É preciso ficar batendo na mesma tecla. Ou na canga, para o boi ouvir. Populistas do século 21 – ditos de direita ou de esquerda – não saem do poder facilmente apenas pelo voto, entregando o governo a um partido de oposição.
Orbán saiu? Não, foi reeleito. Erdogan saiu? Não, foi reeleito. Modi saiu? Não, foi reeleito. Putin saiu? Não, foi reeleito. À direita, Trump é a única exceção, mas deslegitimou a vitória de Biden.
Ortega saiu? Não, foi reeleito n vezes. Chávez e Maduro sairam? Não, um morreu e o outro, seu sucessor, foi reeleito n vezes. Correa saiu? Não, emplacou seu sucessor Moreno. Evo saiu? Não, foi reeleito n vezes até que sofreu um golpe parlamentar. Zelaya saiu? Não, foi preso. Lula e Dilma sairam? Não, Lula fez sua sucessora Dilma, que sofreu impeachment. Lugo saiu? Não, sofreu impeachment. Funes saíu? Não, fez seu sucessor, Salvador Cerén, da mesma Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional. À esquerda, Cerén (El Salvador) é a única exceção (já que Cristina não conta ao não ter conseguido emplacar Scioli seu sucessor, pois estava em transição do velho populismo peronista para o neopopulismo contemporâneo).
Com as exceções, mencionadas acima, que confirmam a regra, nenhum partido que abrigava esses populistas saiu do governo apenas pelo voto.
Isso deveria servir de aviso. Não existe populista democrata liberal. Votar num populista democrata eleitoral para tirar do governo um populista autocrata eleitoral pode até ser necessário. O problema é, depois, tirar o seu partido do governo.
Repetindo. Não existem populistas democratas liberais. Existem populistas democratas eleitorais (Chávez, Evo, Correa, Lugo, Funes, Lula, Cristina, Obrador). E existem populistas autocratas eleitorais (Orbán, Erdogan, Putin, Modi, Bolsonaro, Maduro, Ortega).
Problema. Haverá eleições neste ano no Brasil. E entre os mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto, nenhum parece sintonizado com a democracia liberal. E agora?
Agora não se sabe. A eleição não é hoje, amanhã ou depois de amanhã. Só em outubro. Qualquer escolha feita hoje não é política e sim ideológica. Os populistas de direita e de esquerda querem que a gente faça uma escolha ideológica. A escolha política depende das campanhas de todos os candidatos. A eleição é um processo democrático em razão das campanhas e não do dia dos indivíduos marcarem solitariamente seus votos nas urnas. Do contrário não precisaria haver eleição. Bastaria contratar um instituto de pesquisa de opinião e dar a vitória ao primeiro colocado.
Mas entende-se. Você quer votar no democrata eleitoral Lula (mesmo sabendo que ele é populista, quer dizer, que ele não é um democrata liberal) para impedir a vitória do autocrata eleitoral e populista Bolsonaro. OK, se não houver alternativa (o que só saberemos mais adiante, pois a eleição não é hoje, nem amanhã). Mas já que você quer escolher ideologicamente (antes da hora) e não politicamente (avaliando as campanhas de todos os candidatos) é bom já ir pensando como, depois, vai ser possível tirar o PT do governo apenas pelo voto. Sim, porque – vamos repetir – os neopopulistas de esquerda do século 21 não saem facilmente do poder apenas pelo voto. Como vimos acima, só há um caso (o de Cerén, em El Salvador). E mesmo antes disso, se Lula vencesse o pleito, ainda está em aberto se Bolsonaro aceitaria a derrota e não tentaria “melar” ou deslegitimar o resultado.
E dentre os critérios da legitimidade democrática, a rotatividade ou alternância é um dos mais importantes. Quando democracias liberais decaem para democracias (apenas) eleitorais e quando democracias eleitorais decaem para autocracias eleitorais este critério é sempre violado. (Para entender a diferença entre esses tipos de regimes políticos baixe e estude o paper de Lührmann-Tannenberg-Lindberg (2018), Regimes of the World (RoW): Opening New Avenues for the Comparative Study of Political Regimes).
Mas, alguém pode perguntar, por que seria preferível escolher um candidato democrata liberal (se houver algum)? Bem… Eis um quadro comparativo, que parte das 21 full democracies da The Economist Intelligence Unit e compara com os 21 primeiros lugares nos rankings da Freedom House e do índice de democracia liberal do V-Dem (clique nos links para baixar e estudar os relatórios):
Os regimes desses países (do quadro acima) são as mais bem colocadas democracias liberais, segundo três institutos amplamente reconhecidos, dentre os que monitoram os regimes políticos no mundo. Parecem preferíveis a todos os outros. Nestes países não há um único governo populista. Deve ser por isso que os populistas de esquerda não gostam desses regimes: preferem, talvez, Bolívia, Argentina, México, alguns até Venezuela e Nicarágua. E populistas de direita também não gostam: preferem Hungria, Turquia, Índia, alguns até Rússia e Filipinas.
E você?