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Se o 30 de maio for um protesto de esquerda, estamos perdidos

Se a manifestação convocada para o dia 30 de maio for um sucesso, mesmo assim o que se diz neste artigo estará certo

Não sei como será a manifestação convocada para a próxima quinta-feira, dia 30 de maio. Não sei e ninguém sabe. Pode ser que se repita o fenômeno do dia 15 de maio, pode ser que não. Não depende da vontade dos convocadores que se acham organizadores.

Não entendeu nada do dia 15 de maio quem avalia que o que aconteceu dependeu das convocações. Enxameou. Não foi coisa do PT, não foi coisa da esquerda (que nunca conseguiu fazer uma manifestação do porte da do dia 15), não foi mortadela da CUT. Não foi tipo #EleNão, que teve um resultado negativo, desacumulou e nos jogou numa situação pior do que a que estávamos.

Quem convocou e tentou orquestrar o dia 15 e, agora, o dia 30, é o que menos importa. O que importa é que no dia 15 a efervescência aconteceu… e extravasou. Todo swarming é assim. Junho de 2013 foi convocado pelo Movimento Passe Livre (que tem uma base social ridícula) e o que aconteceu? Enxameou. É preciso entender a dinâmica da rede.

Por isso é preciso ter muito cuidado com a proposta de manifestação do dia 30 de maio. Se setores de esquerda estão pensando em instrumentalizar a movimentação social emergente no dia 15 para tentar se levantar do chão, os democratas temos que dizer-lhes que não temos nada a ver com isso.

A esquerda não se reciclou: não esqueceu nada e não aprendeu nada. Continua tentando usar a sociedade para seus próprios objetivos. E agora pode nos jogar numa fria. Se fizer isso, não vai apenas se prejudicar, mas vai contribuir para derruir mais um pouco a nossa democracia.

Seguem abaixo, em sete pontos, algumas considerações sobre o que está em jogo.

1 – A manifestação do dia 15 de maio teve convocação, mas não teve coordenação e adquiriu dinâmica própria (com elementos de swarming), independente dos seus pretensos organizadores. Ao contrário da manifestação do dia 26, que foi comandada, via WhatsApp, Twitter e Facebook, pelo Jair e seus filhos – que mandavam tanto que até decretaram, e foram obedecidos, a mudança ou maquiagem da pauta.

2 – É arriscado tentar repetir ou superar o ato do dia 15 no próximo dia 30. Não dá para reproduzir voluntariamente a dinâmica social que enxameia multidões a partir da emergência e da auto-organização. Se insistirem nisso, a tendência é acabar realizando uma manifestação típica do PT, da CUT, da UNE ou do MST (ou seja, um arrebanhamento de militantes acarreados de forma mais centralizada do que distribuída) – e o dia 15 foi importante porque NÃO FOI ISSO, quer dizer, não foi um protesto de militantes. Ademais, a efervescência, a espontaneidade e a alegria – características dos movimentos emergentes e fatores fundamentais para seu sucesso – tenderão a ser menores porque a interatividade será menor, porque os graus de distribuição da rede serão menores. Estas são considerações do ponto de vista das redes.

3 – Do ponto de vista da democracia, porém, é um risco brutal tentar fazer uma nova manifestação no dia 30 que supere a do dia 26, para “dar o troco” aos bolsonaristas e, inclusive, que supere a do próprio dia 15 – o que já é uma temeridade. Pode até, excepcionalmente, dar certo, mas é improvável.

4 – Se o dia 30 for maior do que o dia 15 e do que o dia 26, isso não será necessariamente bom. Depende da dinâmica. Se for uma dinâmica de confronto, com uma vibe adversarial, instala-se uma “espiral de vingança” na base da sociedade, cada manifestação sendo obrigada a ser maior do que a anterior – o que cria perigosa instabilidade política e estabelece um clima de guerra civil fria permanente (que só favorece aos adversários da democracia, digam-se de direita ou de esquerda).

5 – Se o dia 30 for menor do que o dia 26, isso desacumula em relação ao dia 15 (que surpreendeu os próprios supostos organizadores, porque não ficou – felizmente – sob seu comando e controle). Em qualquer caso, os riscos são muito grandes, provavelmente maiores do que os benefícios.

6 – Se a chamada esquerda – que não foi responsável pelo que aconteceu no dia 15 de maio – está pretendendo fazer isso, fique avisada de que está colocando em risco a democracia e não atingindo seus adversários. Não é necessário atingir adversários: movimentações sociais em sociedades altamente conectadas não são assim, não têm esse objetivo. Basta alterar os fluxos interativos da convivência social de um modo que desestruture possibilidades de manipulação da sociedade a partir do poder de Estado. O junho de 2013 não foi anti-Dilma e, no entanto, logo em seguida ela despencou na aprovação popular.

7 – Não há um exército em luta contra outro exercito, não há uma guerra entre partidos ou organizações centralizadas. O dia 15 só foi o que foi porque a sociedade reagiu às investidas autoritárias do bolsonarismo. É preciso tentar perceber sinais dos fluxos interativos da convivência social antes de tentar convocar qualquer coisa. Se não houver sinais fortes, perceptíveis, de movimentação de poderosas correntes subterrâneas, melhor seria aguardar mais um pouco do que insistir a qualquer preço numa nova manifestação daqui a dois dias.

Pode ser que esses sinais apareçam ainda. Até agora, não apareceram a não ser em certos clusters de esquerda. Pode ser que apareçam e a gente não consiga percebê-los ou decifrá-los corretamente.

Os democratas não devemos nos comprometer com esse tipo de dinâmica, da velha luta esquerda x direita. Se tiver de acontecer um grande swarming em 30 de maio de 2019, ele acontecerá, mas não porque foi convocado por um contingente de militantes voluntaristas que não tomam a democracia como um valor, que não entendem a dinâmica da sociedade em rede e que querem novamente surfar na insatisfação de setores da sociedade, como os estudantes, porque acham que isso agora “pode colar” (já que, desde 2013, não conseguiram juntar muita gente nas ruas, nem mesmo alugando manifestantes e distribuindo sanduíches de mortadela com tubaína).

Nós, os democratas (liberais-políticos) – mesmo sendo bem minoritários na sociedade (como sempre fomos, aliás) – não vamos ser puxados pelo nariz pelo lulopetismo nesse seu esforço oportunista para se erguer da tumba. E vamos continuar denunciando, com a mesma veemência, tanto o bolsonarismo quanto o lulopetismo (que não pode e não vai hegemonizar a oposição popular ou liderar a resistência democrática dos cidadãos).

Uma resistência realmente democrática ao bolsonarismo, na base da sociedade e no cotidiano do cidadão, não virá do lulopetismo. Aliás, até mesmo a oposição política formal a Bolsonaro, que está conseguindo frear alguns dos seus arroubos autoritários, tem vindo muito mais do centro político do que da chamada esquerda. Os reais adversários dos populistas – que usam a democracia contra a democracia, digam-se de direita ou de esquerda, não importa – são sempre os democratas. Nada de populismo: nem bolsonarismo, nem lulopetismo.

Pesquisa na Avenida Paulista durante o 26 de maio de 2019

Existe, sim, base social para o bolsonarismo