicadas hoje por militantes bolsonaristas:

1 – Os comunistas querem destruir a religião, a família, a nação, a pátria, enfim, a civilização ocidental cristã e seus valores (a ordem, a hierarquia, a disciplina, a obediência, o comando-e-controle, a fidelidade). Eles são o inimigo.

O comunismo é hoje um traço vestigial do que foi nos séculos 19 e 20. As maiores ameaças atuais à democracia não vêm do comunismo e sim dos populismos, notadamente do populismo de esquerda, o neopopulismo (bolivarianista, chavista, sandinista de segunda geração, kirchnerista, evoista, correista e lulopetista) e do populismo-autoritário de direita (que se manifesta nas Filipinas de Duterte, passando pela Hungria de Viktor Orban, pela Polônia dos irmãos Kaczynski, pela Eslováquia dos seguidores de Robert Fico, pela Turquia de Recep Erdogan, pela Rússia de Putin e, no limite, até pelos USA de Donald Trump e a Inglaterra do Brexit com Nigel Farage. Isso para não falar da França de Le Pen, da Austria de Heinz-Christian Strache, da Itália de Matteo Salvini e da Alemanha de Jörg Meuthen e Alexander Gauland – entre vários outros: até chegar ao olavismo-bolsonarismo no Brasil).

Não há nenhuma evidência sólida de que exista uma grande conspiração comunista global contra a civilização ocidental (cristã ou judaico-cristã). Há o neo-eurasianismo e o expansionismo de Putin, há o governo Chinês (com seu capitalismo de Estado dirigido por um partido que se diz comunista) e há, ao todo, cerca de 60 ditaduras (boa parte delas islâmicas, as quais não têm muito a ver com comunismo). Há também articulações regionais de forças políticas que não se desvencilharam do marxismo (do marxismo-leninismo ou do marxismo-gramscismo), como o Foro de São Paulo (mas esse organismo está longe de ter a influência a ele atribuída por conspiracionistas, como Olavo de Carvalho, que jamais tiveram acesso a ele diretamente, mas somente pela internet e por notícias de segunda-mão). A existência da URSAL é outro delírio.

A tal “civilização ocidental cristã” é uma construção ideológica. Todos vivemos ainda no tipo de padrão civilizatório inaugurado há 5 ou 6 milênios, sobretudo na Mesopotâmia, que pode ser denominado de civilização patriarcal.

2 – Os comunistas dominaram o Brasil e ensejaram a corrupção. Os comunistas são corruptos e os corruptos são comunistas. Todos os políticos e os partidos da (falsa) democracia brasileira são comunistas-corruptos ou corruptos-comunistas. É tudo a mesma coisa.

Os comunistas nunca dominaram o Brasil, nem antes do golpe de 1964, nem mesmo durante os governos do PT. Havia pessoas drogadas pela ideologia comunista (quer dizer, marxista, marxista-leninista, marxista-maoista, marxista-castrista, marxista-gramscista), mas isso não significou uma hegemonia do pensamento comunista sobre a sociedade ou sobre o Estado.

Os comunistas não ensejaram corrupção nenhuma: fisiologismo e corrupção de há muito são endêmicos na política tradicional brasileira. Os neopopulistas (lulopetistas), estes sim, usaram a corrupção com motivos estratégicos de poder, quiseram fazer “a revolução pela corrupção” (como cunhou magistralmente o saudoso Ferreira Gullar), depositando seus ovos dentro da carcaça podre do velho sistema político. A esquerda neopopulista se aproveitou da corrupção endêmica, tradicional em nossos meios políticos, para disfarçar sua corrupção sistêmica que tinha, entre outros, o objetivo de financiar esquemas paralelos de poder. Ao fazerem isso, também se locupletaram, chafurdando na velha corrupção dos políticos tradicionais. Mas não porque fossem comunistas e sim porque são populistas. Isso não faz comunista ser corrupto ou corrupto ser comunista, como quer o discurso pedestre de olavistas-bolsonaristas, apenas revela que populistas são, em geral, corruptos e corruptores, tendo como objetivo principal não a chegada a uma sociedade sem classes, ao reino da liberdade e da abundância, como quer a ideologia comunista (marxista) e sim a sua própria manutenção, por tempo indeterminado (e o maior tempo possível) no governo.

Não há uma falsa democracia no Brasil. Há uma democracia flawed (como a maioria das democracias realmente existentes no mundo atual: menos de 30 países podem se dizer plenamente ou razoavelmente democráticos, segundo os critérios de todas as instituições de pesquisa respeitadas que monitoram a democracia no mundo). O fato de o Brasil não estar nessa lista, assim como a Itália e a França também não estão (e nem mesmo, a rigor, os USA estão entre as 19 full democracies), não significa que não sejamos uma democracia. Qualquer viagem exploratória nas cerca de 60 ditaduras que ainda remanescem no século 21 mostrará as gritantes diferenças entre os regimes que vigoram, por exemplo, na Arábia Saudita, no Sudão do Sul ou na Coréia do Norte (estes sim países ditatoriais) e o regime político vigente no Brasil.

Em suma, quem não percebeu que os adversários da democracia, hoje, não são mais os comunistas (residuais) e sim os populistas: os neopopulistas (ditos de esquerda, como os lulopetistas) e os populistas-autoritários (ditos de direita, como os bolsonaristas), é porque caiu no conto do vigário dos conspiracionistas. Conspiração comunista mundial ou continental só existem na cabeça de jurássicos e malfeitores ideológicos (como Olavo de Carvalho) que criam narrativas para se vender como pensadores importantes ou em benefício próprio (como o oportunista-eleitoreiro Jair Bolsonaro). São apenas agentes retrógrados, instrumentos da reação do mundo hierárquico diante da emergência da sociedade-em-rede.

3 – Só não vivemos numa ditadura comunista graças aos militares que fizeram a revolução redentora de 1964 (já na antessala da ditadura do proletariado que seria instalada pela esquerda). Houve uma guerra civil entre 1967 e 1977 que, felizmente, foi vencida pelos militares patriotas. Não houve ditadura militar: os militares fizeram uma intervenção saneadora atendendo ao clamor da maioria da população.

Nada mais falso. Este ponto repete as seis mentiras sobre a ditadura militar que andam circulando em meios olavistas e bolsonaristas, sobretudo nas mídias sociais nos últimos dois anos. Essas mentiras são:

1) A de que não houve ditadura (o que equivale, mais ou menos, a negar o Holocausto).

2) A de que a ditadura no Brasil foi uma “ditamole” (já que matou menos gente do que as ditaduras de esquerda). Como se o número de mortes fosse critério para condenar ou absolver ditaduras (ou para avaliar algumas como melhores do que outras).

3) A de que houve ditadura, sim, mas que foi o único meio que os militares patriotas encontraram de evitar uma ditadura marxista ou comunista (e que foi bem feito ter perseguido, prendido, exilado, torturado, ferido e matado terroristas). Como se já estivéssemos, em março de 1964, na antessala da ditadura do proletariado.

4) A de que o que houve foi uma guerra entre duas forças armadas. Como se tivesse havido uma guerra civil no Brasil entre 1967 e 1977.

5) A de que os militares deram o golpe de 64 atendendo ao clamor da maioria da população. Como se as tais marchas da família com deus representassem a população brasileira.

6) A de que os que se opunham à ditadura militar eram terroristas. Como se todos que se opuseram aos militares ditadores tivessem pegado em armas ou promovido atentados para ferir ou atemorizar as posições civis (quando apenas uma reduzida parcela de militantes de esquerda fez isso).

4 – Os comunistas assumiram o governo após o impeachment de Collor, colocaram no poder FHC (também comunista e corrupto) que, como um Kerenski brasileiro, preparou o caminho para a ascensão de Lula (outro comunista-corrupto). Neste período, a esquerda subsidiada, com o apoio da mídia comprada, satisfez os interesses da elite bilionária globalista e antinacional. Para tanto, desarmaram o povo, tentaram sexualizar e tirar a pureza de nossas crianças (induzindo-as para que elas sejam gays) e estimularam a bandidagem geral na sociedade (o objetivo principal dos comunistas-corruptos, não se pode esquecer, é destruir a civilização ocidental cristã).

O governo Fernando Henrique, sob qualquer ponto de vista racional que se queira adotar, não foi um governo de esquerda, muito menos um governo comunista. FHC não é mesmo um liberal em termos econômicos (no sentido de seguidor das doutrinas do liberalismo-econômico), mas a maioria dos democratas também não é. Não é um marxista, mas um pós-marxista. Em termos políticos, é um liberal, quer dizer, um democrata. Ainda que o próprio Fernando Henrique tenha pessoalmente se enganado sobre Lula (ao não ver que estava diante de um cafajeste), isso não significa que ele tivesse o mesmo projeto lulopetista.

O restante das alegações insanas dos olavistas-bolsonaristas é apenas munição fabricada para uma guerra cultural (com características de cruzada ou jihad) contra um suposto liberalismo ou libertarianismo (no sentido pejorativo do termo, de licenciosismo) nos costumes. Mas não importa para a democracia se uma pessoa é liberal ou conservadora nos costumes e sim se é liberal ou iliberal em política. Todos os adversários da democracia (os minoritários grupos antidemocráticos, que negam os critérios democráticos – como a liberdade, a publicidade ou transparência, a eletividade, a rotatividade ou alternância, a legalidade e a institucionalidade – e as forças políticas populistas, que se aproveitam da democracia para aboli-la ou restringi-la ou usam a democracia contra a democracia) são iliberais (no sentido político do termo e não apenas, nem principalmente, no seu sentido econômico).

5 – Os comunistas-corruptos continuaram organizados antes, durante e após o impeachment de Dilma. E querem voltar ao poder, seja por meio de alguém do PT, seja por meio dos demais candidatos do campo democrático, que são todos comunistas ou corruptos ou ligados à elite globalista: Álvaro, Alckmin, Amoedo, Marina ou Meirelles – todos são a mesma coisa. O único diferente, não-contaminado pela ideologia comunista ou globalista ou pela corrupção, o único verdadeiro patriota, é Bolsonaro.

Quem quer voltar ao governo, para retomar sua estratégia – interrompida pelo impeachment – de conquista de hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido com o fito de tomar o poder “por dentro” e nunca mais sair do governo é o lulopetismo (ou seja, é o PT e seus aliados subordinados, como o PCdoB, o PSOL e outras siglas menores). Os candidatos do campo democrático citados acima não fazem parte desse projeto autocrático, sejam honestos ou corruptos, estejam aliados a partidos que abrigam atores políticos fisiológicos e corruptos ou não. Dizer que todos são a mesma coisa é um truque eleitoral que tem por objetivo vender a ideia de que só Bolsonaro é honesto e diferente de “tudo isto que está aí”.

Entretanto, a designação de Bolsonaro como patriota está correta se levarmos em conta a origem da palavra (‘patriota’). A palavra foi inventada pelos oligarcas que, no século 5 a. C., se opunham à democracia nascente em Atenas, para dizer que queriam voltar “ao regime de nossos pais” (que era uma autocracia). Daí o termo ‘patriota’, derivado de ‘pai’.

6 – Eleger Bolsonaro em 2018 é a última chance de acabar com a patifaria dos políticos e botar ordem na casa. Só Bolsonaro pode fazer isso, evitando a volta dos esquerdistas. Do contrário os comunistas, globalistas e corruptos predominarão e acabaremos virando uma Venezuela ou coisa pior.

Essa história de “última chance” denuncia um viés apocalíptico ou milenarista que é próprio de narrativas religiosas autocráticas. Não há última chance para nada. O mundo não vai acabar no final de 2018 e os comunistas não vão dominar o mundo e o Brasil e assar no espeto as nossas criancinhas. A volta dos esquerdistas ao governo pode acontecer e, ao que tudo indica, só pode ser barrada pela derrota do PT para algum dos candidatos do campo democrático. Um enfrentamento entre dois candidatos do campo autocrático (como Bolsonaro e Haddad) levará, provavelmente, à vitória do segundo.

O PT deve ser derrotado pela democracia, não por outra força política autocrática. Substituir uma força autocrática (dita de esquerda) por outra força autocrática (dita de direita) não resolve o problema: gera mais autocracia e não mais democracia. Qualquer pesquisa séria dos casos históricos revelará que não existe um único exemplo de um povo que se tornou mais livre ao trocar seis por meia-dúzia.

7 – Foram os mesmos comunistas e corruptos, a serviço das elites globalistas, os mandantes da facada contra Bolsonaro. Votar em Bolsonaro é votar contra os comunistas, globalistas e corruptos, que além de tudo são assassinos – tanto é assim que, diante do medo da vitória de Bolsonaro, não hesitaram em mandar esfaquear o único candidato honesto e patriota.

Não há nenhuma evidência, pelo menos até agora, de que o ataque a Bolsonaro foi um atentado político. Como já foi dito em outro artigo, atentado político pressupõe sempre uma articulação de agentes, orientada por objetivos de natureza política, para eliminar a condição de ator político de alguém ou dificultar a sua atividade política. Até agora todas as evidências apontam que Bolsonaro foi vítima de uma violência injustificável, de um indivíduo com motivações pessoais, não importa se religiosas ou políticas. Mas se restar provado que Bolsonaro foi vítima de um atentado político, de crime com propósitos políticos, tramado ou encomendado por um grupo, organização ou partido político, os democratas, embora nada tenham a ver com isso, repudiarão o crime. Como condenaram o ataque de que ele, Bolsonaro, foi vítima, condenarão ainda mais veementemente a ação político-criminosa, exigirão medidas duras contra os autores do atentado político (se for um partido, deve ter seu registro cassado, se for um grupo informal ou uma entidade, seus responsáveis devem ser presos, processados e a organização extinta). Não obstante, os democratas – quer dizer, os liberais-políticos -, assim como se opõem ao lulopetismo, continuarão se opondo a Bolsonaro em razão da natureza antidemocrática do projeto que ele encarna e representa.

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