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Se você critica Lula e o PT, então está doente

Um petista me disse nesta semana no Twitter: “Augusto pode esperneiar (sic) à vontade, você não vai conseguir tirar o brilho da vitória do Lula só por causa do seu antipetismo doente”. É um padrão. Qualquer crítica democrática é encarada como doença.

Sim, não basta ter votado em Lula (como eu votei). É necessário beijar a mão do grande líder e venerá-lo, aprovar todas as suas ideias, aderir ao seu governo e se abster de qualquer crítica ao populismo lulopetista. Se criticar é porque está doente ou ressentido.


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Outro dia, uma ex-extremo-direitista convertida à esquerda me disse: “Você precisa resolver seu ressentimento com o PT num divã, não no Twitter, pois está evidente que existe uma fixação…”. Olhaí o mesmo padrão: a crítica democrática encarada como doença que requer tratamento.

Garry Kasparov também é visto como um antiputinista doente. Todas as suas críticas a Vladimir Putin seriam motivadas por ressentimento. O mesmo vale para Alexei Navalny.

E o mesmo valeu ou ainda vale para os opositores dos governos populistas de Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa, Fernando Lugo, Maurício Funes, para não falar dos críticos de Nicolás Maduro e Daniel Ortega – doentes que já morreram ou estão em tratamento… penitenciário.

Em vez de olharem as manifestações da oposição democrática como alertas que merecem reflexão e resposta racional, os militantes chapa-branca preferiram decretar que a crítica ao populismo de esquerda é uma enfermidade que requer ajuda profissional.

Sim, os militantes governistas estão dizendo que se você tem algum reparo ao ideario ou ao comportamento do PT, isso não passa de preconceito. E que se você tem críticas à Lula, isso deve ser motivado por algum ressentimento.

Ora, de minha parte, não tenho nenhum preconceito em relação ao PT: tenho um conceito. Um conceito que deriva da compreensão de que toda organização centralizada fundada sobre a ideia de que possui, com exclusividade, uma missão redentora, tem um imenso passado pela frente.

E também não tenho nenhum ressentimento em relação à Lula: tenho um sentimento. Um sentimento de pena, que deriva da compreensão de que quando você cultua uma personalidade lesa a pessoa, ensejando que ela seja possuída pela persona que encontrou no seu caminho e fique aí empacada. Isso começou quando Lula passou a acreditar que era Lula e chegou ao paroxismo quando ele verbalizou (em 21/02/2018, no Twitter):

“Eles estão lidando com um ser humano diferente. Porque eu não sou eu, eu sou a encarnação de um pedacinho de célula de cada um de vocês”.

O tweet é um absurdo. Se o líder já é a síntese do povo, para quê o povo? Neste caso, o líder substitui o povo. Mas, êpa! Cuidado. Não pode criticar. Se o fizer – se disser que o culto à personalidade de um líder nunca pode redundar em coisa boa para a democracia – está movido pelo ódio antipetista, que é uma doença. Vá procurar um psicanalista, como disse a militante neoconvertida, citada acima.

É um modo solerte de interditar o debate. Não podem existir razões fundadas para a crítica. O problema sempre está no olho torto de quem vê.

Vamos tomar um exemplo recente. Lula declarou ontem (02/12/2022) sobre seu futuro encontro com Biden. “Nós vamos conversar política, a relação Brasil-EUA, o papel do Brasil… Eu quero falar com ele da guerra da Ucrânia, que não há necessidade de ter guerra”. Inacreditável.

Lula teria que dizer isso ao Putin, não ao Biden. Foi o autocrata russo que invadiu a Ucrânia.

Inacreditável, mas é o que Lula sempre pensou. Que Zelensky – que apenas defende seu país da agressão militar russa – é tão responsável pela guerra quanto Putin, o invasor.

Lula queria o quê? Que a Ucrânia se rendesse? Se a Ucrânia não resistisse à invasão militar de Putin, desapareceria como país. Seria anexada ao império russo.

Deve ser por isso que Lula não concorda com as sanções das democracias liberais ao ditador – o que significa, objetivamente, uma posição pró-Putin.

Pois bem. Mas o que é mais inacreditável do que Lula ter dito isso é seus apoiadores que se declaram democratas liberais não darem uma palavra criticando o presidente eleito. Talvez com medo de, se criticarem Lula por tais declarações (e pela concepção que esposa e que está por trás do que diz), serem acusados de estar doentes ou motivados por algum ressentimento.

É óbvio que tudo isso decorre da não-aceitação da legitimidade de uma oposição democrática. O problema é que sem aceitação e valorização da oposição democrática nenhum país chegou a ser uma democracia liberal.

Mas os governistas já sentenciaram. Toda crítica à Lula e ao PT é antipetismo. E o antipetismo é uma doença.

Mas é preciso considerar que só houve e só há antipetismo porque houve e há petismo. E que uma das características do petismo é justamente essa: considerar que quem não é petista tem alguma afecção, psicológica ou moral.

A democracia eleitoral brasileira tende a ficar mais distante de uma democracia liberal

Mazzarella: Populism as Political Theology & The Anthropology of Populism