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O caminho escolhido por Bolsonaro é um beco sem saída: eis o problema!

Como mostrei em artigo de ontem (21/05/2019) intitulado Não mintam, bolsonaristas: o protesto de 26 de maio não é a favor das reformas, depois de convocar a manifestação contra as instituições da democracia representativa (contra o Congresso e o STF) e de ser acompanhado por seus filhos, seu guru e seus sequazes nesse apelo antidemocrático, agora Jair Bolsonaro diz que se trata de uma “manifestação espontânea”.

Com medo do fracasso (que era certo), apelou para os evangélicos. Com efeito, a famiglia Bolsonaro sabe que encher as ruas só depende dos rebanhos conduzidos por bispos e pastores vigaristas.

Com medo do impeachment, mandou dizer que não compareceria aos protestos enquanto operou uma mudança esperta de pauta: de contra as instituições do Estado de direito, a manifestação passou a ser de apoio a ele, Bolsonaro e às reformas que o Congresso não estaria querendo fazer (o que é falso: a maioria do parlamento quer aprovar as reformas).

Como escreveu hoje Bernardo Mello Franco, na sua coluna em O Globo:

O presidente já havia acionado sua milícia digital para inflar os atos do próximo domingo. Chegou a indicar que iria a uma das manifestações. O objetivo era ostentar força e estimular o culto à própria personalidade.

Apesar do empurrão oficial, a tropa deu sinais de que não marcharia unida. Até o presidente do PSL, Luciano Bivar, achou melhor desertar. Disse não ver “sentido” na mobilização chapa-branca.

O porta-voz do Planalto, que havia celebrado os atos como um sinal de que “a sociedade está alinhada com o nosso presidente”, tentou suavizar o recuo. Disse que Bolsonaro desistiu de ir às ruas porque não quer “associar” as passeatas ao governo.

Se isso fosse verdade, o presidente e seus filhos não teriam se empenhado para divulgá-las. No mundo real, o Planalto farejou o risco de fiasco e apelou à receita de Neném Prancha: “Arrecua os arfes para evitar a catastre”.

Chega a ser vergonhoso. Viram que a pauta antidemocrática contra o Congresso e o STF não ia juntar mais do que meia dúzia de sectários. Aí mudaram a pauta. E começaram a dizer que a pauta inicial nunca existiu. Que foi tudo fake news dos comunistas.

O espantoso é como os moleques bolsonaristas e as macacas de auditório do Jair foram convencidos tão rapidamente (isso exige investimento pesado, não só em esforço de coordenação, mas em dinheiro mesmo) – para livrar a cara do presidente – de que não podiam mais falar em fechar o Congresso e o STF e, nem mesmo, demonizar o centrão. Agora falam que só querem aprovar as reformas. Mesmo assim, alguns escapam da catequese fulminante e revelam o que realmente os bolsonaristas continuam pensando.

Os que se oporiam às reformas não constituem um inimigo bem construído e nitidamente demarcado. Porque o problema é que, como foi dito acima, a maioria do Congresso e inclusive do centrão é favorável às reformas. Os chefes bolsonaristas mudaram a pauta porque Bolsonaro ficou com medo das repercussões negativas. Mas isso foi só para inglês ver. Bolsonaro, seus filhos, seu guru, seus sequazes e seu rebanho (suas macacas de auditório) continuam pensando exatamente da mesma maneira. Eles acham que o papel do parlamento é obedecer ao presidente e aos seus eleitores, que a luta fundamental é contra o comunismo e que, sendo possível, o ideal seria uma intervenção militar (não autônoma, das forças armadas, mas sob o comando do mito, é claro).

O problema desse tipo de apelação às massas para apoiar o líder salvador é que nunca pode ter um bom resultado. Se o evento for pequeno, diminuirá a taxa de idolatria do mito e encolherá o rebanho. Se o evento for grande, não obrigará o parlamento e o judiciário a virarem serviçais de executivo (o efeito poderá ser até inverso). E, portanto, exigirá outra manifestação, maior ainda. Ou seja, obrigará o governo a adotar uma dinâmica chavista com o sinal trocado (em vez de esquerda, extrema-direita).

Essa dinâmica de guerra permanente não é compatível com o exercício de governar: nunca deu certo em lugar algum do mundo ou época da história.

Ou seja… não há saída boa no caminho escolhido pelo bolsonarismo. É um beco sem saída.

O QUE ESTÁ REALMENTE EM JOGO

O comando bolsonarista (a ‘Gangue dos Cinco’) não é burro. Sabe que seus sectários não chegam a 10% dos eleitores de Bolsonaro. Sabe que é vital aumentar esse número – dobrá-lo ou, de preferência, triplicá-lo – para conseguir provocar um curto-circuito no establishment, deprimir o sistema imunológico da democracia neutralizando seus mecanismos de freios e contrapesos e submetendo as instituições parlamentares e judiciárias à vontade do executivo. A democracia, provavelmente, não conseguiria metabolizar um contingente de ativistas de 10 a 20 milhões de pessoas depredando diariamente as instituições. Neste caso, iríamos para o pior dos cenários: a autocratização acelerada do regime político e a exterminação dos elementos liberais de nossa democracia.

Por isso Bolsonaro nunca fala para a população em geral e sim para os seus eleitores. Por isso faz um governo de facção: para aumentar a sua base ativa de apoio, que ainda é pequena para os objetivos antiestablishment da ‘Gangue dos Cinco’ e dos seus hubs (o contingente capaz de entender, compartilhar e aplicar os objetivos estratégicos da aventura bolsonarista). Gente assim do tipo de Allan dos Santos, Bernardo Küster, Leandro Ruschel, Bia Kicis, Carla Zambelli, Bruno Garschagen, Ernesto Araújo, Fabio Wajngarten, Flavio Morgenstern (Flávio Azambuja Martins), Filipe Martins, Filipe Valerim, José Carlos Sepúlveda, Joice Hasselmann, Ana Caroline Campagnolo, Bene Barbosa, Daniel Lopez, Ítalo Lorenzon, Luiz Philippe de Orleans e Bragança, Marcelo Reis, Nando Moura, Roger Moreira, Danilo Gentili, Flávio Gordon, Ricardo de Aquino Salles, Luciano Hang, Emilio Dalçoquio, Meyer Nigri, Sebastião Bomfim, Abraham Weintraub, Ana Paula (do Vôlei), Letícia Catelani, Sandro Rocha, com o apoio variável de jornalistas capturados pelo seu antipetismo, como Alexandre Garcia, Augusto Nunes, José Roberto Guzzo e, infelizmente, Guilherme Fiuza.

É preciso entender que o que chamamos de bolsonaristas não são os 57 milhões de eleitores de Bolsonaro. São os comandantes (a ‘Gangue dos Cinco’), os hubs (exemplificados na lista acima, que não ultrapassam uma centena de pessoas), os bolsominions propriamente ditos (que não chegam a 50 mil) e uma base  de, talvez, 5 milhões de pessoas não imunes ou mais vulneráveis à infecção autoritária, que foram arrebanhadas ou capturadas.

Assim se conforma, hoje, a pirâmide bolsonarista (com seus quatro níveis, nos quais não estão incluídas as outras forças políticas que compõem o governo: os militares e os liberais-econômicos – que são poucos; os lavajatistas, que também são poucos mas têm uma base moralista imensa no Brasil; e os evangélicos, que são muitos):Trata-se, para o bolsonarismo, de aumentar essa base já que – não tendo força político-militar própria para uma aventura autoritária – não pode contar com o alto comando das forças armadas e nem com as demais forças políticas abrigadas no governo. Conta, porém, taticamente, com o apoio do lavajatismo militante (mais com Sérgio Moro, que foi capturado como garoto-propaganda e, em parte, neutralizado como presuntivo sucessor) e dos evangélicos (em quem os bolsonaristas gostariam de confiar estrategicamente, mas não podem porque sabem que eles são, em boa parte, controlados por bispos e pastores vigaristas e que há incontornáveis contradições desse contingente com os militares e os lavajatistas).

Pois bem. Só com a base social de sua pirâmide (que não representa uma força política autônoma: na verdade são apenas eleitores experimentando pela primeira vez a atividade de opinar face à disponibilidade de fazê-lo por meio das mídias sociais), o bolsonarismo não conseguirá encher as ruas no dia 26 de maio ou em qualquer outro dia. Porque não é possível mobilizar fisicamente nem 20% dessa base vulnerável à pregação bolsonarista: eles não são propriamente militantes e sim pessoas atrasadas, de pouco trato intelectual, muito espalhadas e com pouca mobilidade. Por isso os bolsonaristas tentaram transformar a mobilização contra o Congresso e o STF em um dia de oração pelo Brasil: para arrebanhar os evangélicos que podem de fato sair de casa se forem bem conduzidos por seus pastores. Não se sabe, entretanto, se isso dará certo; e, se der certo uma vez, também não se sabe se dará em outras.

Em suma, o bolsonarismo conta, como força política válida e ativa, com cerca de 50 mil pessoas. É pouco, muito pouco, para o que pretende. É uma extrema minoria querendo dar uma de maioria só porque se especializou (e se profissionalizou) na manipulação do Twitter. São, sim, uma maioria de falsificadores, de criadores de bots e de pessoas-bot (borgs). É é uma seita, com comportamento de seita, o que dificulta, em vez de potencializar, sua capacidade de ampliar alianças com outros setores fora de períodos eleitorais polarizados.

Ademais, a insistência em tentar aumentar o apoio para seu projeto populista-autoritário, leva o governo à supostas soluções meio desesperadas, como a de convocar protestos a favor ou manifestações chapa-branca. Note-se que o governo Bolsonaro, neste momento, já é mais reprovado do que aprovado e nenhum populismo se sustenta sem altos índices de popularidade.

O QUE VAI ACONTECER COM O GOVERNO BOLSONARO

Não havendo uma mudança no comportamento do presidente (e da ‘Gangue dos Cinco’) e nem um fato extraordinário que altere radicalmente a conjuntura política, Bolsonaro, ao que tudo indica, não chega ao fim do mandato. Nenhum país aguenta – sem se desmilinguir – vários anos seguidos (mais de três, no caso) de confrontações guerreiras e de governo errático (na verdade, de desgoverno). O governo tem de governar, mas a opção pela estratégia anti-sistema é contraditória com o metabolismo normal de governos, sobretudo com regimes democráticos (com uma sociedade civil ativa, desfrutando de liberdades civis e direitos políticos), repita-se, em qualquer parte do mundo ou época da história.

O fato, porém, de o governo ter entrado num beco sem saída, não é solução para nada e sim um problema. Nenhum governo cai sem ter quem o derrube. E não há, até agora, nenhuma coalizão de forças políticas disposta e preparada para derrubar o governo (por meios legais). O que significa que teremos pela frente, provavelmente, um longo período de crise.

Não mintam, bolsonaristas: o protesto do dia 26 de maio não é a favor das reformas

Comentários a ‘O Fascínio de Platão’ de Karl Popper – Introdução