in ,

A torcida para o novo governo dar certo

Eu torço para o novo governo dar certo.

Mas há duas maneiras de fazer isso. A primeira maneira é aderindo ao governo e, nos casos de adesismo extremo, dizendo amém a tudo que ele faz. A segunda maneira é fazendo oposição democrática, elogiando e apoiando as boas medidas, criticando as ruins e apontando alternativas.

Boas medidas são aquelas favoráveis à democracia liberal e ao desenvolvimento humano e social sustentável. Medidas ruins são aquelas desfavoráveis.

Governo, qualquer regime tem. Inclusive as ditaduras. Oposição livre – reconhecida e valorizada como um player legítimo e fundamental para o bom funcionamento do regime – só nas democracias liberais.

Sei que há no Brasil um problema com a palavra liberal. Muitos petistas e bolsonaristas, por razões diferentes (ou não), acham que dizer que alguém é liberal é quase um insulto. Ora, não basta preferir a democracia para ser liberal. Mas quem não é liberal (no sentido político do termo) não é plenamente democrata. Pode ser alguém que prefere flaweds democracies à full democracies; ou pode ser alguém que prefere democracias (apenas) eleitorais à democracias liberais.

Faço aqui um cruzamento dos critérios de classificação de regimes políticos da The Economist Intelligence Unit (EIU) com os do Varieties of Democracy Institute (V-Dem). Se você prefere o regime da Argentina ao da Austrália, da Bolívia ao da Bélgica, da Colômbia ao do Canadá – ou seja, se você prefere flaweds democracies à full democracies (EIU); ou se você prefere democracias (apenas) eleitorais à democracias liberais (V-Dem) – então você não é liberal (no sentido político do termo) e, por conseguinte, não é plenamente democrata, ainda que possa ser um democrata eleitoral não-liberal (como Lula).

Anna Lührmann, Marcus Tannenberg e Staffan Lindberg (2018) – no fundamental artigo Regimes of the World (RoW): Opening New Avenues for the Comparative Study of Political Regimes – dividem os regimes políticos em 4 tipos: democracia liberal, democracia eleitoral, autocracia eleitoral e autocracia fechada (não-eleitoral). Uma democracia liberal depende da medida em que o princípio liberal da democracia é alcançado. E que princípio seria esse?

“O princípio liberal da democracia enfatiza a importância de proteger os direitos individuais e das minorias contra a tirania do Estado e a tirania da maioria. O modelo liberal adota uma visão “negativa” do poder político na medida em que julga a qualidade da democracia pelos limites impostos ao governo. Isso é alcançado por meio de liberdades civis constitucionalmente protegidas, forte domínio da lei, um poder judiciário independente e freios e contrapesos efetivos que, juntos, limitam o exercício do poder executivo” (op. cit.).

Parece evidente que, com a ascensão dos populismos do século 21, esse princípio exige uma nova formulação:

O princípio liberal da democracia enfatiza a importância de proteger os direitos individuais e das minorias contra a tirania do Estado e a tirania da maioria (sendo, portanto, contrário ao majoritarismo e ao hegemonismo). Contempla a afirmação de modos-de-vida preferidos pela sociedade expressos pelos desejos das comunidades políticas democráticas, ensejando que a sociedade controle o governo (e nunca o contrário). Adota uma visão “negativa” do poder político na medida em que julga a qualidade da democracia pelos limites e condicionamentos impostos às instituições do Estado. Isso é alcançado por meio de liberdades civis constitucionalmente protegidas, forte domínio da lei, um poder judiciário independente, freios e contrapesos efetivos, uma cultura política que valoriza a pluralidade política (compreendendo, inclusive, o reconhecimento das oposições democráticas como players legítimos e fundamentais para o bom funcionamento do regime, não encorajando a polarização introduzida pelos populismos) e a abertura para a interação com a sociedade que, juntos, limitam o exercício do poder executivo e balizam o funcionamento dos demais poderes estatais.

Nenhuma democracia chegou a ser uma democracia liberal sem oposição democrática. A oposição democrática não é uma disfunção: ela faz parte do metabolismo normal das democracias. Oposição democrática é tão importante quanto governo democrático. Seu papel é contribuir para que a sociedade possa controlar o governo, não o contrário. Sua função – enquanto o governo permanecer democrático (mesmo que apenas democrático eleitoral) – não é destruir o governo.

Mas oposição não é para inviabilizar ou derrubar o governo? Não! Só os populistas (de direita ou de esquerda) pensam assim, apostando no “nós contra eles”. Uma oposição democrática aposta na pluralidade política (muitos “nós”) e na convivência democrática pacífica.

Uma oposição democrática age segundo a Constituição, as leis e as regras não-escritas da democracia e não quer inviabilizar ou derrubar o governo por meios guerreiros: violentos ou não violentos. Quem faz isso é a oposição antidemocrática (como, ao que tudo indica, será no Brasil a oposição bolsonarista).

Por isso, uma oposição democrática é, ao mesmo tempo, oposição ao governo e oposição à qualquer oposição antidemocrática (fora do governo).

Tudo isso poderia ser resumido em uma frase. Para ser contra o bolsonarismo não é necessário aderir ao lulopetismo ou virar seu súdito.

Meus artigos para O Antagonista em 2022

How Online Mobs Act Like Flocks Of Birds