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Um debate sobre o artigo de Hélio Schwartsman

Um artigo corajoso do Hélio Schwartsman, publicado na Folha do último dia 26 (04/2019), suscitou um pequeno debate no meu mural do Facebook. Reproduzo aqui o artigo e os comentários.

O ARTIGO

Valeu a pena?

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo (26/04/2019)

Cadeia não é o lugar nem para Lula, nem para Maluf, nem para Cabral

Se há uma área do direito que me é impenetrável, é a dosimetria das penas. Não posso, portanto, palpitar tecnicamente sobre a decisão do STJ de reduzir a temporada de Lula na prisão. Tenho para mim, porém, que a cadeia não é o lugar para Lula. Nem para Lula, nem para Maluf, Cabral ou qualquer outro político que tenha se apropriado de recursos públicos, não importando sua coloração ideológica.

Por que prendemos um criminoso? Há duas escolas principais. Para os retributivistas, o castigo tem valor intrínseco. Punimos o delinquente porque é a coisa certa a fazer. O problema com o retributivismo é que ele não para conceitualmente em pé sem recurso a ideias exóticas como a de um universo justo ou de um papai do céu.

Intuitivamente, somos todos retributivistas. O desejo de ver sofrer quem tenha infringido normas é a forma que a evolução encontrou de promover a sociabilidade nos grupos, mas aí já estamos falando do valor instrumental da punição, o que nos leva à segunda escola.

Para os consequencialistas, corrente em que me incluo, a cadeia tem tripla função: apartar da sociedade elementos que a ponham em perigo, evitar a continuidade do delito e atuar como um elemento de dissuasão, desencorajando outros atores de repetir o comportamento antissocial.

Como corruptos não representam um risco físico à sociedade, não faz muito sentido segregá-los do grupo. As outras duas funções, a interrupção do crime e a dissuasão, podem ser obtidas por meios menos drásticos e mais baratos do que a prisão. Banir os corruptos da vida pública e garantir que eles saiam da aventura mais pobres do que entraram são um bom ponto de partida. Poderíamos acrescentar outras restrições de direitos, mas elas nem são necessárias.

Sei que parece pouco, mas nossos ancestrais também ficaram com essa sensação quando trocaram as execuções em praça pública pela cadeia. No entanto, valeu a pena.

OS COMENTÁRIOS

Patricia Boccia – Concordo! A maior pena para o político ladrão é bani-lo da vida publica e enxugar a sua carteira. Tire seu poder, destrua a sua empáfia. E não precisaremos gastar mais nenhum tostão com quem já nos roubou tanto… De Lula a Cabral!

Geraldo Guedes – Seria mais instrutivo aos seres humanos e menos emocionalmente doentio, com esse emocionar vingativo vigente.

Jorge Mondego – Baita coragem escrever esse texto nesse clima punitivista.

Augusta Righetti – Concordo plenamente, sempre pensei assim.

Hobbes Matraca – Corajoso, mas equivocado. Fazer com que um corrupto saia mais pobre do que entrou na política é bastante difícil, quase impossível. A punição por multa precisa ser proporcional ao roubo ou prejuízo. Mas, esse roubo ou prejuízo precisa ser provado e portanto na maioria das vezes vai ser apenas uma pequena parte do que ele pode ter roubado. Punir corruptos somente dessa forma estimularia eles a roubar ainda mais (para ficar com dinheiro de roubos não provados) e a encontrar formas cada vez mais sofisticadas de ocultar o patrimônio. Tem de ter cana sim. Com um julgamento justo.

Augusto de Franco – O papel da pena é proteger a sociedade, não se vingar de quem violou as leis. Se um corrupto pode continuar praticando o delito deve ser impedido de fazê-lo.

Andrea Barros – Augusto de Franco concordo. A folclórica e tradicional impunidade dos crimes de colarinhos brancos no Brasil também foi um fator aliado ao antipetismo para que o legalismo se apoderasse da sanha da população em se vingar e não necessariamente promover justiça. Mas ha equívoco sim, Cabral por exemplo é réu confesso e a questão da dosimetria no caso não me parece precisar de muita revisão. Se a pena é perpétua 2, 3, 1000 vezes lamento informar ao Cabral que ele teve a opção de quem sabe, roubar menos?

Hobbes Matraca – Augusto de Franco não sei se ficou claro, mas eu estou falando dele ser estimulado a roubar ao máximo antes de ser pego. O meu ponto é que sem a pena de reclusão o efeito dissuasivo é muito pequeno.

Andrea Barros – Hobbes Matraca sem dúvidas, mas creio q os dois pontos de vista aqui tenham seu fundamento. Eu entendi o que o Augusto e o próprio autor quiseram dizer com a perda do objetivo de justiça e do prevalecimento do legalismo como forma de mera vingança. São dois pontos. E o seu ressalta que ha de fato um equívoco grave a ser considerado, a penalização subaplicada que igualmente pode ser deletéria.

Hobbes Matraca – Ah, sim. concordo totalmente que vingança não é motivação para prender. Só acho que nesse ponto a crítica ao punitivismo está errada, porque não considera o efeito dissuasivo e o efeito sobre os incentivos. Se a punição for somente pecuniária, o incetivo que é dado é para que, se for se corromper, se corromper ao máximo. O cara vai, pilha o estado, a justiça toma o que pode e ele fica com o que conseguir esconder. Negocião.

Andrea Barros – Hobbes Matraca é que a questão do punitivismo esta claramente sendo distorcida pelos legalistas. Acho que esse foi o maior intuito, mas veja o caso do Cabral, réu confesso e com farta comprovação material. Não consigo incluir o Cabral no exemplo como foi citado no artigo. Mas o próprio caso Lula essa semana revisado pela quinta turma referenda a preocupação. O legalismo trouxe um risco adicional a questão de aplicação de penas de forma meramente subjetiva. Ha absurdos correndo soltos por ai e só os que vemos são os dessa gente. Os pobres morrem na cadeia as vezes por nada. Tivemos um caso recente em Curitiba, um pobre coitado morreu assassinado na cadeia já podendo estar livre.

Hobbes Matraca – Não acho que o principal problema seja “punitivismo”. O problema é a aplicação errada da lei com fins políticos e falhas do sistema judicial. Tem gente que não deveria estar presa e está, tem gente (provavelmente mais) que deveria estar presa e não está. Agora, o Lula tem de cumprir o xilindró que lhe cabe sim. E essa condenação aí não vai ser a última.

Andrea Barros – Hobbes Matraca claro que Lula tem que pagar, mas concordo a aplicação da pena sempre foi um problema não só da justiça brasileira, ocorre em todo o mundo, mas atualmente tem sido claramente útil em alguns casos, a certos interesses. Lula e demais que paguem, porém apenas o que devem e esteja previsto em lei. O resto é distorção do Estado de Direito.

Augusto de Franco – O efeito dissuasório de penas draconianas (como a pena de morte, por exemplo) é muito menor do que se acreditava. O fundamental é impedir que o delinquente continue delinquindo. Há casos em que só a privação da liberdade consegue alcançar tal objetivo. Mas há casos em que não.

Hobbes Matraca – Nem tanto ao mar, nem tanto a terra. Sim, penas draconianas tem pouco efeito dissuasório. Mas a mesma literatura costuma mostrar que esse efeito existe (e está mais relacionado com a probabilidade de ser pego). No entanto, se a pena for inócua (como seria dada a facilidade com que se pode esconder patrimônio), aí não temos efeito nenhum. Ao contrário até. Mas, essa discussão precisa se dar olhando para a evidência empírica, e não através de críticas abstratas ao “punitivismo”. Esse deve ser criticado quando passasse a defender a punição exercida fora da lei ou quando a motivação da lei for vingativa. É preciso encontrar um equilíbrio… Você acha, Augusto, que a justiça encontrou todo o dinheiro que o PT (ou qualquer outro dos envolvidos) roubou? Duvido. Há uma montanha de dinheiro e bens escondidos. Se o sujeito puder só devolver o que encontraram, ele sai muito bem. E outros vão tomar nota: o negócio é roubar o máximo enquanto eu posso, porque quando me pegarem eu vou (1) ficar com toda a grana que não encontraram e (2) não vou ter outra chance de roubar.

Carla Audi – Augusto de Franco mas não seria a corrupção a forma mais abjeta de genocídio?

Augusto de Franco – Carla Audi não seria

Daniel Nunes – Discordo parcialmente de que eles não representam ameaça física. Diretamente sim. Indiretamente não.

Jorge Mondego – Se formos levar ao pé da letra a lógica da corrupção, muita gente estaria presa.

Augusto de Franco – Exato! A rigor, escaparia pouquíssima gente. E os que escapassem não seriam necessariamente os melhores para a democracia. Democracia não é o regime sem corrupção e sim o regime sem um senhor.

Monica Timm Alves – Coragem e coerência.

Augusto de Franco – Se é para eliminar totalmente a possibilidade de reincidência só há uma pena: a de morte (porque, mesmo preso, o meliante pode continuar dirigindo uma organização criminosa e praticando crimes dentro da cadeia). Se é para apavorar outras pessoas, para que elas nem pensem em delinquir, a pena deveria ser tortura prolongada (tipo chinesa antiga) seguida de morte. Mesmo assim não se conseguiria limpar a humanidade dos criminosos, pecadores, sujos, curvos, imperfeitos… seres humanos.

Valeria a pena ler agora algumas considerações sobre o punitivismo embutido nas teorias da corrupção que têm seu fundamento na ideologia política totalitária de Platão e no restauracionismo jacobino de Robespierre. Elas estão no artigo Fundamentos filosóficos das teorias da corrupção.

O debate sobre se pode haver democracia i-liberal

Yascha Mounk desta vez quase certo