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Steven Levitsky e sua incapacidade de entender Lula e o PT

Mais um bom artigo de Steven Levitsky, autor do aclamado Como as democracias morrem. Seu grande mérito foi mostrar que os agentes atuais de autocratização da democracia usam a democracia (notadamente as eleições) contra a própria democracia e não mais os golpes de força tradicionais.

O artigo, no geral, está correto. Infelizmente Levitsky ainda não entendeu que, no Brasil, o partido que se especializou nessa via – chegar ao governo pelo voto para tomar o poder ao longo de um processo “homeopático” de aparelhamento do Estado e degeneração das instituições – foi justamente o PT. Levitsky, assim como boa parte da intelectualidade liberal dos Estados Unidos, não entenderam nada do processo constitucional do impeachment de Dilma Rousseff, do processo legal que levou Lula para a prisão e o impede de disputar eleições. De certo ninguém mostrou para ele a Constituição Federal de 1988, nem a chamada Leia da Ficha Limpa (ironicamente promulgada pelo próprio Lula).

De qualquer modo, ele está certíssimo quanto a Bolsonaro e quanto a todo resto (ressalvado o que foi dito acima).

Líderes eleitos usam as instituições para subverter a democracia

Steven Levitsky, Folha de S. Paulo, 2408/2018

Bolsonaro lidera as pesquisas e representa maior ameaça ao Brasil

As democracias já não morrem da maneira que costumavam. Pela maior parte do século 20, as democracias eram derrubadas por homens armados. Líderes militares depunham líderes eleitos, suspendiam o governo constitucional e estabeleciam ditaduras. Durante a Guerra Fria, três quartos das dissoluções de regimes democráticos aconteceram dessa forma. Foi como a democracia brasileira morreu em 1964 — e continua a ser a maneira pela qual muitos brasileiros esperam ver a morte da democracia.

Mas as coisas mudaram. Hoje, a maioria das democracias morre não por ação de generais, mas sim de líderes eleitos — presidentes ou primeiros-ministros que usam as instituições da democracia para subvertê-la.

A maioria dos autocratas contemporâneos chega ao poder por via eleitoral. E consolida seu poder “constitucionalmente”, usando métodos como plebiscitos, atos do Legislativo e decisões da alta corte. Foi esse o caminho seguido por Chávez na Venezuela, Putin na Rússia, Orban na Hungria, Erdogan na Turquia e Duterte nas Filipinas.

Na América Latina, também, os principais matadores de democracias são líderes eleitos. De 1990 para cá, todas as rupturas de democracia na América Latina exceto uma (Honduras, 2009) foram lideradas por presidentes eleitos. Balaguer na República Dominicana, Fujimori no Peru, Chávez na Venezuela, Correa no Equador, Morales na Bolívia, Ortega na Nicarágua.

Um dos perigos da estrada eleitoral para o autoritarismo é que ela é mascarada por uma fachada de democracia. Em um golpe clássico, o fim da democracia é imediato e evidente para todos. O Congresso é fechado. A Constituição é suspensa. O autoritarismo eleitoral é muito mais sutil. Não há tanques nas ruas. O governo chega ao poder pelas urnas, e a maior parte de suas medidas antidemocráticas é tecnicamente constitucional: o Congresso ou o Supremo Tribunal as aprovam. Na verdade, muitas das iniciativas antidemocráticas são apresentadas como esforços para melhorar a democracia —por exemplo combater a corrupção, reformar o Judiciário ou sanear as eleições.

Mas por trás desse verniz constitucional, a democracia é eviscerada. Os direitos civis são sufocados lentamente, começando pelas minorias impopulares (os oligarcas na Rússia, os políticos da velha guarda na Venezuela, os imigrantes na Hungria, os esquerdistas e os curdos na Turquia, os suspeitos de crimes nas Filipinas). A mídia, as ONGs, empresários independentes e políticos de oposição são ameaçados com acusações de corrupção, fraude tributária e outros delitos “legais”. Por fim, a lisura do processo desaparece. O Legislativo, os tribunais e as autoridades eleitorais sucumbem ao Executivo. As estações de TV são pressionadas a cooperar com o governo —ou a se calar. As eleições se tornam injustas.

O perigo é que os cidadãos nem sempre percebem o que está acontecendo. A erosão da democracia é gradual e, para muitas pessoas, imperceptível. Porque não há tanques nas ruas, muitos cidadãos continuam a acreditar que estão vivendo em uma democracia —até que seja tarde demais. Em 2011, mais de uma década depois da chegada de Hugo Chávez ao poder, pesquisas demonstravam que a maioria dos venezuelanos ainda acreditava estar vivendo em uma democracia.

Se a ruptura da democracia começa nas urnas, os cidadãos precisam tomar muito cuidado ao eleger seus líderes. Precisam identificar e derrotar os políticos autoritários antes que se elejam. Essa é uma questão séria hoje no Brasil. Como os venezuelanos em 1998, quando Chávez se elegeu pela primeira vez, os brasileiros agora encaram uma eleição na qual uma figura abertamente autoritária, Jair Bolsonaro, lidera as pesquisas. Ele representa maior ameaça à democracia brasileira do que qualquer candidato à Presidência em décadas. A coluna da semana que vem mostrará por quê.

Tradução de Paulo Migliacci

Levitsky é Professor de administração pública na Universidade Harvard e coautor de “Como as Democracia Morrem”

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