O principal risco Bolsonaro – a julgar pelos resultados da média ponderada das pesquisas disponíveis – não é mais eleitoral. Ele tende a perder a eleição. Mas como, se perder, pode querer melar o jogo, não basta vencê-lo nas urnas.
1 – Para enfrentar tal ameaça, a saída é uma ampla frente para defender a democracia. Isso é o óbvio. Mas tem de ser dito. Não basta votar em Lula. Não basta votar em Ciro. Não basta votar em Tebet. Não basta votar em qualquer candidatura não-bolsonarista.
2 – Além disso, mesmo derrotado no pleito, o bolsonarismo continuará desestabilizando a democracia. Onde?
2.1 – O bolsonarismo sobreviverá nos enclaves “talibãs” que resistirão nas pequenas e médias cidades do interior.
2.2 – O bolsonarismo perdurará no agro, nas indústrias armamentistas, de máquinas e equipamentos agrícolas e nas que precisam do deflorestamento, nos CACs e clubes de tiro, nas milícias, em parte das polícias e das FFAA, nos grileiros, madeireiros, garimpeiros, pescadores ilegais e traficantes, nas igrejas neopentecostais e nos demais setores médios reacionarizados.
2.3 – Para enfrentar tal ameaça, a saída é a mesma: uma ampla frente para defender a democracia, materializada num governo de coalizão democrática a se instalar já no início de 2023.
3 – Não se trata, portanto, de aplastar a diversidade democrática, de todos abrirem mão de sua identidade política para votar no Lula e ficarem depois sob o insuportável hegemonismo petista. Uma coisa é – aos 45 minutos do segundo tempo, se assim a situação se configurar – eleger o neopopulista Lula para impedir a reeleição do populista-autoritário Bolsonaro. Outra coisa, bem diferente – e infinitamente mais árdua – é, depois, tentar retirar o PT do governo federal apenas por vias eleitorais. Como se sabe, nenhum partido populista sai facilmente do poder apenas pelo voto.
3.1 – Além disso, Lula é um democrata eleitoral, por certo, mas não é um democrata liberal. Analistas políticos estão redondamente enganados com o lulopetismo. Não é uma esquerda democrática como a do Uruguai (de Tabaré) e do Chile (de Boric). É uma esquerda populista como a da Venezuela (de Chávez-Maduro), da Bolívia (de Evo-Arce), da Nicarágua (de Ortega), do Equador (de Correa), do Paraguai (de Lugo), de El Salvador (de Funes), de Angola (de Zé Eduardo e Lourenço). E, agora, da Argentina (de Kirchner-Fernandez), do México (de Obrador), do Perú (de Castillo). São esses os aliados do peito do PT: os populistas.
3.2 – Há quatro maneiras de matar a democracia. O golpe de Estado (em termos clássicos) é apenas uma delas. Invasão estrangeira, autogolpe e erosão democrática são as outras três. Não ter desferido um golpe quando estava no governo não dá a ninguém atestado de democrata. O que o PT e seus aliados da esquerda populista latinoamericana e africana fazem é muito simples. Usam a democracia eleitoral contra a democracia liberal.
3.3 – É preciso articular uma frente ampla e plural de todos os democratas (sem excluir os democratas eleitorais neopopulistas, como os lulopetistas – mas sem sujeição ao seu hegemonismo), com uma pauta em comum, tanto para frustrar uma possível tentativa de golpe nas eleições, quanto para desconstituir os clusters bolsonaristas que remanescerão, seja qual for o resultado do pleito.
4 – Lula não vai nos salvar do bolsonarismo. Não há salvadores. Se Lula for vitorioso ou derrotado, o bolsonarismo continuará. Se Bolsonaro for vitorioso ou derrotado, no primeiro ou no segundo turno, o bolsonarismo continuará. Uma frente ampla e plural dos democratas é a saída.
4.1 – Não, não basta uma frente de esquerda, mesmo que tenha maioria eleitoral. Se há fascismo, no sentido técnico do termo, definido por Robert Paxton (2004), em A anatomia do fascismo, ou mesmo num sentido alegórico, como os atribuídos por Umberto Eco e Primo Levi, ele só pode ser contido por uma frente democrática, nunca por uma frente de esquerda. Basta examinar os exemplos históricos.
4.2 – Até porque o populismo-autoritário (chamado por alguns de neofascismo) não pode ser contido apenas por eleições. Vejam o caso dos EUA. Biden derrotou Trump, mas o trumpismo continua desconsolidando a democracia americana. E pode voltar ao governo. Com Trump ou sem Trump.
5 – Para a articulação dessa frente depois das eleições é bom que haja, nas eleições, uma via democrática (não-populista). Mesmo com poucas chances de vencer. Democratas não vencem sempre. Democratas liberais costumam ser minoria e, mesmo assim, seu papel de fermento para a formação de uma opinião pública democrática é essencial para a continuidade do processo de democratização.
Ulysses Guimarães, um ano depois de ter se consagrado como “Senhor Diretas” e promulgado a Constituição Cidadã de 1988, teve apenas 4,6% dos votos no primeiro turno das eleições presidenciais. Mas o papel que cumpriu foi fundamental para a continuidade da democracia no Brasil.