Já reproduzi neste site Dagobah vários artigos teóricos de Yascha Mounk e seus parceiros de pesquisa sobre a desconsolidação democrática e a ascensão dos populismos nos dias que correm. Vejam agora uma pequena entrevista dele publicada ontem (28/04/2019) no Estadão. Do ponto de vista político, nem tudo que ele diz está certo. Por exemplo, essa história de uma grande coalizão democrática (incluindo, pelo que se pode supor, o populismo de esquerda, o neopopulismo lulopetista) seria um desastre. No final comento.
“Temo que possa ser o início de uma era populista”
Yascha Mounk, O Estado de São Paulo (28/04/2019)
O cientista político e professor da Universidade Johns Hopkins (EUA) Yascha Mounk afirma, em entrevista ao Estado, que o mundo vive hoje uma onda de ascensão de populistas e que “teme” que esse movimento não seja passageiro. Autor do recém-lançado O Povo contra a Democracia (Companhia das Letras), Mounk, que é alemão, alerta que hoje as quatro maiores democracias do mundo são governadas por populistas. Para ele, essa ascensão se baseia em três motivos: descontentamento com a estagnação econômica, medo e incertezas em relação ao futuro e o uso de redes sociais. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o sr. definiria populismo e quais as diferenças entre populismo de esquerda e de direita?
O que todos eles dizem é que a única razão real pela qual temos problemas é porque os líderes políticos são corruptos e eu, o populista, represento as pessoas verdadeiras, “o povo de verdade”. Então, o que precisamos para resolver os problemas é que eu assuma o poder e coloque ordem em tudo. Esse elemento é interessante: eles clamam por serem os únicos que representam de verdade as pessoas. Os populistas, seja Jair Bolsonaro ou Hugo Chávez, atacam a liberdade de imprensa, as instituições independentes como as Cortes e tentam mostrar que a oposição é composta por traidores.
Em relação às diferenças, em geral, os de direita dizem que vão obter crescimento econômico com práticas liberais na economia e reduzindo o tamanho do Estado. Já os de esquerda falam que vão cortar privilégios das grandes empresas. Também há diferenças nos grupos de “inimigos específicos” que eles imaginam. Isso varia de país para país.
No prefácio da edição brasileira de seu livro O Povo contra a Democracia, o senhor afirma que Jair Bolsonaro é uma ameaça à democracia. Por quê?
Quando você olha para Jair Bolsonaro, o discurso claramente combina com o de pessoas como Recep Erdogan, da Turquia, ou Viktor Orban, da Hungria. Ele desacredita as instituições democráticas, glorifica um passado de ditadura militar e não aceita como legítimo quem o critica. Isso é muito preocupante. Mas uma boa notícia é que ele não tem o controle total do governo. Ele não tem maioria no Congresso e isso pode reduzir seu poder de uma maneira significativa.
A ascensão do populismo pode perdurar por mais de uma década e se transformar em uma era populista?
Temo que possa ser o início de uma era populista. Primeiro porque os populistas não são mais periféricos. Eles talvez sejam a força política mais dominante no mundo hoje. Quando as pessoas percebem que as promessas (dos populistas) são falsas, que (eles) são tão corruptos ou mais corruptos que os políticos que vieram antes deles, muitas vezes não voltamos a (eleger) um político mais moderado. As pessoas colocam sua esperança na segunda, na terceira geração de populistas.
Por que populistas de direita têm obtido mais vitórias nas urnas do que populistas de esquerda?
Na Europa existe uma divisão real dos países. Há países em que a principal preocupação é a economia ou a imigração. Na Suécia ou na Alemanha, onde a economia está muito bem e a imigração é um problema, a direita é mais forte. Depende da experiência particular desses países e dos medos que as pessoas têm.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, viajou à Europa e se encontrou com líderes de extrema-direita. O senhor vê algum tipo de aproximação entre a direita mundial?
Há definitivamente a ascensão internacional de nacionalistas e populistas da extrema-direita. Eles desdenham de certos grupos minoritários, têm certa impaciência com normas democráticas e instituições e se tornam bastante efetivos ao ajudar uns aos outros e atacar governos de oposição. Mas agora muitos deles (da extrema-direita) estão no governo.
As quatro grandes democracias do mundo (em termos de população) – Índia, Indonésia, Brasil e Estados Unidos – são governadas por populistas. Nos próximos anos, veremos até que ponto eles poderão cooperar quando tiverem de tomar decisões reais, quando o interesse de uma nação possa entrar em conflito com o interesse de outra.
No livro, ao analisar a ascensão de líderes autoritários, o senhor também cita as redes sociais como parte desse processo. Qual o impacto que as redes sociais têm na eleição de populistas?
A mídia social desempenha um papel muito grande. É o que permite a disseminação de vozes radicais, porque os jornais não funcionam mais como mediadores. As mídias sociais também tornaram mais fácil para que partidos e candidatos extremistas encontrem um grande público, se organizem e realizem campanhas políticas. Ao mesmo tempo, tudo isso apenas mobiliza a raiva existente. Por que essa raiva é tão eficaz? Por que é tão profunda? Porque há medos reais, medos de mudanças culturais e frustração econômica.
Redes sociais também disseminam notícias falsas. Como combatê-las sem que sejam tomadas decisões que imponham a censura?
Em muitos países existem tentativas de censura no momento. Isso é um grande erro. Eu não confio em nenhum conjunto específico de indivíduos ou instituições para tomar uma decisão de permitir o que eu sou capaz de ouvir ou não. As pessoas estão mais dispostas a ouvir as teorias da conspiração, mais dispostas a culpar fora do que está errado.
Elas acham que as coisas não estão indo muito bem e então alguém está conspirando contra elas. Uma das coisas que precisamos fazer é mostrar que o sistema tem interesses de trabalhar para elas e mostrar que o futuro será melhor que o passado.
Como a oposição deveria reagir para enfrentar os populistas no poder?
Há algumas coisas que os partidários da democracia liberal têm de fazer para salvar os valores mais fundamentais. A primeira é construir uma ampla coalizão para se opor às pessoas que tentam atacar a democracia liberal. Eles devem proteger um sistema que celebre as diferenças e lutar por seus próprios ideais políticos. A segunda ação é enfrentar qualquer tentativa de concentrar o poder nas mãos de líderes populistas, defender a liberdade de imprensa e garantir que eles (populistas) não possam expandir o Poder Executivo.
Em terceiro, devem formular uma visão de como o país seria se esses partidos estivessem liderando e não Bolsonaro. Para isso, é preciso se reinventar e garantir que as pessoas possam acreditar que a oposição não será corrupta como os governos predecessores.
MEUS COMENTÁRIOS
A entrevista é boa. Mas é claro que Mounk (2019) incorre no mesmo erro que os autores de Como as democracias morrem, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (2018), ao não perceber o caráter autocratizante dos populismos de esquerda, no caso do Brasil, do neopopulismo lulopetista. Uma coalizão com o PT é tudo de que não precisamos para enfrentar a ameaça bolsonarista.
Ademais, o grande problema para a democracia dos governos anteriores não é que eles tenham sido corruptos e sim que eles tenham usado a corrupção para financiar um esquema de poder que tinha objetivos antidemocráticos, no caso dos governos do PT, conquistar hegemonia sobre a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido com o fito de ficar por longo tempo no governo ganhando tempo para alterar progressivamente o “DNA” do regime democrático.
Conclusão: bons teóricos da democracia nem sempre são bons analistas políticos.
Para ler os artigos de Yascha Mounk reproduzidos em Dagobah clique nos links abaixo:
Quando a democracia não é mais o único caminho para a prosperidade
O estrago que o populismo faz na democracia: uma avaliação empírica
O fim do século democrático: crescimento global da autocracia