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Como as pequenas cidades do interior estão sendo tomadas pelo bolsonarismo

Matheus Pichonelli publicou, no Yahoo Notícias, no dia 13/09/2021, um artigo intitulado Longe da Paulista, interior é hoje o maior enclave bolsonarista. Já havia alertado para o fenômeno, inclusive no artigo, publicado aqui em Dagobah, em 02/09/2021: Um talibã bolsonarista em nossas pequenas cidades do interior.

Do que se trata?

Assim como não vimos jovens militantes de extrema-direita serem formados, não estamos vendo as pequenas cidades do interior serem tomadas pelo bolsonarismo. São muitas, muitas Kandahar. Perigo! Kandahar é aqui.

Sim, o processo de formação de militantes de extrema-direita ocorreu durante uma década, enquanto olhávamos para os astros distraídos… O processo de ocupação de cidades do interior pelo bolsonarismo está em curso há uns três anos. E continuamos olhando para os astros distraídos…

Vamos ter surpresas muito ruins se a ocupação das cidades do interior pelo bolsonarismo não for revertida. Mesmo que Bolsonaro saia do governo, a guerra fria contra a democracia nas pequenas cidades continuará (como está ocorrendo nos fundões dos EUA – onde Biden é tido e havido por ilegítimo).

Entenda-se. A infecção bolsonarista nas pequenas cidades não atinge apenas a velha População Politicamente Ativa (prefeitos, vereadores e cabos eleitorais, dirigentes e filiados partidários etc). Atinge uma nova PPA (o dono da pousada ou do pequeno comércio, o gerente local do agronegócio, o funcionário da empresa etc). É outra coisa.

Pode-se alegar que pessoas conservadoras (ou até reacionárias), na política e nos costumes, sempre existiram em pequenas cidades. Mas não é disso que estamos falando. O fenômeno agora é outro.

Inclusive porque há uma nova base social para sustentar a ocupação. Fazendeiros tradicionais e a parte mais atrasada, mas não só, do agronegócio (o chamado ogronegócio) financiam as iniciativas reacionárias do populismo-autoritário no interior do país. Chamam Bolsonaro para dar entrevistas nas rádios locais que dominam. E, numa irônica comparação com os maoístas de antigamente, adeptos da guerra popular prolongada, querem cercar a cidade com o campo. Por isso que pagam ônibus, jeton, camisetas e cartazes, para conduzir fiéis e figurantes para manifestações golpistas, nas capitais, sobretudo em São Paulo e em Brasília (como vimos no último 7 de setembro).

Pior do que isso, porém. Com a ascensão do agro, atividades industriais tornaram-se menos atrativas (e lucrativas) em muitos fundões do Brasil. Há, assim, uma mudança também da base econômica, que se tornou mais localista – e de um localismo não-cosmopolita. O agronegócio de ponta escapa disso, pois tem características contemporâneas e está globalizado. Mas as velhas aristocracias fundiárias locais continuam presas a ideias e comportamentos sinérgicos com o bolsonarismo (oscilando entre conservadores i-liberais e reacionários). Não, isso não existiu sempre: os agentes privados ligados a essa base econômica sempre existiram, mas compunham uma população politicamente passiva (a não ser na hora de votar nos coronéis e assemelhados – o que era do jogo).

Agora, não. Agora eles fazem parte de uma população politicamente ativa e atuam diariamente como soldados de uma guerra cultural cujo objetivo não é apenas – nem principalmente – vencer eleições para eleger vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores. O objetivo desses novos militantes é o movimento (a forma de organização política, contemporânea, do populismo-autoritário). Steve Bannon está dizendo – e é bom ouví-lo – que o Brasil agora é o laboratório mundial do nacional-populismo e que tudo deve ser investido aqui para a “grande revolução” antidemocrática.

Zap de vizinhança reenviando mensagens de influencers bolsonaristas, rádios locais e regionais amplificando essas narrativas, uma nova PPA (população politicamente ativa) composta pela dona do bar e pelo funcionário do agronegócio e pelo caminhoneiro, pastores, agroboys e cowboys virando referência político-moral em pequenas cidades do interior. Eis o modo pelo qual o inferno da extrema-direita está se instalando em nossa terra.

Sabemos quem são esses influencers, os hubs da rede descentralizada (mais centralizada do que distribuída) bolsonarista (pelo menos até um grau de separação).

Conhecemos o perfil de quem compõe, majoritariamente, essa nova PPA.

Não temos ainda um levantamento exaustivo dessas rádios pró-bolsonaristas de base local e regional (AM e FM). Isso precisaria ser feito com urgência.

Também não sabemos – e nunca poderemos saber – o número de grupos e listas de transmissão de WhatsApp e Telegram que existem nessas localidades. Nem como a transmissão e retransmissão de mensagens antidemocráticas está rolando no Facebook, no Twitter, no Instagram e no TikTok. Para não falar do Getrr, do Parler e do Gab.

Para concluir. Repetindo (gutta cavat lapidem). O fato é que, assim como não vimos jovens militantes de extrema-direita serem formados durante uma década, não estamos vendo agora as pequenas cidades do interior serem tomadas pelo bolsonarismo. Isso já é trágico!

Todos que percebem o perigo perguntam como podemos enfrentá-lo. É aí que está o problema. Formas tradicionais de luta política – pensadas para as grandes e médias cidades (inclusive grandes manifestações de rua na Paulista e em outras avenidas) – não conseguirão desenraizar essa base bolsonarista.

Somente uma ação da cidadania pela paz e pela democracia teria capilaridade suficiente para conter essa ocupação. Quem está disposto a pensar nisso?

A não ser que já tivéssemos muitas Casas da Democracia (ou iniciativas semelhantes). Quem está disposto a potencializar esses novos empreendimentos democráticos?

De qualquer modo, será que agora é possível entender por que precisamos de núcleos democráticos, organizados de baixo para cima, nos bairros das grandes cidades e, sobretudo, nas pequenas e médias cidades do interior?

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