Há mais de dois meses estou implorando às pessoas que pensam que não há nada demais na ocupação militar do governo me darem um contra-exemplo, mas elas não dão. Peço sempre: achem uma democracia no mundo – no passado ou no presente – com um número de milicos em altos escalões como na “Nova Já Era” Bolsonaro.
Em democracias, o papel dos militares na política é amplamente conhecido e reconhecido: NENHUM. Isso quer dizer que pessoas que tiveram formação militar não podem assumir cargos em governos? Claro que não. Elas podem (ainda que o razoável e o usual seja que não ocupem muitos cargos de chefia: por exemplo, não devem deter mais do que a metade dos cargos palacianos de primeiro e segundo escalões: não há – nunca houve – nenhuma democracia no mundo onde isso aconteceu ou acontece).
Todavia, se os militares, como corporação ou “partido” informal – não importa se ditos da ativa ou da reserva – decidem combinar entre si qualquer tipo de intervenção, mesmo legal, na política, transformam-se em milícias. Isso é que os militares brasileiros não querem entender. As consequências virão, podem esperar.
MILÍCIAS PODEM SER LEGAIS E ILEGAIS
A impressão que se tem é que o governo Bolsonaro segue a lógica de um governo de milícias. Vê-se, pelo menos, quatro milícias. Há as milícias físicas e virtuais de bolsominions. Há uma milícia legal composta por estamentos corporativos do Estado que atuam como uma espécie de “Liga da Justiça” ou “partido da Lava-Jato”. Há os militares que, ao se articularem politicamente para ocupar o governo, também se transformaram em uma espécie de milícia. E há as milícias propriamente ditas, compostas por bandidos que mantêm relações históricas com a família Bolsonaro.
O assunto é sério. Não podemos nos deixar engrolar pelo argumento de que são “apenas” 100 militares em mais de 20 mil cargos comissionados. Ou de que De Gaulle era militar. Essas alegações são safadas. Não é uma questão de números absolutos, mas de porcentagens de cargos com efetivo comando.
Mas os números, de qualquer modo, são excessivos e inéditos (em democracias). Tenho feito uma lista (de difícil atualização). A última versão registra o seguinte:
ESTE É O QUADRO DA OCUPAÇÃO MILITAR DO GOVERNO
Listão do aparelhamento (ainda incompleta) – Atualizada em 04/03/2019 16h42
ELEITOS
01 – Presidente da República – Capitão Jair Bolsonaro,
02 – Vice-presidente da República – General Hamilton Mourão.
ABAIXO OS NOMEADOS
03 – Ministro da Secretaria Geral da Presidência – General Floriano Peixoto
04 – Secretário Executivo da Secretaria-geral – General Roberto Severo Ramos
05 – Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Secretaria-geral – General Maynard Marques de Santa Rosa,
06 – Secretário-Executivo Adjunto da Secretaria-geral – General de Divisão Lauro Luis Pires da Silva,
07 – Assessor Especial da Secretaria-geral – Coronel Walter Félix Cardoso Junior,
08 – Secretário de Administração – Coronel Gilberto Barbosa Moreira,
09 – Secretário de Imprensa da Secretaria de Comunicação da Presidência – Tenente-Coronel Alexandre de Lara,
10 – Ministro do GSI (antiga Casa Militar) – General Augusto Heleno,
11 – Secretário-Executivo do GSI – General de Divisão Valério Stumpf Trindade,
12 – Secretário de Coordenação de Sistemas do GSI – Contra-Almirante Antonio Capistrano de Freitas Filho,
13 – Secretário de Assuntos de Defesa e Segurança Nacional do GSI – Major Brigadeiro do Ar Dilton José Schuck,
14 – Secretário de Segurança e Coordenação Presidencial do GSI – General de Brigada Luiz Fernando Estorilho Baganha,
15 – Secretário-Executivo Adjunto do GSI – Brigadeiro do Ar Osmar Lootens Machado,
16 – Asssessor do GSI – General Eduardo Villas-Bôas,
17 – Ministro da Defesa – General Fernando Azevedo e Silva,
18 – Comandante do Exército – General Edson Leal Pujol,
19 – Comandante da Marinha – Almirante Ilques Barbosa Júnior,
20 – Comandante da Aeronáutica – Brigadeiro Antonio Carlos Moretti,
21 – Secretário-Geral da Defesa – Almirante de Esquadra Almir Garnier Santos,
22 – Chefe de Gabinete da Defesa – General Edson Diehl Ripoli,
23 – Secretaria de Produtos de Defesa – General de Divisão Decílio de Medeiros Sales,
24 – Secretário de Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto – Tenente Brigadeiro do Ar Ricardo Machado Vieira,
25 – Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) – Tenente-coronel da Força Aérea Brasileira Marcos Pontes,
26 – Secretário de Tecnologias Aplicadas do MCTIC – Oficial da Aeronáutica (patente não identificada) Maurício Pazini Brandão,
27 – Secretário de Planejamento do MCTIC – Antônio Franciscangelis Neto,
28 – Presidente da Finep – General Waldemar Barroso Magno Neto,
29 – Presidente da Telebras – Coronel Waldemar Gonçalves Ortunho Júnior,
30 – Chefe de Gabinete do MCTIC – Brigadeiro do Ar Celestino Todesco,
31 – Assessor Especial do Ministro – Tenente Brigadeiro do Ar Gerson Nogueira Machado de Oliveira,
32 – Secretário de Políticas Digitais – Tenente-Brigadeiro do Ar Antonio Franciscangelis Neto,
33 – Secretário de Radiodifusão – Coronel Elifas Chaves Gurgel do Amaral,
34 – Diretor do Departamento de Serviços de Telecomunicações – Coronel Aviador Rogério Troidl Bonato,
35 – Secretário-Executivo Adjunto – Coronel-Intendente Carlos Alberto Flora Baptistucci,
36 – Ministro de Minas e Energia – Almirante Bento Costa,
37 – Chefe de Gabinete de Minas e Energia – Contra-almirante José Roberto Bueno Junior,
38 – Coordenador Geral de Orçamento e Finanças do Ministério de Minas e Energia – Oficial (não identificada a patente e a arma) Claudio Xavier Pereira,
39 – Sub-Secretário de Planejamento, Orçamento e Administração – Vice-Almirante Helio Mourinho Garcia Júnior,
40 – Assessor do Ministro de Minas e Energia – Almirante Garcia,
41 – Assessor do Ministro de Minas e Energia – Capitão de Mar e Guerra Klein,
42 – Assessor do Ministro de Minas e Energia – Capitão de Mar e Guerra Litaiff,
43 – Assessor do Ministro de Minas e Energia – Coronel Alan,
44 – Assessor do Ministro de Minas e Energia – Oficial (do Exército, patente não identificada) Hugo Oliveira,
45 – Assessor do Ministro de Minas e Energia – Coronel Sérgio Lopes,
46 – Presidente da Nuclep – Almirante Carlos Henrique Silva Seixas,
47 – Presidente do INB (Indústrias Nucleares do Brasil) – Vice-Almirante Carlos Freire Moreira,
48 – Ministro da Infraestrutura – Capitão Tarcísio Gomes,
49 – Chefe de Gabinete da Secretaria Nacional de Transportes Terrestre e Aquaviário – Coronel Evandro da Silva Soares,
50 – Presidente da Companhia Docas do Rio de Janeiro – Almirante Francisco Antônio de Magalhães Laranjeira,
51 – Chefe de Operações da Companhia Docas Rio Grande do Norte – Almirante Elis Treidler Oberg,
52 – Secretário de Transportes Terrestre e Aquaviário – General Jamil Megid Júnior,
53 – Ministro da Secretaria de Governo – General Carlos Alberto dos Santos Cruz,
54 – Secretário Executivo Ajunto da Secretaria de Governo – Capitão José de Castro Barreto Junior.
55 – Chefe de Gabinete da Secretaria de Governo – Coronel Augusto César Barbosa Vareda,
56 – Chefe da Assessoria Especial da Secretaria de Governo – Almirante Alexandre Araújo Mota,
57 – Assessor Especial da Secretaria de Governo – Coronel Nilson Kazumi Nodiri,
58 – Assessor Especial da Secretaria de Governo – Capitão Denis Raimundo de Quadros Soares,
59 – Diretor de Relações Político-Sociais da Secretaria de Governo – General Marco Antonio de Freitas Coutinho,
60 – Secretário Nacional de Segurança Pública – General Guilherme Theophilo,
61 – Coordenador-Geral de Estratégia da Senasp – Coronel Freibergue do Nascimento,
62 – Coordenador-Geral de Políticas da Senasp – Coronel José Arnon dos Santos Guerra,
63 – Assessor técnico do Gabinete do Ministro da Justiça – Sub-Oficial da Aeronáutica Alexandre Oliveira Fernandes,
64 – Secretário de Esportes – General Marco Aurélio Vieira,
65 – Ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) – Capitão Wagner Rosário,
66 – Presidente da Funai – General Franklimberg de Freitas,
67 – Presidente do Incra – General Jesus Corrêa,
68 – Ouvidor do Incra – Coronel João Miguel Souza Aguiar,
69 – Presidente dos Correios – General Juarez Aparecido de Paula Cunha,
70 – Assessor Especial do Presidente dos Correios – Coronel André Luis Vieira
71 – Diretor da Anvisa – General Paulo Sérgio Sadauskas,
72 – Diretor de operações do Serpro – General Antonino Santos Guerra,
73 – Superintendente da Suframa – Coronel Alfredo Menezes,
74 – Secretário-Executivo do Ministério da Educação – Capitão de Corveta Eduardo Miranda Freire de Melo,
75 – Diretor de Programa do Ministério da Educação – Coronel Luiz Tadeu Vilela,
76 – Diretor de Tecnologia da Informação do Ministério da Educação – Coronel Eduardo Wallier Vianna,
77 – Diretor de Política Regulatória do Ministério da Educação – Coronel Marcos Heleno Guerson de Oliveira Júnior,
78 – Assessor Especial do Ministro da Educação – Coronel Robson Santos da Silva,
79 – Diretor de Programa da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação – Coronel Ricardo Roquetti,
80 – Chefe de Gabinete Adjunto do Ministério da Educação – Coronel Ayrton Pereira Rippel,
81 – Secretário-Executivo do Conselho Nacional de Educação – Coronel Paulo Roberto Costa e Silva,
82 – Presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) – General Oswaldo de Jesus Ferreira,
83 – Diretor de Programas da Secretaria-Executiva do MEC – Coronel Aviador Ricardo Roquetti,
84 – Chefe de Gabinete do Inep – General Francisco Mamede Brito Filho,
85 – Presidente do Conselho de Administração da Petrobras – Almirante-de-esquadra Eduardo Bacellar Ferreira,
86 – Gerente Executivo de Inteligência e Segurança Corporativa da Petrobrás – Capitão-Tenente da Marinha Carlos Victor Guerra Naguem,
87 – Diretor Administrativo-Financeiro da Telebras – General José Orlando Ribeiro Cardoso,
88 – Presidente da Itaipu – General Joaquim Silva e Luna,
89 – Diretor-Financeiro Executivo de Itaipu – Vice-almirante Anatalício Risden Júnior,
90 – Diretor Geral do Dinit – General Antônio Leite dos Santos Filho,
91 – Diretor Executivo do Dinit – Coronel André Kuhn,
92 – Gerente de Projetos do Dnit – Coronel Washington Gultenberg de Moura Luke,
93 – Porta-voz do governo – General Otávio Santana do Rêgo Barros,
94 – Coronel Flávio Peregrino – Assessor do Porta-Voz do governo,
95 – Assessor da Caixa Econômica Federal – Capitão de Mar e Guerra Marcos Perdigão Bernardes,
96 – Assessor da Caixa Econômica Federal – Capitão de Mar e Guerra Almir Alves Junior,
97 – Assessor da Caixa Econômica Federal – Brigadeiro Mozart de Oliveira Farias,
98 – Chefe da Secretaria de Patrimônio da União (SPU) – Coronel Mauro Benedito de Santana Filho,
99 – Superintendente Estadual da SPU do Maranhão – Coronel José Ribamar Monteiro Segundo,
100 – Superintendente Estadual da SPU do Rio de Janeiro – Coronel Paulo da Silva Medeiros,
101 – Superintendente Estadual da SPU do Rio Grande do Sul – Coronel Gladstone Themóteo Menezes Brito da Silva,
102 – Superintendente Estadual da SPU da Bahia – Coronel Salomão José de Santana,
103 – Superintendente Estadual da SPU de São Paulo – Coronel Eduardo Santos Barroso,
104 – Superintendente Estadual da SPU de Pernambuco – Coronel Jorge Luis de Mello Araújo,
105 – Secretário de Orçamento, Finanças e Gestão do Ministério do Meio Ambiente – General Nader Motta,
106 – Secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente – Brigadeiro Camerini,
107 – Assessor do Ministro do Meio Ambiente – Coronel Mário,
108 – Assessor do Ministro do Meio Ambiente – Coronel Maniscalco,
109 – Assessor do Ministro do Meio Ambiente – Coronel Araújo,
110 – Corregedor do Ministério do Meio Ambiente – Coronel Sappi,
111 – Corregedor do ICMBIO – Coronel Mendes,
112 – Corregedor da Secretaria-Executiva Adjunta do Ministério do Turismo – Capitão de Mar e Guerra Nilton Carlos Jacintho Pereira,
113 – Diretor do Departamento de Política e Ações Integradas do Ministério do Turismo – Coronel Luciano Puchalski,
114 – Presidente da Infraero – Brigadeiro Helio Paes de Barros Junior,
115 – Diretor de Operações e Serviços Técnicos da Infraero – Brigadeiro André Luiz Fonseca e Silva,
116 – Diretor do Ibama no Rio de Janeiro – Almirante Dias,
117 – Corregedor do Ibama – General Eudes.
No que tange aos militares atuando politicamente (de forma indevida, não importa se legal – pois legítima não é em uma democracia liberal), o Estadão publicou uma matéria e um mapa (infográfico), ainda bastante incompletos. Eis a matéria:
Militarização atinge 2º e 3º escalões do governo Bolsonaro
Tânia Monteiro, Adriana Ferraz, Carla Bridi, Matheus Lara e Tulio Kruse, O Estado de São Paulo, 03/03/2019
O governo de Jair Bolsonaro vai ampliar a militarização na máquina pública federal, com a entrega para a Marinha de postos de comando nas superintendências de portos, no Ibama e no Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio). Após a nomeação para ministérios importantes, os militares agora são chamados a ocupar também cargos no segundo e terceiro escalões. Veja aqui o mapa completo de onde estão os militares no governo.
Trata-se de uma nova fase do movimento crescente de escolha de oficiais da reserva das Forças Armadas para posições estratégicas e setores historicamente envolvidos em denúncias de corrupção. Levantamento feito pelo Estado contabiliza pelo menos 103 militares na lista dos cargos comissionados de ministérios, bancos federais, autarquias, institutos e estatais, entre elas a Petrobrás.
Segundo analistas, fatores como o desgaste da classe política e uma estrutura partidária ainda frágil do presidente Jair Bolsonaro permitem o avanço dos militares na burocracia federal.
Na última semana, foram escolhidos os almirantes da reserva da Marinha Francisco Antônio Laranjeiras e Elis Triedler Öberg para comandarem os portos do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Norte, respectivamente. Para o cargo de diretor-presidente da Companhia Docas de São Paulo, que controla o Porto de Santos, o governo nomeou o engenheiro naval civil Casemiro Tércio Carvalho. Ele, no entanto, terá a seu lado um militar da Marinha para “sanear” o órgão e acabar com “entraves” burocráticos.
Em defesa desse movimento do governo, um oficial do Alto Comando das Forças Armadas disse que a escolha de militares para cargos de confiança tem por objetivo conferir credibilidade aos postos com base em “um modo eficiente de administrar”, com “zelo pelo dinheiro público”. Deputados que procuram o governo para pedir cargos nos Estados relatam que recebem de ministros um pedido: “Você tem um militar para indicar?”
Estudioso da relação entre as Forças Armadas e a sociedade brasileira, o cientista político Eliézer Rizzo de Oliveira afirmou que a participação de dezenas de militares em um governo eleito democraticamente é uma situação inédita no Brasil. E é resultado, segundo ele, da combinação entre a descrença que abateu a classe política e a inexperiência administrativa do novo presidente.
“É natural que ele queira se apoiar em pessoas da área dele e que respondam a essa espécie de ‘regime civil com governo verde-oliva’ que se instaurou no poder e tomou conta da máquina pública”, afirmou.
Ainda assim, para Oliveira, o movimento atual não pode ser comparado a um aparelhamento da máquina pública, a exemplo do que ocorreu nos governos do PT. A intenção agora, diz, não seria a preservação do poder sindical ou partidário, mas a gestão do governo. “O risco, neste caso, é o desprestígio das Forças Armadas em caso de insucesso.”
“Falar em aparelhamento me parece prematuro. O partido do presidente não possui uma estrutura orgânica e coesa. Há escassez de quadros. E, como o presidente não quer nomear gente apadrinhada pelo sistema político, é legitimo, nesse contexto, se servir de profissionais oriundos das Forças Armadas”, afirmou o cientista político Hussein Kalout, que atuou no governo de Michel Temer.
As nomeações nos portos aumentaram a presença militar na pasta da Infraestrutura. Até agora, o ministro Tarcísio Gomes de Freitas, um ex-capitão do Exército, nomeou dez militares da reserva, incluindo a chefia do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Com histórico de irregularidades e denúncias de corrupção, o órgão foi entregue ao general Antonio Leite dos Santos Filho.
Desde a redemocratização nos anos 1980, a área portuária sempre foi controlada pelo MDB. O ex-presidente Michel Temer enfrenta acusação por ter editado um decreto que teria beneficiado uma empresa no Porto de Santos. Ele nega.
Do quadro de reservas da Marinha também sairá o novo superintendente do Ibama no Rio de Janeiro. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, escolheu o almirante Alexandre Dias para a vaga. O maior número de militares está no Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – 13 no total. O ministro Marcos Pontes se cercou de brigadeiros no seu gabinete e também escolheu nomes da reserva da Aeronáutica para chefiar as secretarias de Políticas Digitais e de Tecnologias Aplicadas.
Os militares abocanharam ainda cargos em pastas sem conexão com a caserna. No Turismo, o ex-deputado Marcelo Álvaro Antonio, do PSL, foi orientado pelo Planalto a nomear um militar da Marinha para o posto de corregedor e um coronel do Exército para o Departamento de Política e Ações Integradas.
Na gestão Bolsonaro, oficiais terão como desafio gerir áreas que vão além daquelas mais associadas a eles, como infraestrutura, ciência, tecnologia, mineração e energia. Terão, por exemplo, de administrar de uma estatal responsável por prestar serviços médicos ao Conselho Nacional de Educação, órgão que atua na formulação e avaliação da política educacional.
Na prática, a lógica dos quartéis será testada no serviço público na atual administração federal.
Ministros ‘convocam’ oficiais da reserva
Como não dispõem de um banco de dados de servidores para ocupar os cargos de confiança, entre eles os chamados DAS (Direção e Assessoramento Superior), a solução inicial encontrada pelo governo foi buscar militares na reserva das Forças Armadas. “Quando precisamos substituir inúmeras pessoas e trazer gente confiável, com capacidade técnica, carreira ilibada é muito difícil”, afirmou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Outra razão para a escolha dos militares, segundo o ministro, é a dificuldade de atrair profissionais da iniciativa privada, com a mesma qualificação, dispostos a receber salários que variam de R$ 2,7 mil e R$ 16,9 mil, valores considerados baixos em comparação aos pagos em cargos de direção.
Os militares da reserva já têm um salário base e, no caso de voltarem a trabalhar, recebem apenas uma complementação salarial. “É bom pra eles e é bom pra nós”, observou Salles.
O ministro nega que os militares estejam loteando o governo. “Somos nós que pedimos as indicações e que eles venham. Não são eles se impondo”, afirmou. “Há uma gama enorme de cargos de confiança, muito mal preenchidos, muitos deles aparelhados, ou com grau de comportamento questionável.”
O número poderá ser ampliado com a aprovação da reforma da Previdência. Como revelou o Estado, o texto permite aos militares da reserva exercerem atividades civis em qualquer órgão, mediante gratificação ou abono. Hoje, só podem ser aproveitados em funções militares ou ocupar cargos de confiança, o que limita o remanejamento.
Se as mudanças forem aprovadas, eles poderão exercer funções na administração federal sem ter de passar por concurso público. Isso aumentaria ainda mais o contingente de militares dentro do governo – além do presidente Bolsonaro e do vice-presidente Hamilton Mourão, há também oito ministros com formação militar. Uma fonte da ala militar confirma que existe no governo a intenção de ampliar o aproveitamento desse contingente de mais de 150 mil reservistas.
O governo não fecha as portas para os civis, mas busca neste grupo características que enxerga nos militares, como conduta ética e capacidade técnica. “Preenchendo os requisitos não tenho problema em receber indicações de governador, deputado, senador”, disse o ministro do Meio Ambiente. Em dezembro, a Justiça condenou Salles por improbidade administrativa quando foi secretário estadual de São Paulo. O ministro nega as acusações.
Em recente entrevista ao Estado, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro-chefe da Secretaria de Governo, disse ser contra dividir o governo entre civis e militares. “A sociedade quer que você governe para ela de maneira limpa, sem corrupção e que entregue o benefício no serviço público que ela precisa. Quem está dirigindo, para ela não interessa. Interessa a prestação do serviço público de qualidade e de maneira honesta”, observou.
Para o ministro, “a sociedade aceita perfeitamente bem” a presença dos militares no governo. “Quem faz essa discriminação é alguém interessado politicamente em fazer. Se a gente evitar viver aqueles dez anos de escândalos diários é isso o que o pessoal quer. A sociedade quer um governo limpo, transparente”, disse.
Três perguntas para Hussein Kalout, cientista político e ex-secretário de Assuntos Estratégicos]
1. A oposição atacou os governos do PT por “aparelhar” a máquina pública. Essa critica também vale para o governo Bolsonaro? Existe um “aparelhamento militar” do governo?
O ângulo dessa comparação precisa ser analisado sob um escopo mais abrangente. O PT ficou 13 anos no poder e o governo Bolsonaro está há apenas dois meses no poder. Portanto, a comparação não me parece justa. Falar em aparelhamento me parece prematuro. O partido do presidente não possui uma estrutura orgânica e coesa. Há escassez de quadros. E, como o presidente não quer nomear gente apadrinhada pelo sistema político, é legitimo, nesse contexto, se servir de profissionais oriundos das Forças Armadas, provenientes de algumas das melhores instituições de ensino e pesquisa do País.
A chave dessa equação reside em duas avaliações, uma quantitativa e a outra qualitativa. Primeiro, do universo dos servidores nomeados, qual é a proporção de militares indicados? Não creio que seja assim tão expressivo. E, segundo, as pessoas indicadas possuem a formação, a competência e as qualificações necessárias? Temos que julgar as pessoas pela sua capacidade e pelo seus resultados.
2. Em que medida a indicação dos militares serve ao propósito de recuperar a imagem das Forças Armadas junto à população?
A instituição Forças Armadas já era bem avaliada pela população antes do presidente Bolsonaro ser eleito. No fundo, é o presidente que está se servindo da competência e do prestígio da instituição. É importante lembrar que de Sarney à Dilma, o sistema político brasileiro tomou a deliberada decisão de enfraquecer a instituição militar tracionando uma falsa narrativa de que isso estava a serviço do fortalecimento da democracia e do estado de direito.
Nos EUA, na Rússia e na China é comum indicar profissionais egressos das forças armadas para posições estratégicas. Nós, no Brasil, precisamos quebrar esse estigma.
3. O sentido de disciplina e pragmatismo dos militares será suficiente para vencer a enorme burocracia que costuma emperrar da máquina pública no Brasil?
É histórica a dificuldade de ministros de “transformar em realidade” boa parte das suas ordens. O Estado foi capturado pelo corporativismo e pelas corporações sindicais. Enquanto isso não for desmantelado, não há como melhorar a gestão pública.
Melhorar a eficiência da máquina e racionalizar o seu funcionamento requer um esforço coletivo e reformas estruturais. Enquanto o interesse político se sobrepuser aos interesses do Estado, ai não há como materializar nada.
O Estadão também publicou um mapa. Reproduzimos abaixo alguns PrtScns do infográfico:
Convém entender melhor o que está acontecendo. O artigo de Maria Cristina Fernandes, publicado no Valor do dia 1 de março, pode ajudar (ainda que não muito).
Ambiguidades dos militares
Maria Cristina Fernandes, Valor Econômico (01/03/2019)
As eleições diretas para presidente da República permaneceram interditadas no Brasil durante quase três décadas porque os militares acreditavam que os brasileiros não sabiam votar. Permanecem com a mesma visão sobre seus compatriotas, ainda que tenham voltado ao poder, 30 anos depois, desta vez, em grande parte, com o aval da maioria.
A mais abrangente pesquisa já realizada com militares, prestes a ser publicada em livro, “Para Pensar o Exército Brasileiro no Século XXI” (Eduardo Raposo, Maria Alice Rezende de Carvalho e Sarita Schaffel, PUC-Rio), detectou que esta é a percepção predominante entre militares de todas as patentes. O baixo nível educacional da população e a corrupção dos políticos somaram quase 90% das respostas quando o questionário elaborado pelos autores lhes apresentou uma cartela de alternativas para os fatores mais prejudiciais à democracia no Brasil.
As outras opções sugeriam que o jogo democrático poderia ser comprometido pela concentração de poder no Executivo, pouco permeável à pressão ou controle dos eleitores, ou a incompetência dos governantes. Levantavam hipóteses como a falta de organização política do povo e de tradição partidária, reveladores da fragilidade da cultura política. Propunham ainda o corporativismo e o clientelismo, sinais da captura do Estado por interesses encastelados. E, finalmente, a pobreza e a desigualdade social, sinais da baixa eficácia das instituições democráticas.
Todas essas alternativas, no entanto, tiveram adesão residual. Os militares, de aspirantes a generais, resolveram concentrar as explicações na inabilitação dos representados e nos vícios de seus representantes. Quanto mais alta a patente, maior a adesão ao binômio “falta de educação” e “corrupção” para explicar os males da democracia nacional. Entre generais de Exército, topo da carreira, 100% subscreveram a tese de que eleitor e eleito são inaptos.
A pesquisa precede a chegada ao poder do presidente Jair Bolsonaro e de seus oito ministros militares, mas é o que de mais próximo existe sobre os valores da corporação que voltou a mandar no país. Ampliou, em número de entrevistados e em temas abordados, a pesquisa, também publicada pela PUC-Rio, “A Construção da Identidade do Oficial do Exército Brasileiro” (Valor, 04/01/2019).
Fruto de uma parceria entre os ministérios da Defesa e da Educação e a PUC do Rio, a iniciativa se destinava, originalmente, a aproximar as Forças Armadas da vida democrática numa época de desinteresse generalizado pela temática militar. O pressuposto de que a apatia da opinião pública em relação às questões militares era um obstáculo à modernização da corporação havia sido incorporado à Estratégia Nacional de Defesa, aprovado em 2008.
Uma década depois, os militares se recomporiam com o ex-capitão rebelde, Jair Bolsonaro. De carona em sua popularidade, as questões militares se imporiam à agenda da nação para derrotar aqueles que, do centro à esquerda, haviam buscado reformular sua incorporação à agenda democrática pisando em dois vespeiros, a retirada de prerrogativas (MP 2215 sob FHC) e a Comissão da Verdade (sob Dilma Rousseff).
Às vésperas da sucessão presidencial de 2014 foi distribuído um questionário com 70 perguntas para mais de 20 mil oficiais, a grande maioria (93%) de carreira. No ano em que a pesquisa foi a campo, apenas o vice-presidente, Hamilton Mourão, e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, entre os militares do primeiro escalão, estavam na ativa. Os pesquisadores receberam 2.726 questionários de volta. Os resultados levaram dois anos para ser tabulados e analisados e agora chegam ao público numa edição limitada a pesquisadores.
Se tudo depende do grau de instrução do eleitor e da punição dos corruptos, como sugerem as respostas colhidas, um povo que se organiza por uma mediação de interesses que favoreça a redistribuição de poder e renda flerta com a baderna. Esta percepção corrobora a disposição do presidente da República de tipificar ações de movimentos sociais, a exemplo das invasões de terras, como ato terrorista.
Essa perspectiva, no entanto, só parece ter sido revelada com a iminência do poder. Na época da pesquisa, a desigualdade social foi pouco valorada como fator de deslegitimação da democracia. Sete em cada dez oficiais que responderam à pesquisa não veem como o apartheid social em que vive o país poderia levar à emergência de movimentos extremistas. Os generais de exército aparecem aqui, mais uma vez, como um bloco uníssono, sem uma única discordância: todos descreem do poder de erosão da disparidade de renda.
Os militares mantêm, em grande parte, seus valores mais intocados do que outras corporações porque têm mais controle sobre a porta de entrada dos oficiais – a Academia Militar de Agulhas Negras (Aman) é o único caminho até o generalato – e também porque a estrutura da carreira favorece a convivência entre seus pares e suas famílias mais do que qualquer outro corpo de servidores do Estado.
O perfil colhido pelos pesquisadores da PUC-Rio, no entanto, mostra que, por outro lado, uma boa parte dos oficiais têm pais inseridos no mercado de trabalho formal e irmãos e cônjuges no meio universitário. É uma inserção capaz de reproduzir, na corporação, uma palheta mais aproximada das cores da população brasileira.
O Exército que vencera Guerra do Paraguai com a incorporação de muitos negros e mulatos forros passou por um processo de ‘branqueamento’ ao longo da República que se mantém até hoje. Enquanto o último IBGE/PNAD (2014) identifica uma minoria de brancos no país (45,5%), no Exército ainda são larga maioria (66,4%).
No perfil religioso, ao contrário, a mudança foi mais acelerada do que aquela que se deu no conjunto da população. Metade dos respondentes é de católicos, média inferior à da população (64%). Em segundo lugar, ao contrário do que acontece entre os civis, vêm os kardecistas e não os evangélicos. Os generais são mais católicos do que seus subordinados.
Por mais que a carreira absorva contingentes de fora das famílias da caserna, são os filhos de militares que mais frequentemente atingem o topo da corporação. Chega a 80%, entre generais, a cota que seguiu a carreira dos pais. A proporção cai pela metade entre os aspirantes.
O perfil colhido sugere antes uma aproximação entre os valores militares e a classe média brasileira do que a popularização da corporação. A proximidade explica, em grande parte, o êxito da carona dos militares na candidatura Jair Bolsonaro e fundamenta, ainda que parcialmente, a tese de um dos autores do livro, o professor Eduardo de Vasconcellos Raposo, sobre o fenômeno – a da confluência entre os valores da maioria eleitoral e aqueles predominantes no meio militar. Bolsonaro não foi eleito por ser ex-capitão, mas por ter sido identificado como algoz da corrupção, da violência e do PT. A pesquisa mostra que a identidade dos militares com os valores de um segmento expressivo da população corrobora a legitimação do seu poder crescente sobre o governo.
Mais de 70% daqueles que responderam à pesquisa são favoráveis à presença de mulheres nos postos de comando da carreira e um percentual ainda maior é favorável a que seja das mulheres, e não do Estado, a decisão de interrupção da gravidez. Maioria igualmente larga se manifestou favoravelmente à presença de professores homossexuais em escolas públicas. Em contrapartida, a existência de livros sobre homossexualismo nas bibliotecas públicas angariou menos apoio. A maioria, ainda que estreita (51,8%), se disse favorável à exclusão.
Essa identidade ambígua é explorada com mais habilidade pelo vice-presidente Hamilton Mourão do que pelo titular do cargo, mais afeito à cartilha do ideólogo Olavo de Carvalho. Na ambivalência dos valores da corporação, ainda cabe um verniz de contemporaneidade em relação à questão ambiental, surpreendente face ao histórico de embates com as organizações não governamentais verdes. Indagados sobre a necessidade de controles ecológicos limitados para favorecer o crescimento econômico, os militares também foram francamente contrários (68,5%). Rechaçaram, por uma maioria ainda mais larga (79%), a liberação de armamentos nucleares.
É igualmente ambígua a percepção de que os brasileiros, inaptos para o voto, continuam a escolher corruptos. Os militares acham que os partidos valem mais do que pesam, mas enaltecem o Parlamento. Em sua valoração das instituições, o Congresso Nacional é a único a ter praticamente as mesmas notas quando classificam a influência que, de fato, exercem (82%) e aquela que deveriam exercer (78%). Com os partidos, a relação entre a influência real e aquela tida por ideal é de quase o dobro.
A julgar pela tabela das instituições, ainda se deve esperar grandes embates entre os ministros militares e a equipe econômica liderada pelo liberal Paulo Guedes. Os militares acham que as multinacionais, os bancos e os organismos financeiros internacionais têm um poder múltiplas vezes maior do que deveriam ter. É a maior desproporção de toda a tabela de valoração das instituições. Só se comparam, com os sinais trocados, com os próprios militares. Indagados sobre a influência que, de fato, exercem, 2,9% dos entrevistados disseram “muita”. Sobre a influência que deveriam exercer, 35% indicaram que deveria ser muito grande, 44% responderam que deveria ser pequena e, um quinto, tascou “nenhuma”.
A diversidade de opiniões dos militares sobre seu próprio poder se deu no início da escalada de turbulências do país que acabariam desaguando na eleição de Jair Bolsonaro. Mostra que, a despeito da camisa de força da hierarquia, não se trata de uma corporação uníssona ou homogênea. É um retrato mais consonante com a política que voltaram a exercer do que com o papel que a Constituição lhes reserva.