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O nome de Deus usado para iludir, enganar, trapacear

Não deixem de ler o artigo de ontem (05/01/2019) do Demétrio Magnoli na Folha de São Paulo. Ele mostra a perversão que é usar o nome de Deus para legitimar posições e ações políticas. Um chefe de Estado e seus auxiliares continuarem insistindo na ideia de que seu deus particular está acima de todos (inclusive dos outros deuses e das pessoas que neles acreditam e das pessoas que não acreditam em nenhum deus) é uma abominação.

O DEUS DELES E O DE TODOS

Demétrio Magnoli, Folha de S. Paulo (05/01/2019)

Nenhuma autoridade menciona Deus em vão, mas para iludir, enganar, trapacear

“Não usarás o nome de Deus em vão” (Êxodo 20:7). Bolsonaro mencionou Deus abundantemente nos seus dois discursos de posse — e sempre em vão.

O Deus que autoriza ou sacraliza escolhas políticas nasce quando o poder se apropria da fé, para separar os filhos de Deus segundo a fidelidade a uma autoridade terrena.

Na Roma imperial, a fé exprimiu a aspiração ancestral de igualdade política. O cristianismo difundiu-se entre o povo pois a proclamação de que “somos todos filhos de Deus” erguia uma muralha lógica contra a discriminação.

Constantino curvou-se a ela e, para conservar o Império, instituiu a tolerância religiosa (313). Daí, seguiu-se o Concílio de Nicea (325), a conversão do imperador em seu leito de morte (337) e o Edito de Tessalônica (380), de Teodósio, que elevou o cristianismo à condição de religião de Estado. No fim do percurso, completou-se a inversão: o poder terreno adquiria o direito de discriminar invocando o nome de Deus.

A ideia original dos “filhos de Deus” é inclusiva. São “filhos de Deus” todos os seres humanos, mesmo os infiéis ou pecadores. O rebanho abrange os que cultuam deuses pagãos e os que clamam contra a autoridade.

Nesse sentido, a fé cristã mantém coerência com o princípio iluminista da igualdade política. “Nós não tratamos de Deus” —a advertência de Alastair Campbell, assessor de Tony Blair, evitou que o primeiro-ministro britânico concluísse seu discurso à nação, no início das hostilidades no Iraque (2003), com a frase “Deus nos abençoe”.

O veredicto sobre a principal decisão de Blair, de seguir George W. Bush na campanha militar, não caberia a Deus, mas exclusivamente aos cidadãos.

“Agora, nós tratamos de Deus”, escreveu o ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, num artigo para a revista The New Criterion, referindo-se ao Brasil do governo Bolsonaro.

A frase quase protocolar ensaiada por Blair seria uma súplica e a desejada bênção divina, uma mera hipótese. O Deus de Blair não dirige os eventos humanos, ainda que possa eventualmente aprovar, a posteriori, certas escolhas políticas.

Já o “Deus de Trump” invocado por Araújo move meticulosamente os pauzinhos da política. No caso brasileiro, segundo o artigo, Deus concatenou as ações de Bolsonaro, Olavo de Carvalho e da Lava Jato com a finalidade de restaurar uma pátria que se tinha perdido. Esse Deus pervertido, um despachante de interesses terrenos, é o que o governo de turno quer que seja.

No discurso político, há um Deus para cada gosto. O Deus da Igreja Católica medieval mandava queimar bruxas e dirigia exércitos de cruzados.

O dos partidos religiosos israelenses exige a continuidade da ocupação de territórios conquistados. O das teocracias islâmicas impõe códigos restritivos de costumes que rebaixam as mulheres a uma cidadania de segunda classe. Aí, em todos esses casos, a palavra divina emana das autoridades políticas e o nome de Deus serve para matar, conquistar, oprimir.

Araújo fala sem parar na “tradição judaico-cristã” que seria a nossa, sem se dar conta de que essa é uma tradição diversa, heterogênea e, sobretudo, aberta à mudança. Dela, faz parte a laicidade estatal —isto é, o “não tratamos de Deus” de Campbell.

No seu pronunciamento de posse no Itamaraty, perante diplomatas frios de vergonha (e também de um cordão de puxa-sacos, como foi Araújo até ontem), ele denunciou um “ódio contra Deus” que estaria inscrito na “agenda global” e alinhou o Brasil aos governos populistas dos EUA, da Itália, da Hungria e da Polônia.

O Deus dele é um ídolo: Steve Bannon, o arauto da alt-right americana que tenta construir uma “Internacional dos nacionalistas”.

Campbell tinha razão. Nenhuma autoridade menciona Deus em vão. O nome é usado para iludir, enganar, trapacear. Para evitar que suas políticas sejam submetidas ao escrutínio da razão.

Eis a íntegra do discurso do olavista conspiracionista Ernesto Araújo, aprendiz de ocultista e ministro das relações exteriores do governo Bolsonaro:

Discurso do Ministro Ernesto Araújo por ocasião da cerimônia de sua posse

2 de janeiro de 2019

Ilustre antecessor, Senador Aloysio Nunes Ferreira, Sra. Gisele;
excelentíssimo Senhor José Antônio Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal; excelentíssimo Senhor Presidente Fernando Collor de Mello;
Sua Alteza Imperial e Real Dom Bertrand de Orleans e Bragança, que juntamente com os presidentes Toffoli e Collor muito honram essa casa e muito me honram pessoalmente, cuja presença muito agradeço;
excelentíssimo Dom Giovanni d’Aniello, Núncio Apostólico;
excelentíssimos demais chefes de missões diplomáticas acreditadas junto ao Governo do Brasil;
excelentíssima Senhora Tereza Cristina, Ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
excelentíssimo Senhor Ricardo Joaquim Salles, Ministro de Estado do Meio Ambiente;
excelentíssimo General Carlos Alberto dos Santos Cruz, Ministro da Secretaria de Governo;
excelentíssima Senhora Raquel Elias Ferreira Dodge, Procuradora-Geral da República;
excelentíssimo Senhor Senador Flávio Bolsonaro;
excelentíssimos demais senhores senadores e deputados;
excelentíssimos senhores secretários executivos;
excelentíssimas demais autoridades civis, militares e eclesiásticas;
senhores embaixadores;
minha mulher, Maria Eduarda; minha filha, Clarisse; meus enteados Joaquim e Pedro; minha mãe Marylin; meu padrasto, Luiz Carlos; minha irmã Elisméria; meu sogro, Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, grande chefe dessa casa; minha sogra, Dona Marilurdes de Seixas Corrêa; meus queridos amigos e colegas.

Inicialmente gostaria de agradecer muito vivamente as palavras tão amáveis do Ministro e Senador Aloysio Nunes a meu respeito. Agradeço muito tocado sua referência. Gostaria de dizer que a história sempre lembrará sua condução sempre segura, serena e competente desta casa em momentos difíceis, e queria dizer que tive muito orgulho em trabalhar sob sua chefia em temas importante desse ministério. O senhor deixa um legado muito importante para o Itamaraty.

Gostaria de começar com uma frase que é absolutamente fundamental para entender o que está acontecendo no Brasil. Eu vou dizer um pouco diferente do que vocês estão acostumados a ouvir:

“Kai gnōsesthe tēn alētheian kai hē alētheia eleutherōsei hymas”

(“καὶ γνώσεσθε τὴν ἀλήθειαν, καὶ ἡ ἀλήθεια ἐλευθερώσει ὑμᾶς”),

“conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.

Essa convicção íntima e profunda animou o presidente Jair Bolsonaro na luta extraordinária que ele travou e está travando para reconquistar o Brasil e devolver o Brasil aos brasileiros.

Nesse versículo de São João há três conceitos cruciais para o pensamento humano e para a vida humana e para o nosso momento histórico: nós temos gnosis, que é o conhecimento, alethea, a verdade, e eleutheria, a liberdade.

Alethea: a tradução mais literal dessa palavra grega seria “desvelamento”, ou, melhor ainda, “desesquecimento”. “Lethe” é o esquecimento; Lethe é o rio do esquecimento que na tradição grega os mortos cruzavam para ir para o outro lado. Alethea é cruzar o rio de volta para cá. Alethea é a superação do esquecimento: algo que está esquecido, escondido e que de repente se recupera. Alethea envolve uma experiência autêntica, individual, sentimental, de tal maneira que o nosso conceito atual de verdade é muito pobre diante deste conceito original. Nosso conceito de verdade normalmente se fere apenas à verdade factual, um conceito um pouco técnico e frio, quando deveria ser algo orgânico e vivido.

Alethea nos faz “desesquecer” e reconectarmos conosco mesmos. E nesse redescobrimento e reconexão conosco mesmos é que a verdade liberta. Pois, onde estava preso aquele que é libertado pela verdade? Estava preso fora de si mesmo, estava procurando ser o que não é. O Brasil estava preso fora de si mesmo, e eu arriscaria dizer que a política externa brasileira estava presa fora do Brasil.

Eleutheria, “eleutherōsei hymas” (“vos libertará”)… Euletheria é outra palavra genial criada pelos gregos. Eu não conheço nenhuma outra língua antiga… Eu não conheço tantas assim, não conheço hitita, não conheço sânscrito, mas não conheço nenhuma outra língua antiga que possua, exceto o latim (libertas), mas que é uma tradução tardia do grego. Mesmo assim, na Grécia antiga, euletheria significava basicamente a liberdade civil, era um termo jurídico. Somente com a literatura cristã, e especialmente com esse trecho de São João, euletheria se tornou algo mais completo, mais profundo e mais elevado.

É um conceito que se desgastou também ao longo dos séculos. A palavra “liberdade” se desgastou ao longo dos séculos, mas preserva uma força incrível. A palavra “liberdade” ainda é uma palavra que acende o coração das pessoas. A pessoa pode estar lá desanimada, no seu canto, mas quando escuta a palavra “liberdade” não quem não levante a cabeça, subitamente alerta, e pergunte: “liberdade, onde? Eu quero!”

O presidente Bolsonaro está libertando o Brasil por meio da verdade. Nós vamos também libertar a política externa brasileira, vamos libertar o Itamaraty, como o presidente Bolsonaro prometeu que faríamos em seu discurso de vitória.

Bem, nós falamos da verdade e da liberdade, mas ainda não falamos do conhecimento, gnosis. A verdade liberta, mas para se chegar à verdade é preciso conhecê-la. E não se trata aqui de um conhecimento racional, pois a verdade não pode ser ensinada. A verdade nesse sentido profundo não pode ser ensinada por dedução analítica. Gnosis é o conhecimento no sentido de uma experiência mais íntima. A verdade é essencial, mas não pode ser ensinada e nem aprendida. Mas se é assim, como é que nós vamos conhecer a verdade, que é a chave disso tudo?

Para explicar isso, eu queria apelar a um brasiliense ilustre, Renato Russo, quando ele diz “é só o amor, é só o amor que conhece o que é verdade”.

Não são a cautela ou prudência que conhecem o que é verdade, mas só o amor. A cautela, a prudência, o pragmatismo são bons instrumentos quando sabemos para onde queremos ir, mas eles não nos ensinam para onde ir, não nos mostram o que somos e não nos explicam a nós mesmos.

É só o amor que explica o Brasil. O amor e a coragem que do amor decorre conduziram nossos ancestrais a formarem esta nação imensa e complexa. Nós passamos anos na escola, quase todos nós, eu acho, escutando que foi a ganância, o anseio de riqueza ou, pior ainda, o acaso, mas não foi. Foi o amor, a coragem e a fé que trouxeram até aqui, através do oceano, através das florestas, pessoas que nos fundaram, pessoas que disseram coisas como essa que vou ler agora:

“Anuê Jaci, etinisemba-ê
Indê irú manunhê
Yara rekô embobeuká tupirã
Rekôku ya subí
Embobeuká tupirabê
Nge membyrá Tupã”

(“Ave ‘Jaci’, cheia de graça, o Senhor é convosco. Bendita sois vós entre as mulheres, Bendito é o fruto do vosso ventre, ‘Tupã’”).

Essa é a Ave Maria em tupi, na versão original do Padre José de Anchieta, onde ele traduz Maria por “Jaci”, a lua (“Anue Jaci”) e Jesus por “Tupã”, o trovão.

E aqui nós precisamos da alethea, o “desesquecimento”. Precisamos libertar a nossa memória histórica, da qual esta modesta oração faz parte.

Para libertar o Itamaraty através da verdade, precisamos recuperar o papel do Itamaraty como guardião da continuidade da memória brasileira.

Eu me lembro da emoção que eu senti pela primeira vez, quando eu era terceiro secretário e subi as escadas para esse terceiro andar, e vi, logo ao subir a escada, o quadro da Coroação de Dom Pedro I e o quadro do Grito do Ipiranga. Imediatamente – tinha o quê? 22 anos –, imediatamente me lembrei de quando tinha cinco anos e assisti maravilhado no cinema ao filme Independência ou Morte, com Tarcísio Meira e Glória Meneses. E pensei, “tudo isso existe, né? E tudo isso é aqui”.

Eu me lembro desse momento muito marcadamente. E percebi: “olha, isso aqui não é simplesmente uma repartição pública; isso aqui é uma espécie de um santuário”. É uma espécie de túnel do tempo, onde os heróis estão vivos, os heróis famosos e os heróis anônimos, onde nós convivemos com os descobridores, com Alexandre de Gusmão, José de Anchieta, com Dom João VI, com os imperadores e as princesas, com os bandeirantes e os abolicionistas, com seringueiros, garimpeiros e tropeiros que construíram essa nação, e até mesmo com o estranho caso de um Barão Monarquista que se tornou grande ídolo da República.

Eu não sei se algum de vocês já tenham assistido um seriado espanhol chamado El Ministerio del Tiempo, que eu recomendo. E eu diria que o Itamaraty, em certo sentido, não é somente o Ministério das Relações Exteriores; é também o Ministério do Tempo. Como talvez nenhuma outra instituição no Brasil, nós temos a responsabilidade de proteger e regar esse tronco histórico multissecular por onde corre a seiva da nacionalidade.

O Presidente Bolsonaro disse que nós estamos vivendo o momento de uma nova independência. É isso que os brasileiros profundamente sentimos, e deveríamos senti-lo e vive-lo ainda mais aqui no Itamaraty, onde a história está tão presente. Deveríamos deixar fluir por esses salões e corredores a emoção deste novo nascimento da Pátria.

Precisamos “desesquecer” e lembrar de quem somos, de quem estamos voltando a ser.

Diz o lema do Barão, “ubique patriae memor”. Normalmente se traduz como, “em todos os lugares, lembrar-se da Pátria”. Aqui os senhores me perdoarão, um professor de latim frustrado, porque nunca fui, antes de querer ser diplomata, queria dizer que está errada essa tradução. “Memor” é uma primeira pessoa. Então, na verdade, é “em todos os lugares, eu me lembro da Pátria”. É um compromisso de vida pessoa que cada um de nós assume, e não uma simples anotação na agenda. Onde quer que seja, eu me lembro da Pátria. E “eu me lembro da Pátria” aqui não significa simplesmente que quando estamos no exterior devemos pensar no Brasil. Significa, se nós pensarmos no conceito de alethea, “eu sinto essa verdade profunda que é a pátria, eu sinto o que é ter uma Pátria”, e lembrar-se da Pátria, portanto, como uma verdade central, essa verdade que liberta e que só se pode conhecer pelo amor.

Lembrar-se da Pátria não é lembrar-se da Ordem Liberal Internacional, não é lembrar-se da Ordem Global, não é lembrar-se do que diz o último artigo do Foreign Affairs ou a última matéria do New York Times; é lembrar-se da Pátria como uma realidade essencial. Nós não estamos aqui para trabalhar pela Ordem Global. Aqui é o Brasil, e não tenham medo de ser o Brasil, não tenham medo.

Pensem, por exemplo, em Dom Sebastião. Quando preparava sua expedição na África, algum nobre da Corte Portuguesa perguntou a Dom Sebastião se ele não tinha medo. Dom Sebastião olhou e perguntou, “de que cor é o medo?”

Alguém objetará que Dom Sebastião morreu logo depois, no Areal do Alcácer-Quibir, o que é verdade. Mas não estamos falando aqui dele, né? Nós sabemos quem ele é. Dom Sebastião se tornou um mito, aquele que há de voltar nas ondas do mar, num dia de muita névoa. Mas não nos lembramos das pessoas que ficaram em casa, daqueles que não foram ao Alcácer-Quibir. Alethea, que liberta, está com os que foram, com os que seguram a bandeira dos seus reis e dos seus santos sem saber se iriam voltar, sem se importar se iriam voltar.

O mito ensina a não ter medo. E é curioso que o mito é o mito, e no momento atual mito é o apelido carinhoso que o povo brasileiro deu ao Presidente Bolsonaro.

Marcel Proust dizia que nossos sentimentos vão se atrofiando por medo, por medo de sofrer. E eu acho que nossa política externa vem se atrofiando por medo de ser criticada.

Por sua vez Clarisse Lispector dizia, falando do Brasil e do nacionalismo: “a nossa evidente tendência nacionalista não provém de nenhuma vontade de isolamento; ela é movimento sobretudo de autoconhecimento”, dizia Clarisse. Autoconhecimento, a verdade, alethea, a verdade que liberta.

Então, para não ter medo, vamos ler menos Foreign Affairs e mais Clarisse Lispector, ou Cecília Meireles; vamos ler menos New York Times e mais José de Alencar e Gonçalves Dias. Vamos escutar menos a CNN e mais Raul Seixas. E por que Raul Seixa? Não fiquemos “no trono de um apartamento (ou de uma embaixada) com a boca escancarada e cheia de dentes, esperando a morte chegar”.

Vamos fazer alguma coisa pelas nossas vidas e pelo nosso país. Mergulhemos no oceano de sentimento e na esperança do nosso povo. Não mergulhemos nessa piscina sem água que é a Ordem Global. O Itamaraty existe para o Brasil, não existe para a Ordem Global. O Itamaraty existe para o Brasil, não existe para si mesmo.

Nós somos uma casa de excelência? Somos, claro que sim. Mas para sê-lo, precisamos mostra-lo, e não ficar simplesmente repetindo isso uns para os outros. Nós vamos cuidar (a nossa administração) do fluxo de carreira, vamos solucionar este e muitos outros problemas, se Deus quiser, que legitimamente aflingem a instituição, para que o ministério possa melhor se capacitar para sua tarefa maior. Queria dizer que nós não precisamos e nós não vamos abrir os quadros do Itamaraty para pessoas de fora da carreira, além dos casos que já existem. O Presidente Bolsonaro confia plenamente na capacidade dessa casa e dessa carreira de implementar a sua política. Nós simplesmente estamos tomando a medida de flexibilizar a ocupação de cargos no Itamaraty por funcionários da carreira, em determinados níveis hierárquicos, justamente para arejar o fluxo da carreira e inclusive estimular nossos colegas a ocuparem esses cargos.

Nós temos tradições, é claro, mas precisamos emprega-las como estímulo para buscar a verdade e a liberdade, como serviço à pátria, como serviço a todos os brasileiros, tanto os mais humildes quanto os mais afortunados do nosso povo – esse povo que uma ideologia perversa não mais divide.

Temos tradições, mas como já dizia o embaixador Azeredo da Silveira, numa frase famosa, “a maior tradição do Itamaraty é saber renovar-se”.

Quando ingressei no Itamaraty, repetia-se essa frase a torta e à direita. Você não conseguia cruzar um corredor sem ouvir essa frase da tradição do Itamaraty sabendo renovar-se. Mas há alguns anos, há muito tempo, eu, pessoalmente, não tenho escutado muito essa frase. Não sei bem por quê. Talvez seja por um pouco desse ensimesmamento e um certo comodismo que se criou.

Nós nos apegamos muito a nossa própria autoimagem e fizemos dela uma espécie de um ídolo, e ficamos nos olhando um pouco no espelho e dizendo que nós somos o máximo, e dizendo que os governos não nos entendem, mas que o Itamaraty está acima dos governos. Nós nos tornamos diplomatas que fazem coisas que só são importantes para outros diplomatas, e isso precisa acabar. Deixemos de olhar no espelho e passemos a olhar pela janela, ou, melhor ainda, vamos sair à rua para o Brasil verdadeiro. Não tenhamos medo do povo brasileiro. Somos parte do povo brasileiro.

Certa vez, ainda no Instituto Rio Branco, eu ouvi de um diplomata antigo o seguinte: que o Itamaraty não pode ser melhor que o Brasil. E nessa época eu tomei isso como um sinal de um grande pessimismo. Era um momento difícil na história do Brasil, e eu achei que ele estava dizendo, “olha, o Brasil está ruim e o Itamaraty está igual”. Mas hoje eu acho que finalmente compreendo o que ele queria dizer: o Itamaraty não pode achar que é melhor que o Brasil, o Itamaraty não pode achar que não faz parte do Brasil. Fazemos parte, voltamos a fazer parte de uma aventura magnífica.

A partir de hoje o Itamaraty regressa ao seio da Pátria amada.

O Itamaraty voltou porque o Brasil voltou.

Fernando Pessoa afirmava o seguinte: “o poeta superior diz o que sente, o poeta médio diz o que decide sentir, e o poeta inferior diz o que acha que deve sentir”. O mesmo talvez se possa dizer do diplomata e o mesmo se aplica a um país na sua presença internacional. Por muito tempo o Brasil dizia o que achava que devia dizer, era um país que falava para agradar os administradores da Ordem Global. Queríamos ser um bom aluno na escola do globalismo e achávamos que isso era tudo. Éramos um país inferior, aplicando a classificação de Fernando Pessoa.

Mas o Brasil volta a dizer o que sente e a sentir o que é.

Vocês podem dizer que isso é quixotesco, talvez, e as pessoas me chamam às vezes de tantas coisas bem piores que quixotesco você pode dizer que estaria bom. Quixotesco já seria um bom adjetivo. Mas isso me lembra algo que eu escutei do Professor Olavo de Carvalho, um homem que, após o presidente Jair Bolsonaro, talvez seja o grande responsável pela imensa transformação que o Brasil está vivendo. Certa vez eu vi o Professor Olavo referir-se a um trecho do Dom Quixote, de Cervantes, que é, talvez, o ponto central dessa obra. É quando Dom Quixote está caído à beira do caminho em algum lugar de La Mancha, em uma espécie de delírio, e começa a conversar com os passantes como se fossem o Marquês Disso, o Conde Daquilo, ou algum herói de cavalaria, enquanto fala de suas próprias façanhas. Lá pelas tantas ele se refere a um camponês que está passando como Marquês de Mântua, e o camponês para e olha para ele e diz, “pera aí, eu sei quem é o senhor. Eu não sou o Marquês de Mântua, eu sou seu vizinho, Pedro Alonso, e o senhor não é Dom Quixote, o senhor é um bom homem que eu conheço há muito tempo, o senhor é Alonso Quijano”. E Dom Quixote para um segundo, pensa e responde, “yo sé quién soy” (“quem sou, sei eu”).

Algumas pessoas dirão que o Brasil não é isso tudo que o presidente Bolsonaro acredita e que eu também acredito. Dirão que o Brasil não tem capacidade de influir nos destinos do mundo, de defender os valores maiores da humanidade, que devemos apenas exportar produtos e atrair investimentos, pois afinal somos um bom país, quieto e pacífico, mas não temos poder para nada. Dirão que o Brasil é apenas Alonso Quijano, mas o Brasil responderá “eu sei quem sou, eu sei quem sou”.

Somos um país universalista, é certo. E a partir desse universalismo queremos construir algo bom e produtivo com cada parceiro. Mas universalismo não significa não ter opiniões, universalismo não significa uma geleia-geral, não significa querer agradar a todos. A vocação do Brasil não é ser um país que simplesmente existe para agradar. Queremos ser escutados, mas queremos ser escutados não por repetir alguns dogmas insignificantes e algumas frases ascéticas. Queremos ser escutados por ter algo a dizer.

Nós buscaremos as parcerias e as alianças que nos permitam chegar onde queremos. Não pediremos permissão à Ordem Global, o que quer que ela seja. Defenderemos a liberdade e a vida. Defenderemos o direito de cada povo de ser o que é, com liberdade e dignidade, com a dignidade que unicamente a liberdade proporciona.

Quem ama luta pelo que ama. Então nós admiramos quem luta. Admiramos aqueles que lutam pela sua pátria e aqueles que se amam como povo. Por isso admiramos, por exemplo, o exemplo de Israel, que nunca deixou de ser uma nação mesmo quando não tinha solo, em contrate com algumas nações de hoje, que mesmo tendo solo, suas igrejas, seus castelos, já não querem ser nação. Por isso admiramos os Estados Unidos da América, aqueles que hasteiam sua bandeira e cultuam seus heróis. Admiramos os países latino-americanos que se libertaram dos regimes do Foro de São Paulo. Admiramos nossos irmãos do outro lado do Atlântico, que estão construindo uma África pujante e livre. Admiramos os que lutam contra uma tirania na Venezuela e em outros lugares. Por isso admiramos a Nova Itália. Por isso admiramos a Hungria e a Polônia. Admiramos aqueles que se afirmam, e não aqueles que se negam.

O problema do mundo não é a xenofobia, mas a oikofobia, de oikos, oikia, o lar. Oikofobia é odiar o próprio lar, o próprio povo, repudiar o próprio passado. É mais fácil não amar, não lutar, porque amar e lutar também significam sofrer, significam muitas vezes não ser compreendido, significam suscitar o ódio, o desprezo ou a inveja. Então muitas nações, assim como muitas pessoas, optam pelo conforto e pela facilidade de não amar e de não lutar. Nós aqui não optamos nem pelo conforto nem pela facilidade.

Além da oikofobia, o ódio contra o próprio lar, deveria preocupar-nos também, cada vez, mais, a teofobia, o ódio contra Deus. Há uma teofobia horrenda, gritante, na nossa cultura, não só no Brasil, em todo mundo; um ódio contra Deus, proveniente sabe-se lá de onde, canalizado por todos os códigos de pensamento e de não-pensamento que perfazem a agenda global.

Para destruir a humanidade é preciso acabar com as nações e afastar o homem de Deus, e é isto que estão tentando, e é contra isso que nos insurgimos.

O globalismo se constitui no ódio, através de suas várias ramificações ideológicas e seus instrumentos contrários à nação, contrários à natureza humana e contrárias ao próprio nascimento humano. Nação, natureza e nascimento, todos provém da mesma raiz etimológica, e isso se dá porque possuem entre si uma conexão profunda. Aqueles que dizem que não existem homens e mulheres são os mesmos que pregam os países não têm direito a guardar suas fronteiras, são os mesmos que propalam que um feto humano é um amontoado de células descartável, são os mesmos que dizem que a espécie humana é uma doença que deveria desaparecer para salvar o planeta. Por isso, a luta pela nação é a mesma luta pela família, é a mesma luta pela vida e a mesma luta pela humanidade, em sua dignidade infinita de criatura.

Quando eu era criança, e adolescente também, eu via muita gente dizendo, “o mundo caminha inexoravelmente para o socialismo”, mas não caminhou. Não caminhou porque alguém foi lá e não deixou. Hoje escutamos que a marcha do globalismo é irreversível, mas não é irreversível. Nós vamos lutar para reverter o globalismo e empurrá-lo de volta ao seu ponto de partida. Nós queremos levar a toda parte o grito sagrado da liberdade, euletheria. Esse foi o primeiro grito de guerra do Ocidente, em seu nascimento, na Batalha de Salamina: “libertai a Pátria!”.

Então temos aqui o Barão dizendo

“eu me lembro da Pátria, eu trago a Pátria de dentro do seu escondimento, eu vivo a Pátria, na verdade”.

E temos Ésquilo gritando pela liberdade, “libertai a Pátria”, euletheria. Mas alethea e euletheria só são possíveis pelo conhecimento da Pátria, que se dá pelo amor.

Um dos instrumentos do globalismo para abafar aqueles que se insurgem contra ele é espalhar que para fazer comércio e negócios não se pode ter ideias nem defender valores. Nós provaremos que isto é completamente falso. O Itamaraty terá, a partir de agora, o perfil mais elevado e mais engajado que jamais teve na promoção do agronegócio, do comércio, dos investimentos, da tecnologia. De fato, ao se distanciar do Brasil e do povo brasileiro, o Itamaraty havia se distanciado também do setor produtivo nacional. Pois agora estaremos juntos do setor produtivo nacional como nunca estivemos. Nós não vamos mais apenas acompanhar os temas, como diz um jargão antigo, um jargão daquele Itamaraty fechado ao povo. O Itamaraty não será mais um ministério que só fica olhando. Vamos trabalhar sem descanso para promover o comércio agrícola, a indústria, o turismo, a inovação, a capacitação tecnológica, os investimentos em infraestrutura e energia, avançando ombro-a-ombro com os outros ministérios, graças a essa extraordinária equipe ministerial que o Presidente Bolsonaro criou com espírito de harmonia e um sentido de missão sem precedentes – eu digo extraordinária e me excetuo, porque não quero falar de mim mesmo; estamos falando dos outros 21 ministros.

Formularemos com cada parceiro internacional um programa de trabalho específico para desenvolver o potencial de cada relação de maneira criativa e dinâmica. Para isso contaremos, entre outros, com esse instrumento extraordinário que é a APEX, uma APEX renovada, redinamizada, integrada ao conjunto da nossa estratégia de política externa. Contaremos também com o setor de promoção comercial dentro do Itamaraty que multiplicaremos por quatro. Vamos desburocratizar os setores de promoção comercial das embaixadas no exterior, transformando-os em verdadeiros escritórios comerciais, capazes de gerar negócios e ocupar novos mercados para os nossos produtores.

Implementaremos uma política de negociações comerciais para os dias de hoje. Estivemos negociando acordos comerciais, alguns mais exitosamente e outros menos, mas, em muitos casos, no modelo dos anos 90. Em alguns casos, também, estamos negociando esses acordos desde os anos 90. E alguns casos vão involuindo com o passar do tempo. Nós negociamos esses instrumentos em abstrato, e não aquilo que deveríamos fazer, que são entendimentos efetivos direcionados a nossas potencialidades concretas. Nós negociamos muitas vezes a partir de uma posição de fraqueza, quando na verdade devíamos negociar a partir de uma posição de força como um dos maiores e potencialmente o maior produtor de alimentos do mundo, por exemplo.

Nós orientaremos todas as relações bilaterais e multilaterais para a geração de resultados concretos para o emprego, a renda e para a segurança dos brasileiros. Ao mesmo tempo que as relações bilaterais, investiremos renovado esforço também nas negociações multilaterais, especialmente na OMC, que está construindo uma nova e promissora agenda, da qual hoje o Brasil ainda está de fora, mas na qual entrará com todo o seu peso e toda sua criatividade.

No sistema multilateral político, especialmente na ONU, vamos reorientar a atuação do Brasil, em favor daquilo que é importante para os brasileiros, não do que é importante para as ONGs. Defenderemos a soberania, defenderemos a liberdade – a liberdade de expressão, a liberdade de crença, a liberdade na internet, a liberdade política –, defenderemos os direitos básicos da humanidade, o principal dos quais talvez seja, se me permitem usar o título de uma novela dos anos 90, o direito de nascer.

Abriremos o Itamaraty para a sociedade. Seremos a casa de todos os brasileiros. Muito se escuta que o brasileiro não se interessa por política externa. Mas na verdade o brasileiro não se interessava por política externa quando achava que política externa era simplesmente um exercício de estilo – infinitas variações para não dizer nada em um discurso da ONU. Desde a eleição do Presidente Bolsonaro o brasileiro está profundamente interessado e envolvido em política externa, mesmo porque o Presidente dá uma atenção enorme a essa área, pois a considera algo profundamente integrado na vida nacional, e não alguma disciplina arcana à qual só teriam acesso alguns especialistas. O brasileiro sente que na frente externa se dá uma das principais, se não a principal batalha pelos seus ideais e valores mais profundos. O brasileiro entende que da frente externa depende, em grande medida, a sobrevivência e o êxito do projeto de redescoberta e libertação desta aventura de alethea e euletheria que estamos vivendo com amor e com coragem.

Falar com a sociedade não é simplesmente falar; é principalmente ouvir. Eu vou dar um exemplo do que temos para ouvir, é o comentário de uma pessoa que segue minha conta no twitter, que diz o seguinte:

“antes eu não entendia o amor do povo da Inglaterra pela rainha. Agora eu entendo. Quando temos alguém que ama seu país e seu povo e os defende, ganha amor e respeito. Não conhecíamos isso antes de Bolsonaro”.

A isso me proponho aqui: fazer do Itamaraty um instrumento de amor pelo nosso país e pelo nosso povo.

Estou certo de que podemos tornar o Brasil ao mesmo tempo mais competitivo e mais autêntico, ao mesmo tempo mais econômica e comercialmente dinâmico e mais verdadeiro, mais respeitado internacionalmente e mais fiel a si mesmo.

Não deixem o globalismo matar a sua alma em nome da competitividade, não acreditem no que o globalismo diz quando diz que para ter eficiência econômica é preciso sufocar o coração da Pátria e não amar a Pátria. Não escutem o globalismo quando ele diz que paz significa não lutar.

Os senhores me perguntarão como faremos isso. Pela palavra. Acreditemos no poder infinito da palavra, que é o logos, o logos criador. O Presidente Jair Bolsonaro está aqui, chegou até, e nós com ele, porque diz o que sente, porque diz a verdade e isso é o logos.

Eu vou terminar falando do princípio, e citando novamente São João, a abertura do Evangelho de São João, quando diz “En archē ēn ho Logos” (“Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ Λόγος”), “no princípio era o Logos”, “a palavra”, “o verbo”. “Archē” significa – é a última plavra em grego que vou dizer aqui, hoje – princípio tanto no sentido do início quanto no sentido principalmente de força estruturante, princípio estruturante. A realidade, pelo menos a realidade humana, está estruturada em torno da linguagem, da palavra, do verbo e, portanto, do logos. Tudo que temos, tudo de que precisamos é a palavra. Ela está aprisionada, mas com amor e com coragem havemos de libertá-la.

Que Deus abençoe a todos vocês, os que creem e os que não creem, os que estão conosco e os que ainda não estão conosco. Que Deus abençoe o Presidente Jair Bolsonaro, e que Deus abençoe o Brasil.

Anuê Jaci!

Muito obrigado!

Depois vou comentar esse mosaico de insanidades autocráticas e de falsificações históricas do novo chefe do Itamaraty. Identificar os padrões autocráticos presentes no discurso de Araújo é um excelente exercício de aprendizagem democrática.

O movimento militar de 2018

Quem são os bolsonaristas e por que devemos resistir a eles