Se nada de extraordinário acontecer, Bolsonaro vai perder a eleição (provavelmente para Lula no segundo turno, ainda que também possa perder no primeiro). O problema é o terceiro turno (que pode durar quatro anos ou mais).
Os que não acreditam em terceiro turno devem responder as seguintes questões:
1 – A imensa população politicamente ativa que aderiu ao bolsonarismo vai pendurar as chuteiras só porque Bolsonaro perdeu a eleição?
Não. A maior parte da nova PPA (população politicamente ativa) é composta pelos que ganham acima de dois salários mínimos e têm educação média ou superior. Bolsonaro, até agora, tem maioria nessas faixas de renda e escolaridade, que são mais infensas à mudança de posição pelo paternalismo governamental (do novo governo).
2 – O enraizamento do bolsonarismo em cidades pequenas e médias do interior – sobretudo nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste – vai desaparecer da noite para o dia?
Não. Quem visita essas cidades vê que o bolsonarismo está nelas enraizado em todas as faixas de renda. Há uma espécie de “talibã distribuído”, com seus quistos resistentes a tratamentos convencionais da política.
3 – O membros do centrão-bolsonarista que serão eleitos para o parlamento serão desprezível minoria?
Não. Ainda que a maioria do chamado centrão não seja composta por fiéis bolsonaristas e sim por oportunistas, negocistas e dinheiristas, há uma parte considerável desse contingente – que será eleita em 2022 – que prefere manter seus privilégios atuais.
4 – Esses deputados e senadores do centrão-bolsonarista vão abrir mão de fazer oposição antidemocrática porque serão seduzidos pelo charme de Lula ou comprados por ele?
Não. Com o orçamento secreto legalizado eles não precisam mais do rude mensalão. Resistirão de unhas e dentes à alterações nessa dinâmica de apropriação de recursos públicos.
5 – Lula vai colocar as massas nas ruas para pressionar o parlamento a aprovar seus projetos de lei? Serão as multidões (que ele não consegue colocar hoje) ou coletivos de aguerridos militantes contrastados por coletivos opostos, equivalentes ou ainda maiores?
Não. Apesar de Lula ter maioria eleitoral, ele continuará sem ter maioria nas ruas, sobretudo nas camadas mais mobilizáveis (que fazem parte da PPA). Cada projeto de lei terá de ser negociado, exigindo uma vantagem adicional para ser aprovado. E muitos projetos simplesmente serão rejeitados.
Como a resposta para a maioria das cinco questões acima é negativa, ao que tudo indica, haverá terceiro turno. O terceiro turno é um tempo para a continuação do golpe de Bolsonaro.
Para entender isso é preciso ver que o golpe de Bolsonaro não é – como o PT está divulgando – um golpe de Estado com tanques nas ruas, fechamento do Congresso, do STF e dos meios de comunicação. Isso não passa de um truque para obrigar todo mundo a votar em Lula no primeiro turno. O golpe bolsonarista é a ‘guerra cultural’ que está acontecendo desde 2018. É a erosão continuada da democracia, pela instauração de um permanente ‘estado de golpe’. O golpe de Bolsonaro é a violação continuada, sistemática, das regras não-escritas da democracia.
Ah! Mas fora do governo o bolsonarismo perderá sua força. Nada disso. O trumpismo continua erodindo a democracia americana, mesmo Trump tendo perdido a eleição. Ah! Mas Bolsonaro não tem um partido forte (como Trump). Bem… quem disse que isso é absolutamente necessário quando existem formas alternativas de articulação política via mídias sociais e programas de mensagens?
E como fica a nossa democracia diante disso?
O negócio de Bolsonaro é erodir nossa democracia para convertê-la em uma autocracia (não por um golpe de Estado em termos clássicos ou antigos e sim por erosão). Na terceira onda de autocratização, sob a qual vivemos, a erosão democrática é o principal tipo de autocratização, como mostra o diagrama abaixo:
Para evitar a continuidade da erosão democrática, não basta reduzir a pluralidade democrática, matando todas as alternativas eleitorais de 2022 com o fito de eleger Lula logo no primeiro turno. Isso não vai evitar o golpe de Bolsonaro. Se a eleição só tiver um turno, o segundo turno será o (que estamos chamando aqui de) terceiro turno.
Ainda que Lula não queira converter nossa democracia eleitoral em uma autocracia eleitoral, o negócio do lulopetismo é usar nossa democracia eleitoral para manter sua hegemonia de sorte a impedir que nossa democracia eleitoral ascenda à condição de democracia liberal.
Ora, hegemonia não combina com democracia. É um conceito de guerra, não de política. Porque não é o império das regras (escritas ou não-escritas) e sim o predomínio, lato sensu, de uma força política sobre as demais. Ainda mais quando a força populista que a exerce é hegemonista. Para um partido hegemonista, a hegemonia sempre tem de ser de longa duração.
Em outras palavras, uma vez eleito Lula pela terceira vez, o PT não sairá facilmente do governo apenas pelo voto. Alguma dúvida? O autor aceita apostas.
De certo ponto de vista, isso também é um tipo de erosão. Não aquela erosão que transforma a natureza do regime político (de democracia para autocracia) e sim aquela que enfreia o processo de democratização congelando o regime político como uma democracia (apenas ou predominantemente) eleitoral. Se não é uma alternativa i-liberal (como a de Bolsonaro) é claramente uma alternativa não-liberal.
Para resistir a isso cabe aos democratas não-populistas criar um campo de conversação que não seja intolerante e permita a construção de caminhos de paz e de democracia para a sociedade brasileira. Isso já pode se esboçar agora, na campanha eleitoral de 2022, pela escolha de uma candidatura não-populista no primeiro turno, mas só vai se desdobrar nos anos seguintes.
O mundo não acaba em 2022. E os democratas liberais (não-populistas) precisam continuar articulados a partir de 2023 (se não quiserem ser defenestrados da cena pública).
Ao que tudo indica, não ocorrendo fatos extraordinários, o problema dos democratas não é mais Bolsonaro. O problema daqui para frente é o bolsonarismo (fora do governo). E o lulopetismo (no governo). É com esses dois populismos que deveremos nos preocupar a partir de 2023.



