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Versão conceitual da declaração ‘Paixão pela liberdade, resistência sem guerra e inovação democrática’

Paixão pela liberdade, resistência sem guerra e inovação democrática

Uma declaração de democratas brasileiros no dealbar de 2019

Esta é uma carta escrita por democratas brasileiros em um momento crítico para a democracia, no mundo e no Brasil. Não é o lançamento de um movimento centralizado ou a proposta de uma nova organização política, nem um manifesto para colher assinaturas de pessoas famosas e, com isso, ganhar espaço nos meios de comunicação para fins de propaganda. É uma oportunidade para pessoas comuns – que tomam a democracia como um valor e que têm posições semelhantes ou congruentes sobre a situação atual da democracia e os desafios postos diante de nós – se reconhecerem, se conhecerem e, eventualmente, passarem a se relacionar, articulando suas próprias redes em prol da liberdade.

Não se trata de monitorar, liderar, comandar ou organizar essas redes, nem sequer de reunir todas as pessoas que se interessarem por esta declaração. Os signatários iniciais deste documento sabem que não haverá um grande movimento, uma grande organização, composta somente por democratas. Quando intervêm no espaço público lançando seus manifestos em defesa da democracia ou seus alertas de resistência às tiranias, os democratas não estão convocando as pessoas para aderir aos seus movimentos ou para convertê-las ao seu pensamento. Estão, apenas, procurando os seus sensates para articular suas redes, não para convencer as pessoas a adotar um modelo determinado de administração política do Estado ou para transformá-las em seguidoras de uma doutrina. A democracia não é uma doutrina e sim um processo de desconstituição de autocracia que acontece toda vez que – seja no Estado, seja na sociedade –  conflitos são regulados de modo não-guerreiro.

Você pode subscrever esta declaração mesmo que não concorde totalmente com ela, ou seja, pode assiná-la com ressalvas (explicitando suas discordâncias) ou pode aduzir as suas observações sobre o que está pensando, propondo ou fazendo. O mais importante é que você deixe alguma forma de contato para que outras pessoas que se interessarem pelos seus pontos de vista, pelas suas propostas ou pelas suas iniciativas entrem em contato com você, para conversar ou para fazer qualquer coisa juntas.

Haverá várias versões desta declaração. Por enquanto estão disponíveis três versões:

Versão preliminar compacta para discussão.

Versão preliminar completa para discussão.

Versão preliminar conceitual para discussão (que é esta): em PDF Uma declaração de democratas brasileiros no dealbar de 2019

Você pode propor sua própria versão (fork). Para assinar a carta (mesmo com ressalvas) clique aqui: Sem Guerra

Paixão pela liberdade, resistência sem guerra e inovação democrática

Uma declaração de democratas brasileiros no dealbar de 2019

Versão preliminar conceitual para discussão

Preâmbulo

Esta é uma carta escrita por democratas brasileiros em um momento crítico para a democracia, no mundo e no Brasil. Não é o lançamento de um movimento centralizado ou a proposta de uma nova organização política, nem um manifesto para colher assinaturas de pessoas famosas e, com isso, ganhar espaço nos meios de comunicação para fins de propaganda. É uma oportunidade para pessoas comuns – que tomam a democracia como um valor e que têm posições semelhantes ou congruentes sobre a situação atual da democracia e os desafios postos diante de nós – se reconhecerem, se conhecerem e, eventualmente, passarem a se relacionar, articulando suas próprias redes em prol da liberdade.

Há várias versões desta declaração (1). Esta é a versão conceitual (sem muitas referências à disputa político-conjuntural em curso no Brasil), mais voltada aos interessados em inovações democráticas e que não querem se envolver em lutas políticas.

O período de retrocesso democrático em que vivemos e as ameaças atuais à democracia

1 – É inegável que vivemos, no século 21, um período de retrocesso democrático global. Além (ou aquém) das possíveis interpretações, os dados são eloquentes. Somente entre 2007 e 2017, sete países deixaram de ser democracias liberais e passaram a ser democracias apenas eleitorais (Hungria, Lituânia, Israel, Mauricio, Polônia, Eslováquia, África do Sul) enquanto que apenas três países passaram de democracias eleitorais para democracias liberais- (com sinal ‘menos’: Albânia, Barbados e Tunísia). E muitos outros passaram de democracias eleitorais para autocracias eleitorais (Sérvia, Turquia, Ucrânia, Camarões, Honduras, Iraque, Nicarágua, Tanzânia, Zâmbia), sendo que uma quantidade menor fez o caminho inverso (Líbano, Moldávia, Seicheles, Costa do Marfim, Malaui, Nigéria, Sri Lanka) (2).

2 – Remanescem, em plena segunda década do século 21, mais de seis dezenas de ditaduras. É certo que a maior parte da população do planeta ainda não vive (e jamais viveu) sob regimes democráticos. Mas, apenas nas duas últimas décadas, quatro países – Rússia, Venezuela, Turquia e Nicarágua – já viraram novas ditaduras (3).

3 – O número de autocracias eleitorais vem aumentando, chegando, no total, a quase uma centena de regimes não-democráticos, revelando que democracia não é sinônimo de eleição. Possivelmente, o número de autocracias fechadas (regimes não-eleitorais, como Arábia Saudita, China, Cuba e Coréia do Norte) tende a cair na medida em que aumenta o número de autocracias eleitorais e de democracias eleitorais (não-liberais). Ou seja, neste retrocesso democrático que está ocorrendo no século 21, o número de democracias liberais (que atualmente não chegam a 40) tende a cair, revelando que as eleições já estão sendo, hoje, a principal via dos autocratas contra a democracia liberal.

4 – Por que isso é tão importante? Ora, porque a democracia liberal foi o tipo de regime mais compatível com a liberdade, aplicável às formas de Estado desde que surgiram. Os democratas dizemos, por esta razão, que é necessário preservar a democracia liberal, mas isso é quase redundante na medida em que toda democracia é liberal no sentido político do termo, ou seja, da política que tem como sentido a liberdade (4).

5 – O que isso significa, ou seja, o que significa realmente a expressão ‘democracia liberal’? Significa a vigência de direitos políticos e liberdades civis a partir de certo patamar em que estejam garantidos:

I – O direito de todos os adultos de votarem e serem votados.

II –  A existência de freios e contrapesos institucionais ao poder dos representantes e um judiciário independente.

III – O controle civil sobre os militares.

IV – A igualdade legal para todos os cidadãos dentro de um Estado de direito, em que as leis são claras, conhecidas, universais, estáveis e não retroativas.

V – A liberdade individual de credo, opinião, discussão, fala, publicação, reunião etc.

VI – A liberdade para minorias étnicas, religiosas, raciais e outras minorias para praticarem sua cultura e sua religião tendo igual direito à participação política em um Estado laico.

VII – Uma genuína abertura e competição na arena política.

VIII – A real pluralidade de fontes de informação.

IX – A existência de formas de organização independentes do Estado.

X – O respeito aos direitos humanos e não utilização de práticas de tortura, terror, detenções não justificadas, exílio, interferência na vida das pessoas pelo Estado ou atores não-estatais (5).

6 – As democracias com tais características devem ser preservadas, mas não como quem conserva um modelo que, supostamente, devesse durar para sempre como foi (ou como é) e sim porque somente um regime político com esses atributos permite a continuidade do processo de democratização capaz de gerar novos modelos, quer dizer, uma sociedade aberta (com o futuro aberto).

7 – Para os liberais, no sentido político (quer dizer, democrático) do termo, a legitimidade democrática é o resultado da combinação de vários critérios, como a liberdade, a eletividade, a publicidade ou transparência (capaz de ensejar uma efetiva accountability), a rotatividade ou alternância, a legalidade e a institucionalidade (6). Ou seja, democracia não é apenas eleição. Se democracia fosse apenas eleição ela seria o regime da maioria (o que significa majoritarismo) e não o das múltiplas minorias – o que ela é. Se democracia fosse apenas eleição, ela seria o poder de todos, quando não é isso que ela é e, sim, o poder de qualquer um (7).

O florescimento dos populismos ditos “de esquerda” e “de direita”

8 – Hoje, porém, no mundo e no Brasil, os principais adversários das democracias realmente existentes – sobretudo das democracias liberais – não são mais os fascistas ou os comunistas e sim os populistas (sejam ditos “de direita” ou de “esquerda”) que usam a democracia contra a democracia para torná-la menos liberal e mais majoritarista.

9 – O populismo, seja na suas versões de esquerda, neopopulistas, seja nas suas versões autoritárias de extrema-direita, contribuiu para invalidar as ideias liberais como as seguintes:

i) que é normal que a sociedade esteja dividida entre muitas — e às vezes transversais — clivagens,

ii) que a melhor maneira de lidar com essas clivagens é por meio de um debate aberto e livre, sob uma cultura política que valoriza a moderação e busca o consenso, e

iii) que o Estado de direito e os direitos de minorias precisam ser respeitados (8).

Ao contrário, os populismos reforçaram ideias avessas à democracia, como as de que:

i) a sociedade está dividida por uma única clivagem, separando a vasta maioria (o povo) do “establishment” (as elites),

ii) a polarização (elites x povo) deve ser encorajada e os representantes do povo (que seriam os atores legítimos ou mais legítimos) não devem fazer acordos (a não ser táticos) ou construir consensos (idem) com os representantes das elites (posto que estes são ilegítimos ou menos legítimos) e sim buscar sempre suplantá-los, fazendo maioria em todo lugar (majoritarismo),

iii) minorias políticas (antipopulares) não devem ser toleradas (e devem ser deslegitimadas) quando impedem a realização das políticas populares e a legalidade institucional (erigida para servir às elites) não deve ser respeitada quando se contrapõe aos interesses do povo.

10 – É o caso, à direita, de Orbán (na Hungria), mas também os de Putin (na Rússia) e Recep Erdogan (na Turquia) – que já viraram ditaduras; e também o de Jaroslaw e Lech Kaczynski (na Polônia), de Matteo Salvini (na Itália), de Le Pen (na França), de Geert Wilder (na Holanda), de Hans-Christian Strache (na Áustria), de Jörg Meuthen e Alexander Gauland (na Alemanha) e, na Asia, de Rodrigo Duterte (das Filipinas); além, é claro, de Donald Trump (nos USA) e dos líderes do Brexit (como Boris Johnson e Nigel Farage, na Inglaterra) e agora, na América Latina, possivelmente de Jair Bolsonaro (no Brasil) – que se transformaram nas principais ameaças à democracia liberal no plano global. Todos estes representam, com suas especificidades, forças políticas populistas-autoritárias.

11 – E é o caso, à esquerda, de Hugo Chávez e Nicolás Maduro (na Venezuela) e de Daniel Ortega (na Nicarágua) – que também já viraram ditaduras; mas ainda de Evo Morales (na Bolívia), de Rafael Correa e Lenin Moreno (no Equador), assim como foi o de Mauricio Funes (em El Salvador), o de Manuel Zelaya (em Honduras), o de Fernando Lugo (no Paraguai), o de Néstor e Cristina Kirchner (na Argentina) e o de Lula e Dilma (no Brasil). E todos estes representam, com suas especificidades, forças políticas neopopulistas (nas diversas variantes, hard ou soft, do que ficou conhecido como bolivarianismo).

12 – É importante notar que, para todos estes populistas – sejam considerados de direita ou de esquerda -, o principal inimigo é a democracia liberal. Ou seja, todos os populistas pervertem a democracia como uma continuação da guerra por outros meios, mas não propriamente para se engalfinhar em processos de destruição mútua (direita x esquerda) e sim para neutralizar, desativar ou destruir as forças políticas democráticas.

13 – Cabe acrescentar que um regime pode se tornar i-liberal (ou menos liberal, no sentido político do termo) mesmo quando os seus agentes no Estado e suas correias de transmissão na sociedade cumprem rigorosamente as leis. Mesmo que um representante populista faça um governo rigorosamente dentro das leis (e, é claro, inclusive dentro das novas leis que ele possa criar), isso não significa que não haverá enfreamento do processo de democratização da sociedade e do Estado. Este é o erro dos legalistas. Respeitar as normas do Estado de direito é condição necessária, mas não suficiente, para a continuidade do processo de democratização (que é o que devemos chamar propriamente de democracia). Por exemplo, se o parlamento aprovar novas leis restritivas de liberdades civis e de direitos políticos, autoritárias ou mesmo regressivas no que tange aos direitos humanos, obedecer a essas leis não fere o Estado de direito, mas pode afetar negativamente a democracia. Além disso, há também a interpretação das leis, que depende da orientação predominante dos tribunais (sempre vulneráveis à influência do governo de turno). E, por último, mas não menos importante, deve-se levar também em conta a distinção, feita pela ganhadora do Prêmio Nobel, Elinor Ostrom, entre “regras formais” e “regras em uso” (9).  Se houver uma mudança coletiva de orientação, em virtude de movimentos coletivos ou correntes de opinião que se expressam na sociedade, essas “normas sociais” podem ser modificadas, para o bem ou para o mal, sem que as leis e sua interpretação predominante no judiciário sejam modificadas. Ou seja, cumprir rigorosamente as leis e até tomar o que reza a Constituição como uma espécie de sharia, não garante que não haverá autocratização do processo democrático. Isso pode acontecer ainda que sejam adotadas medidas liberais em economia.

14 – No Brasil há um problema maior, entretanto. Se, há trinta anos, os agentes que intervinham diretamente na formação da opinião pública, eram poucos, eles detinham, por outro lado, certo conhecimento prático da vida política. Havia algumas regras, um código de civilidade, uma compreensão moral sobre o que é ou não é válido, assumidos tacitamente pelos incluídos na política. Esses códigos não eram, em geral, violados. Por exemplo, um agente político dificilmente poderia proferir, no espaço público, a opinião de que “bandido bom é bandido morto” ou dar declarações a favor de linchamentos (ainda quando, intimamente, concordasse com essas posições abomináveis). Havia luta política, sim, mas não hordas de odiadores – completamente jejunos na política e sem qualquer noção do jogo democrático – intervindo no espaço público. Tudo isso, se havia, era coisa de pequenos grupos sectários marginais.

15 – Claro que tudo isso era excludente (mantendo a política nas mãos de um oligopólio, uma espécie de condomínio fechado dos incluídos). E claro que nada disso valia para a maioria da população, que reproduzia uma cultura autoritária, excludente e avessa à democracia. Mas a maioria da população – as chamadas “grandes massas” – não era composta por atores políticos. E, como tal, não participava organicamente do processo de formação da vontade política coletiva, sendo apenas chamada a votar periodicamente e a comparecer em comícios eleitorais.

16 – É preciso entender que as opiniões preconceituosas e antidemocráticas da maioria da população eram opiniões privadas, mas não opinião pública. Por exemplo, em pleno governo Médici, na ditadura militar, boa parte do povo apoiava os sonhos delirantes de Brasil grande ou não se importava com o caráter autocrático do regime, mas essas eram opiniões privadas que, se somadas, podiam perfazer uma maioria, porém não uma opinião pública. A soma das opiniões privadas da maioria da população não é a mesma coisa que a opinião pública. A opinião pública não é a opinião majoritária (totalizada ex post, a partir da sua coleta, uma a uma), ao contrário do que pensam os que ainda não entenderam o processo emergente pelo qual opiniões privadas se convertem em opinião pública (10). Na primeira metade da década de 1970, uma minoria da população queria derrubar a ditadura militar (ou queria um governo civil) e, no entanto, isso acabou se tornando uma opinião pública.

17 – Como eram poucos, os agentes políticos tinham uma oportunidade de aprender por meio da interação recorrente entre seus pares. A interatividade era menor, quer dizer, as pessoas estavam menos vulneráveis à interação fortuita. Elas tinham mais tempo para consolidar seus pontos de vista e selecionar os seus interlocutores (o que permitia a continuidade de conversações que firmam tendências de opinião). Além disso, os clusters de incluídos na política, de certo modo, se autorregulavam. Havia, até mesmo, uma espécie de cortesia entre os agentes políticos que se digladiavam nas arenas do debate público. O chamado povo, é claro, não frequentava essa “escola” de política.

18 – De repente (de repente mesmo, em termos históricos) centenas de milhares, talvez milhões de pessoas, analfabetas do ponto de vista político (e, mais ainda, democrático), passaram a ter a oportunidade de intervir no debate público diretamente, sem qualquer regulação (e, sobretudo, sem qualquer autorregulação emergente de um processo coletivo). Não precisaram entrar em movimentos (como o movimento estudantil, o movimento sindical e os ditos movimentos sociais) e em partidos para fazer isso (e os movimentos organizados e os partidos, por piores que sejam, são escolas de política). Não tiveram a oportunidade de saber como funciona uma reunião (ou seja, nunca experimentaram uma atividade participativa). Não aprenderam, nem mesmo, que se deve calar quando outra pessoa estiver falando, a pedir uma questão de ordem ou de encaminhamento, a acatar as normas de convivência praticadas em um debate político, a respeitar uma mesa diretora dos trabalhos, a apresentar uma proposta ou, mesmo, a pedir a palavra educadamente. Milhões de pessoas nessa condição, tendo a sua disposição meios interativos (sem pedir licença a ninguém e estimuladas por populistas de esquerda ou de direita que querem arrebanhá-las), passaram então a influir diariamente na formação da opinião pública.

19 – Ora, não se pode exigir que, depois de milênios de autocracia, as pessoas entendam o valor universal da democracia, assim como não se pode exigir que preconceitos fundeados no subsolo da consciência (e da inconsciência) social sejam favoráveis à tolerância, à liberdade e aos direitos humanos. Como mostram todas as pesquisas sobre valores (ou anti-valores) arraigados na maioria da população, as pessoas, privadamente – em sua maioria – têm posições horríveis sobre tudo que diga respeito aos valores exalçados (ou, pelo menos, pressupostos) pela democracia.

20 – Um estudo recente (outubro de 2017) feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, baseado em pesquisa Datafolha, mostra que apoio dos brasileiros a posições autoritárias fica em 8,1 em uma escala de 0 a 10. O estudo revelou que mais de 8 em cada 10 brasileiros concordam total ou parcialmente com afirmações como: “o que este país necessita, principalmente, antes de leis ou planos políticos, é de alguns líderes valentes, incansáveis e dedicados em quem o povo possa depositar a sua fé”; “a obediência e o respeito à autoridade são as principais virtudes que devemos ensinar às nossas crianças”; e “o policial é um guerreiro de Deus para impor a ordem e proteger as pessoas de bem”. O mesmo estudo revelou que mais de 7 em cada 10 brasileiros (portanto, ainda maioria expressiva) concordam total ou parcialmente com afirmações como: “os homens podem ser divididos em duas classes definidas: os fracos e os fortes”; “um indivíduo de más maneiras, maus costumes e má educação dificilmente pode fazer amizade com pessoas decentes”; “todos devemos ter fé absoluta em um poder sobrenatural, cujas decisões devemos acatar”; e “pobreza é consequência da falta de vontade de querer trabalhar”. Por último, o estudo revelou também que mais de 6 em cada 10 brasileiros (maioria também) concordam total ou parcialmente com afirmações como: “a maioria de nossos problemas sociais estaria resolvida se pudéssemos nos livrar das pessoas imorais, dos marginais e dos pervertidos”; “se falássemos menos e trabalhássemos mais, todos estaríamos melhor”; “os crimes sexuais tais como o estupro ou ataques a crianças merecem mais que prisão: quem comete esses crimes deveria receber punição física publicamente ou receber um castigo pior”; ou “os homossexuais são quase criminosos e deveriam receber um castigo severo” (11).

21 – Ora, se o espaço público fosse regido por essas crenças e opiniões privadas, a democracia dificilmente teria lugar. Ou seja, se a opinião pública fosse a soma das opiniões privadas da maioria, não poderia haver democracia, nem aqui, nem na Atenas dos séculos 5 e 4 a. C. Mas houve democracia, aqui e lá, o que é sinal de que os agentes políticos que atuam como fermentadores do processo de formação da opinião pública têm alguma noção – aprendida na prática política, quer dizer, na interação política com seus pares (independentemente das suas propensões ideológicas) – de como deve se organizar e funcionar um regime político para que não decaiamos na barbárie.

22 – Essas crenças avessas à tolerância com quem pensa diferente, à liberdade e aos direitos humanos, sempre estiveram presentes no fundo do poço, mas não foram decisivas para a ereção de modos de vida políticos coletivos considerados aceitáveis por sua civilidade. Elas são parte do lodo da civilização patriarcal, hierárquica e guerreira. A questão que nos assalta agora é que parte desse lodo está vindo à tona. A democracia convive com esse lodo, desde que ele permaneça como convicções privadas, mesmo compartilhadas pela maioria da população. Mas quando tais crenças conseguem ser refratadas como opiniões políticas e assomam ao espaço do debate público, elas configuram um ambiente avesso à continuidade do processo de democratização da sociedade, do Estado e do padrão de relação entre sociedade e Estado. Se elas inspiram projetos políticos e programas governamentais excludentes, se dão base para a aprovação de novas leis que favoreçam a separação dos diferentes e se passam a normatizar o comportamento dos agentes públicos (inclusive do Ministério Público, do Judiciário e das forças policiais) com base no punitivismo ou, ainda, se elas contaminam as principais instituições da sociedade colocando-as a serviço do Estado, então temos um enorme problema para a democracia. Provavelmente o que pode vir pela frente é pena de morte, redução da maioridade penal, discriminações à culturas consideradas alienígenas ou prejudiciais à nação (seja lá o que se entenda por nação), afirmação de supostos valores da civilização ocidental cristã, facilitação do armamentismo popular, ingerência do Estado nos conteúdos do ensino e da pesquisa e das manifestações artísticas, restrições da liberdade de imprensa, redução de direitos e garantias individuais ou coisa ainda pior. Por que podemos afirmar isso? Ora, porque a maioria da população (maioria obtida pela totalização do que as pessoas pensam individualmente) aprova pelo menos uma parte de tais medidas.

23 – Não é, como acreditam alguns conservadores, que tenha de haver uma elite esclarecida para disciplinar a turbamulta vil, possibilitando a democracia. Não é que o povo tenha de ser protegido de si mesmo. O que tem de haver é um processo de formação da opinião pública que modifique, organicamente, as opiniões privadas existentes na sociedade, em todas as suas camadas, não apenas nos estratos considerados inferiores da “massa ignara”. Esse processo é o que devemos chamar propriamente de democracia: é o processo de democratização, que vem sempre acompanhado do processo de publicização das opiniões privadas. O problema é que esse processo fica impedido de se auto-organizar quando são incluídos, de chofre, no debate público, milhões de opiniões privadas que antes não eram variáveis relevantes da equação política. Isso equivale, mal comparando, à dinâmica de um linchamento no terreno das ideias, capaz de acabar com toda racionalidade, espancando noções como as de tolerância, diversidade e legitimação dos diferentes.

24 – Claro que tudo isso não acontece somente em razão da dinâmica social. Há, por certo, influências políticas que devem ser consideradas. O populismo, seja na sua versão de esquerda, neopopulista, seja na sua versão autoritária de direita, contribuiu para invalidar as ideias liberais. Ademais, o uso que o populismo vem fazendo das novas possibilidades de interação política (ensejadas pela internet, pelas mídias sociais, pelo WhatsApp e assemelhados, de fácil acesso com a disponibilidade universal dos dispositivos móveis de comunicação) é instrumental (12). Aquilo que deveria representar uma possibilidade de inclusão de novos atores no debate público acabou sendo deformado, num primeiro momento, como meio de criar novos tipos de exércitos militantes, verdadeiras hordas de haters, sem qualquer civilidade e imunes à qualquer racionalidade. Mas, mesmo que não houvesse tal manipulação deliberada (por parte das forças políticas neopopulistas e populistas-autoritárias, de esquerda ou de direita), a própria alteração da dinâmica do sistema, com a entrada repentina de milhões de interagentes, levaria a alguma desorganização do debate público e a uma perturbação no processo de formação da vontade política coletiva.

25 – A inclusão política de novos atores não é ruim em si. É desejável pela democracia. A questão é que o sistema não estava desenhado para absorver a avalanche interativa resultante da exponenciação do número de interagentes. E que, tal como se deu essa inclusão, não houve tempo de adaptação (ou seja, de aprendizagem da política e da democracia) por parte desses novos atores. Eles vieram em estado bruto, imaginando que a política seria uma espécie de religião ou de guerra religiosa (como uma cruzada), querendo impor suas crenças aos demais na base do abafa e da exacerbação da inimizade política e do espírito adversarial.

26 – Os democratas apostamos que, a longo prazo, a democracia terá condições de metabolizar tudo isso. Mas, no curto prazo, não. Não existem novos mecanismos de interação política capazes de absorver e viabilizar a influência política de multidões nos assuntos comuns exercida cotidianamente e não apenas de quatro em quatro ou de dois em dois anos. As instituições políticas que temos foram pensadas para, no máximo, centenas de pessoas. Por exemplo, temos um Congresso que comporta menos de 600 representantes e não adiantaria aumentar o número de suas cadeiras, pois os novos atores não querem mais delegar ou alienar o seu poder para representantes – sejam 600, 6 mil ou 60 mil – que não serão capazes de representá-los, ou seja, não querem se restringir a ser apenas eleitores chamados periodicamente a depositar um voto na urna sabendo que suas vontades políticas não serão defendidas por esses representantes (que tenderão a cuidar dos seus próprios interesses econômicos e políticos). Isso leva à uma crise da representação, não há como negar. Sociedades altamente interativas não cabem mais dentro de instituições predominantemente representativas, delegativas ou participativas.

27 – Na falta de tais mecanismos – mais interativos – instituídos e reconhecidos pelo próprio sistema político, toda a energia, boa ou ruim (em geral ruim) acumulada pelos excluídos da política (acarreados para fazer número em comícios e tangidos como gado para as urnas apenas durante os períodos eleitorais) flui diariamente pelos caminhos disponíveis. Quando esses caminhos de proferimento de opiniões capazes de interferir no debate público não estavam disponíveis, as crenças e convicções privadas da imensa maioria das pessoas permaneciam aprisionadas, contidas pela escassez fabricada artificialmente pelo próprio sistema para se proteger da suspeita vontade popular e do humor variável das massas. Mas agora, que existem múltiplos caminhos para intervir, as pessoas intervêm e o fazem, é claro, com as cabeças que têm. O fluxo quer fluir e escorrerá por onde puder. Eis o ponto. Não se pode – nem é papel do Estado – educar as multidões para que elas tenham condições de interagir politicamente com ideias mais conformes à democracia. Só o próprio processo político poderá fazer isso, do contrário não estaremos mais em uma democracia.

28 – O aprendizado da democracia, entretanto, não é imediato. Leva algum tempo até uma pessoa aceitar que sua ideia não prevalecerá, que ela será modificada incontáveis vezes e que o resultado final dessas múltiplas polinizações é imprevisível. Jihadistas, por exemplo, nunca aceitam e por isso não têm o conceito de liberdade de opinião (ou seja, não podem aderir à democracia), porque não chegam sequer a ter o conceito de opinião (uma noção que não é trivial, pois pressupõe a valorização, em princípio, de qualquer opinião e a não-aceitação de uma orto-doxa ou da prevalência da opinião de um líder). Analfabetos democráticos, quando se metem na política, não raro se comportam como jihadistas, atuando mais como militantes religiosos (o primeiro emprego da palavra militante, aliás, foi no contexto religioso da expansão da cristandade). Não é por acaso que militantes populistas (ditos “de esquerda” ou “de direita”) se comportem como se fossem cruzados de uma causa, que não se disponham a analisar argumentos do ponto de vista do outro e que, consequentemente, estejam protegidos contra qualquer divergência (e protegidos até mesmo contra a verdade). O mesmo tipo de comportamento se verificou na militância popular – instrumentalizada pelo populismo – da campanha eleitoral de Trump ou da campanha do Brexit. É como tentar discutir com um fiel do Hamas. Será inútil. Não há espaço para a persuasão, para o convencimento mútuo, para o diálogo esclarecedor, para a conversação. É uma guerra. E a guerra, qualquer guerra como modo de regulação de conflitos, violenta ou não, é o contrário da democracia.

29 – Como o sistema político não se preparou para essa eventualidade, ficou vulnerável à irrupção das crenças antidemocráticas e do emocionar destrutivo que as acompanha (sobretudo quando instrumentalizado por forças políticas populistas que usam a democracia contra a democracia). Isso se constitui como uma importante ameaça à democracia no curto prazo. Não tem nada a ver com a alegação de que a internet, as mídias sociais e o mundo digital em geral, estão destruindo a democracia. Tais tecnologias de informação e comunicação apenas acompanharam mudanças ocorridas nos fluxos interativos da convivência social. Elas não vieram de Marte e não teriam sido inventadas se não houvesse a possibilidade social da sua utilização. As tecnologias não são culpadas, as mudanças sociais que ensejaram a sua criação e utilização não são culpadas e as pessoas que a elas aderiram e as empregam como instrumentos do seu inédito fazer político também não são culpadas. A questão é que a política não acompanhou a sociedade e ainda não se deu conta de que está avançando velozmente em direção a um muro. Sem uma reforma da política (algo muito mais abrangente do que as insossas e inócuas propostas de reforma política que entram e saem aborrecidamente das pautas parlamentares), a catástrofe – no sentido matemático do termo, atribuído por René Thom (nada de catastrofismo aqui) – é inevitável (13). Haverá uma mudança de estado do sistema e ninguém pode garantir (conquanto os democratas apostem nisso) que a democracia conseguirá sobreviver.

30 – Eis o momento crucial em que estamos. No curto prazo, não virá, do sistema político, nenhuma mudança para melhor na política. Enquanto a borra estiver turvando a água viveremos numa espécie de “barata-voa”, cada força política tentando escapar do tsunami. Mas o tsunami, a despeito de provocar o efeito da inclusão de milhões no debate público, não é democratizante, pelo contrário. Espírito de vingança, vontade de revanche, ressentimento social e inconformidade com a nova situação do mundo que desaloja de seus papéis tradicionais miríades de atores (como os chamados “perdedores da globalização”), não são emoções criativas e podem ser facilmente manipuladas por salvadores da pátria, por condutores de rebanhos, por i-liberais de todos os matizes (venham da esquerda ou da direita) que adotem comportamentos políticos populistas. Os populismos – visto que não há só um na contemporaneidade e sim, pelo menos, três: o neopopulismo (dito de esquerda), o populismo autoritário (dito de direita) e o populismo não-autoritário, mas demagógico, que toma a política como um negócio privado (da maioria da chamada “classe política”) – viraram dutos pelos quais o lodo autoritário que estava decantado no poço está subindo à superfície, muitas vezes com a violência dos gêiseres ou das erupções vulcânicas.

31 – A única possibilidade de não tomarmos o ramo da bifurcação que nos levará à catástrofe é a própria sociedade se auto-organizar ou se auto-reorganizar com base na nova fenomenologia da interação que já está se manifestando neste século. Não será um líder, um partido, uma ideologia, uma doutrina, que poderão fazer isso. Somente a própria sociedade poderá modificar a natureza das correntes subterrâneas que estão neste momento em atividade. Não haverá, é óbvio, uma mágica conversão dos indivíduos à democracia. Mas as pessoas, envolvidas em nuvens de alta interatividade, se aglomerando e se espalhando ao sabor do vento interativo, sem uma diretriz ou uma ordem ditada por alguém, enxameando em grandes multidões (swarmings) e clonando os comportamentos alterados dos seus vizinhos, poderão configurar ambientes propícios à rápida mudança do comportamento coletivo. Uma a uma, as pessoas não vão mudar suas convicções mais íntimas. Só haverá aprendizagem – quer dizer, mudança – diante de um processo emergente, auto-organizador, sistêmico. Quando se diz isso, a mente primária do liberal-econômico de manual, tem uma espécie de convulsão, posto que confunde coletivo com coletivismo, social com coleção de indivíduos e sociedade com população. Então é sempre necessário explicar com exemplos.

32 – Eis alguns hipotéticos exemplos. Se a um 11 de fevereiro de 2011 (que derrubou Mubarak), suceder um 30 de junho de 2013 (que depôs o jihadista eleito da Irmandade Muçulmana, Mohamed Morsi) e, em futuro próximo, um outro, que retirará o poder dos militares; se eventos como a Primavera Síria, de janeiro de 2011, não forem neutralizados, como ocorreu, pela guerra desencadeada por Assad para matar a rede social; se a Tunísia não voltar a ser uma ditadura e continuar sua marcha rumo à uma democracia liberal; se alguma coisa como o 15 de maio de 2011, dos Indignados de Espanha, não for capturada pelas armadilhas de fluxos da velha política, gerando partidos populistas como o Podemos; se movimentos como o Occupy Wall Street, em 19 de setembro de 2011, no Zuccotti Park, não se estiolarem em levantes Black Blocs contra a globalização; se a vibe do junho de 2013 no Brasil não for desvirtuada (ou sabotada) por contra-protestos partidarizantes e se as grandes manifestações do impeachment de 2015 e 2016 não acabarem servindo apenas de plataforma de lançamento de seus pretensos líderes, da planície para o planalto, ou para gerar correntes de pensamento retrógradas que se alimentam daquele mesmo lodo do fundo do poço; se revoluções como a dos Guarda Chuvas, em setembro e outubro de 2014, em Hong Kong, não acabarem melancolicamente em candidaturas de seus líderes – ou seja, se a fermentação social que esteve presente em todos essas movimentações orgânicas da sociedade continuar fermentando, poderemos ter esperanças. Sim, dependemos agora não da inteligência artificial, mas do que foi chamado de inteligência coletiva, porém tipicamente humana: amistosa, sintônica ou simpática e sinérgica. Rigorosamente falando, isto também será uma catástrofe, que mudará o estado do sistema, mas não no sentido retrógrado que se anuncia e que se consumará caso não tomemos a outra perna da bifurcação. Mas o único fator que pode decidir se vamos para um lado ou para outro virá da sociedade. Ou não virá.

33 – O velho sistema político não vai se auto-reformar. Mesmo que queira fazer isso, para não entrar em colapso, não conseguirá. Não tem a visão, nem o entendimento do problema (a sociedade mudou e os velhos agentes políticos que compõem esse sistema não viram ou não entenderam a mudança). Não tem os instrumentos para tanto. É composto por poucas pessoas, crentes ainda na sua capacidade de enganar e conduzir suas clientelas. Basta examinar o exemplo do junho de 2013 no Brasil, que não foi compreendido nem pelos políticos tradicionais, nem por partidos como o PT, que imaginavam possuir o monopólio das ruas (e nem desconfiaram que o haviam perdido). E como seus agentes são poucos (apresentando a dinâmica quase de uma casta), sua interatividade é baixa, suas formas de organização são rígidas, opacas e imunes à influência do meio, é um sistema incapaz de aprender, quer dizer, de mudar com o fluxo, pelo menos na velocidade que seria necessária.

34 – Essa incapacidade de aprender tempestivamente explica porque os agentes do velho sistema político não tenham se dado conta de que o (seu) mundo da política está sendo invadido por uma parte significativa daqueles que acreditavam representar (e que pretendiam manter bem longe do seu fazer político) – e não para apoiá-los e sim para demiti-los. As pessoas não estão dispostas a ficar longe se têm em suas mãos os meios de encurtar caminhos. Desgraçadamente, num primeiro momento, essa invasão – que é e só poderia ser bárbara – está sendo instrumentalizada pelos diferentes populismos que constituem, hoje, no plano explicitamente político, as maiores ameaças à democracia.

35 – Assim como, em 2003, a maioria das pessoas não via o perigo do neopopulismo, agora, na passagem para 2019, a maioria das pessoas (incluindo jornalistas, colunistas e analistas políticos) também não vê o perigo do populismo-autoritário. É difícil convencer essas pessoas – que não têm noção da democracia como um valor universal – apenas mostrando sinais de autocratização: sim, estes sinais já são muitos, mas a maioria das pessoas não aprendeu a reconhecer padrões autocráticos. De certo modo, de um ponto de vista social, está ocorrendo uma verdadeira “revolução branca”, sem violência política, no Brasil. É um fenômeno novo: não é a volta do fascismo e sim a ascensão institucional, legal, de forças políticas populistas-autoritárias com base social significativa, como acontece hoje, por exemplo, na Hungria, na Polônia e nas Filipinas, que aponta para uma regressão de grandes proporções, não imediatamente no funcionamento das velhas instituições e sim nos padrões e nos modos de convivência social que se tornam mais verticais, mais adversariais, mais preconceituosos, mais intolerantes.

36 – Mas tudo isso, impossível não antever, terá consequências políticas: mesmo que o Brasil e estes países citados como exemplos, não deixem de ser democracias (ou governos representativos), eles tendem a se mover num gradiente que vai de ‘democracia liberal’ para ‘democracia eleitoral’ (não-liberal), sendo que a próxima estação é a ‘autocracia eleitoral’ (não-democrática). Não houve golpe de Estado, nem quebra da institucionalidade ou da legalidade, na Hungria, na Polônia, nas Filipinas e no Brasil: simplesmente houve um processo eleitoral em que, como previu hipoteticamente Ralf Dahrendorf, ainda na década de 90, do ponto de vista da democracia “os caras errados foram eleitos” (em eleições normais e limpas) (14). Se o projeto populista-autoritário perdurar, a democracia brasileira, no mínimo, ficará menos liberal (no sentido político do termo, não no econômico), ou seja, mais i-liberal e mais majoritarista.

As articulações dos democratas

37 – Do que se trata hoje é do florescimento de várias “alianças rebeldes” dos democratas, pacíficas e legais, distribuídas (não centralizadas), contra o avanço dos populismos na sociedade (sejam ditos “de direita” ou “de esquerda”). Todavia tal atuação não pode ensejar a instalação no país de uma guerra civil fria. Este não é o caminho democrático. O caminho democrático é o da resistência sem guerra.

38 – Os democratas vêm sempre lidando com a mesma coisa desde que surgiram na Grécia clássica, na passagem do século 6 para o século 5 antes da era comum. Sempre há um senhor – ou um candidato a senhor – ao qual temos de resistir. A pensadora Ágnes Heller, aos 90 anos, lamenta – comentando a situação da Hungria sob o domínio do populista i-liberal Viktor Orbán – que “não vamos encontrar oposição democrática em meio à população”. Sim, mas os democratas não são “a população”. Não somos “a massa” – e sim o fermento na massa.

39 – Quem achar que os mais de 40 mil atenienses que chegaram a frequentar a Ecclesia (na Agora), em meados do século 5, eram, todos, democratas convictos, está redondamente enganado. Mesmo naquela colenda assembléia, que fundou a democracia, os democratas jamais passaram de uma ínfima minoria. Igualmente, os parlamentares ingleses que redigiram os Bill of Rights e que resistiram ao poder despótico de Carlos I, ensejando a reinvenção da democracia na época moderna, também não eram maioria.

40 – Não existe democracia sem democratas (15). O destino da democracia não é impulsionado por eventos históricos ou mesmo por forças estruturais, mas frequentemente pela paixão e zelo de pessoas individuais. Nos lugares onde a democracia funciona a contento observa-se sempre a presença de pessoas com compromisso genuíno, talento, coragem e paixão pela liberdade, ou seja, política no melhor sentido da palavra.

41 – Os teóricos do capitalismo anunciaram a democracia como uma condição de prosperidade econômica e de bem-estar material. Foi um erro, como estamos vendo, na medida em que ela – a democracia – não pode entregar tal resultado necessariamente: com frequência isso aconteceu, por certo, mas por outras razões que não traduzem a essência do modo não-guerreiro de regulação de conflitos que chamamos de democracia. A democracia não é a promessa de melhores condições de vida para os indivíduos das populações, não é um regime excelente de engorda (como o do gado confinado holandês) e sim de melhores condições de convivência social para as pessoas, como entes propriamente humanos, poderem configurar ambientes de mais liberdade: liberdade para ser infiel às suas origens, liberdade para desobedecer, liberdade para criar e cocriar, liberdade, inclusive, para não ter rumo (ou seja, para deixar o futuro aberto). Sociedade democrática é sociedade aberta e sociedade aberta é a que tem o futuro aberto.

42 – Isso significa que a democracia depende não de “estágios de desenvolvimento econômico” (crença já espancada por Amartya Sen nos anos 1970, quando se discutia se um país está ou não preparado para a democracia e que ele desmascarou com a resposta singela de que nenhum país está preparado para a democracia: todos os países se preparam através da democracia). Mas se não depende disso, a democracia, por outro lado, depende, sim, inevitavelmente, de uma (outra) coisa: da existência de amantes da liberdade dispostos a exercitar essa forma de interação social que chamamos de… política!

43 – Para enfrentar essas ameaças populistas, de direita e de esquerda, os democratas não podem esperar converter à democracia a maioria da população. Isso nunca aconteceu e nunca vai acontecer, não aconteceu nem quando a democracia foi inventada, na resistência à tirania dos psistrátidas, em Atenas, nem quando ela foi reinventada pelo parlamento inglês do século 17, na resistência ao poder despótico de Carlos I. Os democratas só têm de contagiar uma pequena parcela da população que possa atuar como fermento na massa, como agentes catalisadores da formação de uma opinião pública contrária aos populismos. Para tanto, é absolutamente necessário, como reconheceu Ágnes Heller em recente entrevista, que os democratas contem a sua história e que essa história possa comover outras pessoas capazes de interagir regularmente no debate público.

44 – É uma tarefa hercúlea na medida em que pessoas têm imensa dificuldade de entender que a democracia não é uma utopia. Que não é o regime reto, puro e perfeito, mas um tipo de interação (política) entre seres humanos realmente existentes, com todas as suas curvaturas, impurezas e imperfeições. Que não é o regime sem corrupção e sim o regime sem um senhor. Como escreveu Ésquilo (472 a. C.), em Os Persas, referindo-se aos atenienses democratas de sua época: eles “não são escravos, nem súditos de ninguém”. Por isso, o melhor caminho para entender e tomar a democracia como um regime preferível aos demais (e, além disso, um modo-de-vida ou de convivência social preferível aos demais) é ouvir as histórias de quem viveu algum tempo sob o jugo de um senhor, mesmo que este senhor tenha sido um senhor bom, capaz de cavalgar seus súditos com gentileza e resolver seus problemas por eles. Quem teve a experiência de autocracia pode aquilatar melhor o valor da liberdade. Mas nem todas as pessoas valorizarão isso: muitas preferirão ser governadas pelo sultão de Brunei (que, além de tudo, ainda concede uma espécie de “bolsa-família” polpuda aos seus súditos). Ou seja, muitos preferirão a segurança de ser súditos bem-tratados por seu senhor do que a incerteza de ser cidadãos livres e não saber se vão ter o que comer no final do dia ou se vão conseguir pagar as contas no final do mês.

45 – Por tudo isso, os que são capazes de captar o genos da democracia (como um processo de desconstituição de autocracia que ocorre toda vez que regulamos conflitos de modo pazeante ou não-guerreiro) e de defender proativamente a democracia, continuarão sendo minoria. Mas é isso mesmo: os democratas apostam que o papel de “fermento” que cumpre essa minoria é capaz de afetar toda a “massa”.

46 – Para além do retrocesso ou da desconsolidação democrática que está favorecendo o surgimento de democracias meramente eleitorais, iliberais e majoritaristas, e de regimes autocráticos, há uma crise da democracia representativa. O modelo de democracia representativa, inventado pelos modernos no século 17, está em esgotamento. Ainda que a democracia representativa deva ser mantida, isso não é mais suficiente. Além de representativa, a democracia tem de ser liberal. E além de liberal, tem de admitir as inovações políticas.

A inovação democrática

47 – Atribui-se a Otto von Bismarck o dito, já um tanto batido, de que “os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis”. A frase não merece ser elogiada pelos democratas. Na verdade, Bismarck, um “político do poder” (campeão da realpolitik), não era um adepto da democracia. Na sua visão autocrática – que priorizava a ordem em detrimento da liberdade – a “zona” (no sentido figurado, de prostíbulo) que é qualquer parlamento, os procedimentos indevidos, a corrupção, os lobbies e as negociatas, a pouca qualificação do pessoal, a falta de um plano diretor (ou de um sistema eficiente de gestão) e de controle de qualidade das “matérias primas”, tudo isso meio que desqualificaria os procedimentos legislativos.

48 – A democracia, no entanto, é uma aposta de que o caos é criativo, de que é melhor – quando se trata dos processos de auto-organização e dos procedimentos destinados a verificar a vontade política coletiva – os erros (ou os pecados) dos ignorantes, curvos e impuros, do que os acertos (ou as virtudes) dos sábios, retos e puros. O nome disso é política (propriamente dita), ou seja, democracia. Quem não está sujo o suficiente tem dificuldade de entender o conceito e o processo pelo qual o conceito se realiza. Analfabetos democráticos e mentalidades autoritárias não conseguem entender que o que salva a democracia é a bagunça. É o erro no cálculo, a falha na armadura, o defeito (ou o fantasma) na máquina. Se a máquina funcionasse perfeitamente, seguindo um programação infalível, não haveria possibilidade de mudança (quer dizer, de continuidade do processo de democratização). No entanto, as máquinas moedoras de carne da política democrática continuam moendo, sabe-se lá como. Mudar a qualidade (ou a data de vencimento) da carne (substituindo carne velha por carne nova), não altera o produto da máquina: ela vai prosseguir fazendo salsichas.

49 – Alguns perguntam: onde estaria a inovação na política? Bem… em primeiro lugar, é preciso saber o que é política. Aliás, a principal inovação na política foi a invenção da democracia, quer dizer, a invenção da política propriamente dita, como um modo de regulação não-guerreiro de conflitos. Inovações que afetam esse modo, sem alterar o seu “DNA”, são as que se podem chamar de inovações políticas (sim, porque se alguém autocratiza: bolivarianiza, putiniza ou erdoganiza – ou, agora, bolsonariza – o regime democrático, transformando-o em uma protoditadura ou ditadura, ou em uma democracia apenas eleitoral e i-liberal ou menos liberal e majoritarista, isso não pode ser considerado inovação e sim regressão).

50 – Portanto, a democracia reinventada pelos modernos no século 17 também foi uma inovação, seja porque a democracia andava meio desaparecida, há quase dois milênios, seja porque introduziu-se a representação, a noção de império da lei e o Estado de direito, a separação e o equilíbrio entre os poderes, os mecanismos de freios e contrapesos, a noção de que a legitimidade democrática é uma consequência da combinação de vários critérios (ou princípios), como a liberdade, a eletividade, a publicidade (ou transparência), a rotatividade (ou alternância), a legalidade e a institucionalidade.

51 – A representação, por exemplo, não faz parte do genos da democracia. Foi uma modificação introduzida pelos modernos: a democracia dos atenienses, que vigorou de 509 a 322 AEC, era mais participativa do que representativa – e dizer isso não implica qualquer juízo de valor, nem alguma rendição à suposta inevitabilidade da delegação de poder em coletividades numerosas: a polis ateniense, no século 5, tinha mais ou menos o mesmo tamanho de nossos municípios atuais e a Ecclesia – o sujeito político coletivo da primeira democracia – chegou a reunir fisicamente milhares de pessoas (16).

52 – Seria, por exemplo, uma grande inovação agora – equiparável a dos atenienses e a dos modernos – ensaiar novas formas de democracia que (sem alterar a natureza do modo de regulação) fossem, por exemplo: mais distribuídas, mais interativas, mais diretas, com mandatos revogáveis, regidas mais pela lógica da abundância do que da escassez, mais vulneráveis ao metabolismo das multidões e mais responsivas aos projetos comunitários, mais cooperativas e lastreadas na confiança entre as pessoas, mais diversas e plurais (não admitindo apenas uma única fórmula internacional, mas múltiplas experimentações glocais) (17). Estas seriam inovações disruptivas.

53 – Claro que nem todas as inovações políticas teriam de ser assim tão disruptivas (a ponto de abrir caminho para uma terceira invenção da democracia). Pode-se inovar nos procedimentos, no formato e na dinâmica das instituições, no arcabouço jurídico-político do Estado de direito, no padrão de relação Estado-sociedade e, portanto, nos ambientes onde a democracia se aplica (não precisando a democracia se restringir a ser um modo de administração política do Estado-nação ou uma espécie de droga para domesticar o Leviatã). Mas para inovar é preciso inovar, não apenas aperfeiçoar. Não se trata de fabricar um aparelho de fax melhor e sim de inventar a fotografia digital, o scanner, o anexo do e-mail ou do WhatsApp.

54 – Entretanto, ao contrário, em parte, do que ocorre nos meios empresariais, as inovações em política não dependem de ideias geniais de pessoas e grupos criativos, mas surgem a partir de novos padrões e dinâmicas que emergem da sociedade, quer dizer, são função do fluxo interativo da convivência social. Aliás, foi assim na Atenas da passagem do século 6 para o século 5. Não tivesse se conformado uma rede com significativo grau de distribuição na praça do mercado, não teria sido inventada pela primeira vez a democracia.

55 – Diga-se o que se quiser dizer, os eventos mais expressivos deste século, que anunciaram e introduziram inovações na forma e no modo de fazer política, foram os grandes enxameamentos civis que ocorreram a partir de 2004 na Espanha: o 11M (aquela extraordinária manifestação, em várias cidades espanholas, a propósito da tentativa de falsificação, pelo governo de Aznar, da autoria dos atentados da Al Qaeda em março de 2004 em Madri, atribuindo-a falsamente ao separatismo basco).

56 – Nos anos seguintes, movimentações mais ou menos semelhantes começaram a surgir, quase sempre gestadas de forma subterrânea na sociedade, destoando dos padrões clássicos das mobilizações organizadas centralizadamente por hierarquias políticas e sindicais. Em 2011, esses movimentos eclodiram no que ficou conhecido como “Primavera Árabe”, começando pelo 14 de janeiro na Tunísia e o 26 de janeiro na Síria, passando pelo 2 de fevereiro no Iêmen, pelo 11 de fevereiro no Egito (dia decisivo para a queda do ditador Mubarak), pelo 14 de fevereiro do Bahrein, pelo 17 de fevereiro na Líbia, pelo 9 de março em Marrocos até voltar ao 18 de março na Síria (quando, então, Assad iniciou a guerra para matar a rede).

57 – Outra incidência importante foi o 15M espanhol (que ficou conhecido como a manifestação dos indignados com a velha política, em maio de 2011 em Madrid, espalhando-se por outras cidades). Veio também em seguida uma série de movimentos do tipo Occupy inspirados pelo 17S (o Occupy Wall Street no Zuccotti Park, em Nova York, em 17 de setembro de 2011). Em 2013 tivemos outra eclosão, com o #DirenGezi na Turquia e as manifestações de junho de 2013 no Brasil (sobretudo as que ocorreram nos dias 17 e 18 de junho). Em 30 de junho de 2013 tivemos a maior manifestação da história, com 20 milhões (ou mais) de pessoas nas ruas e praças de várias cidades do Egito (quando o jihadista eleito da Irmandade Muçulmana, Mohamed Morsi, foi derrubado). Depois tivemos a Praça Maidan na passagem de 2013 para 2014, em Kiev, o segundo caracazzo venezuelano, em janeiro de 2014 e a revolução dos Guarda Chuvas, em Hong Kong, em setembro e outubro de 2014.

58 – Em tudo isso, a grande novidade não estava nos protestos em si (eventos populares massivos, aparentemente semelhantes, já ocorrem há muito no mundo), mas na manifestação de uma até então desconhecida fenomenologia da interação. Uma parte dessas manifestações, sobretudo o 11M e o 15M espanhol, o 11F egípcio, o 17S americano, o 17-18J brasileiro, o 30J novamente no Egito e vários dos demais swarmings citados, não foi convocada e organizada de modo centralizado por algum líder ou entidade hierárquica. Foram processos P2P (peer-to-peer), emergentes, surgidos a partir de um alto grau de conectividade da rede social e da disponibilidade de mídias interativas em tempo real (o telefone celular, a internet e as incorretamente chamadas “redes sociais”, como o Twitter e o Facebook).

59 – Ao lado desses swarmings, expressando na política uma nova dinâmica das multidões, surgiram também, aqui e ali, algumas experiências societárias (ou comunitárias) que poderiam ser consideradas inovadoras em termos políticos (democráticos). Uma delas foi a iniciativa da Islândia, de elaboração de sua nova Constituição usando o Facebook como meio interativo, em junho de 2011. As experiências de redes na política, ou de um novo fazer político interativo (em redes mais distribuídas do que centralizadas) são múltiplas, porém pontuais, localizadas e fugazes (como é próprio mesmo da dinâmica de rede). Nenhuma delas logrou, até agora, inaugurar novas institucionalidades democráticas, mas mantiveram vivo o processo de democratização das sociedades em que ocorreram.

60 – Fiquemos, porém, no Brasil. As pessoas que presenciaram os swarmings de junho de 2013 ainda não entenderam, em sua imensa maioria, o que aconteceu. O mesmo vale para os que participaram das memoráveis manifestações pelo impeachment de 2015 e 2016 (as maiores manifestações políticas de toda nossa história). Nesses novos lugares, a velha política não prevaleceu. Uma nova dinâmica emergiu. Quem esteve presente, mesmo que não saiba analisar o que ocorreu, sentiu isso. Os que estiveram presentes nesses eventos não eram militantes e sim pessoas comuns, em junho de 2013 indignadas com o sistema (ainda que não soubessem explicar direito o que seria o tal sistema) e, nas seguintes manifestações políticas, indignadas com o governo Dilma e com o PT. Ou seja, essas manifestações não tiveram dono, foram resultado da convergência e da combinação de miríades de inputs, gerando constelações particularíssimas. Por isso, cada pessoa era sua própria manifestação, saía de casa com suas próprias pernas, levando seus cartazes artesanais, com suas reivindicações ou protestos específicos.

61 – Acontece que os que eram ou viraram militantes, talvez por falta de entendimento das conexões entre a dinâmica social e a democracia (ou entre o padrão social de organização e o modo político de regulação) e sem perceber, ademais, que atuaram como fatores detonadores e não como líderes ou organizadores dos eventos, não souberam ler o que presenciaram e ficaram pensando coisas do tipo: “E agora? Como vamos aproveitar tudo isso para entrar no jogo político real?” E aí caíram na tentação de voltar à velha dinâmica e de ocupar os velhos lugares da política. Tudo bem fazer isso: a política institucional precisa mesmo ser renovada com a entrada de novas pessoas, mas sem esquecer e sem abandonar a fonte da energia inovadora que brotou quando se intensificou o fluxo interativo na planície. A planície, é claro, é uma metáfora para a sociedade, um modo de agenciamento distinto daquele que caracteriza o planalto, o Estado. Não abandonar a fonte da energia inovadora implica valorizar a planície pelo que ela é, não abandonar a planície, e não tentar usá-la, apenas instrumentalmente, como plataforma de lançamento para o planalto.

62 – Isso significa reconhecer que a sociedade existe. Não é um epifenômeno. A fonte de qualquer inovação significativa na política está na sociedade, não no Estado. Mas, como escreveu Goethe, a fonte só pode ser pensada enquanto flui… (18) ou seja, é preciso permanecer fluindo, na sociedade. Pode-se fazer política na – ou a partir da – sociedade. Só os infectados pelo estatismo (no sentido político do termo, não apenas no seu sentido econômico) acham que a política para valer deve ser feita exclusivamente no – ou a partir do – Estado.

63 – O novo – ou o supostamente novo – não é o novo que apenas entra no velho (onde nunca esteve e por isso se acha novo) e sim o que inova, abrindo um novo lugar para o fazer político e novas formas e novos modos de fazer política. O novo dentro do velho logo ficará velho. Virará… salsicha! Porque o novo não é o que ainda não experimentou o velho e sim o que se comporta de modo a ir tornando o velho obsoleto (isto é a definição, nua e crua, de inovação). É o anexo do e-mail que torna obsoleto o fax, sem a necessidade de uma revolta ludista contra os velhos aparelhos de fac-símile. Na mudança de época em que vivemos, só é novo o que é inovador.

64 – Situam-se hoje no campo democrático quatro tipos de atores políticos classificados em duas categorias: na primeira estão os populistas não-autoritários (a maior parte da chamada “classe política”, que embora possa praticar a corrupção tradicional, endêmica nos meios políticos, não tem como projeto alterar o DNA da nossa democracia) e os democratas formais; na segunda os liberais-políticos e os inovadores democráticos. Essa segunda categoria é extremamente minoritária: se os liberais-políticos já estão em falta no Brasil, os inovadores democráticos então, nem falar. São considerados sonhadores ou nefelibatas até mesmo pelos democratas formais (19).

65 – Inovadores democráticos também são liberais no sentido político do termo. Liberais são, por definição, anti-estatistas (tomando o estatismo no sentido político do termo e não apenas no seu sentido econômico). Além de repisar os temas óbvios: livre mercado, redução da participação do Estado na economia, reformas, responsabilidade fiscal, corte de impostos e privatização – que deveriam constar da pauta obrigatória de qualquer liberal (não exclusivamente dos liberais-políticos), os inovadores democráticos estão preocupados, principalmente, com a defesa da democracia e com a continuidade do processo de democratização (da sociedade, do Estado e do padrão de relação Estado-sociedade). Por causa disso estão focados em uma série de temas inovadores que ainda não entraram na pauta dos liberais como, por exemplo:

a) a crise e os limites da democracia representativa e a experimentação de novas formas mais interativas de democracia numa emergente sociedade-em-rede;

b) o novo federalismo diante da crise do Estado-nação;

c) a superação da contraposição localismo não-cosmopolita (tipo “America First”) x globalismo e a realidade emergente da glocalização;

d) o reflorescimento das cidades, a independência das cidades e o surgimento de cidades-inovadoras (cidades transnacionais, cidades-pólo tecnológicas, redes de cidades e cidades-rede);

e) a superação da contraposição estiolante monoculturalismo x multiculturalismo: rumo à inevitável (e desejável) miscigenação cultural;

f) a inadequação da classificação e da divisão das forças políticas em esquerda x direita; e

g) o envelhecimento da divisão entre visões mercadocêntricas e estadocêntricas do mundo: a sociedade como forma autônoma (subsistente por si mesma) de agenciamento, além (ou ao lado) do mercado e do Estado.

66 – Vemos assim que os inovadores podem, sim, ter ideias novas. Mas a fonte da inovação não está propriamente nas ideias (ou na cabeça de uma minoritária elite pensante). Junho de 2013, março, abril e agosto de 2015 e novamente março de 2016, foram expressões inéditas de inovação política, talvez as maiores de nossa história (sem que houvesse grandes ideias inovadoras inspirando tais eventos). A inovação não está propriamente na interpretação, na análise ou na conceptualização posteriores e sim na dinâmica que emergiu. Quem não entendeu e não apostou no potencial criativo e inovador desses eventos não pode ser classificado como inovador democrático. E os democratas formais, reconheçamos, jamais entenderam o que aconteceu, alguns deles, inclusive, atribuem a autoria do junho de 2013 ao grupo esquerdista MPL – Movimento Passe Livre (ninho de Black Blocs) confundindo um eventual papel detonador com a organização dos grandes protestos.

67 – Mesmo os principais movimentos que cumpriram um papel realmente inovador em tempos recentes não entenderam bem a topologia e a dinâmica de rede dos eventos de que participaram, muitas vezes achando-se responsáveis, posto que os convocaram, pelo que aconteceu. Vários outros movimentos, que querem ser inovadores, pelo que se vê até agora, estão bem longe disso. O mesmo vale para os partidos ou proto-partidos que se dizem novos e gostariam de ser novos. Sim, é ótimo que existam iniciativas que queiram ser inovadoras. Mas é preciso ver que inovador é quem inova, não quem fala sobre inovação ou se apresenta como novo.

68 – Claro que toda tentativa de inovação política deve ser vista com bons olhos. Mas colocar novos candidatos, honestos e comprometidos com a ética, com a eficiência da gestão e com a responsabilidade fiscal, social e ambiental, nas eleições, ainda que possa ser visto como saudável tentativa de renovação de quadros parlamentares e executivos, não é bem uma inovação na forma e no modo de fazer política. Os tais novos candidatos vão para um velho lugar, organizado de uma velha forma (hierárquica) e regido por velhos modos (mais autocráticos do que democráticos) de regulação. É como fornecer carne nova para as máquinas da velha indústria de salsicha.

69 – Nada disso significa que tal não deva ser feito, mas apenas que não terá o impacto que se imagina e espera. A máquina mói todo mundo, os velhos e os novos, os que apenas defendem seus interesses egoísticos e os que fazem belos discursos altruístas, os que embolsam todos os recursos disponíveis e os esbanjam e os que fazem marketing com economia de palito, devolvendo fundo partidário, verbas de gabinete, auxílio moradia e outros privilégios associados à sua condição (organizacional) ou função (eletiva). Sim, tudo isso é louvável, mas não chega a ser inovação política capaz de promover uma mudança na forma como se organiza e no modo como funciona a fábrica de salsichas.

70 – É preciso dizer que há, sim, inovação na política. Ela só não está onde queremos procurá-la (e não frutificará onde queremos plantá-la): no ventre do velho sistema que apodreceu. Qualquer inovação para valer – capaz de alterar a morfologia e a dinâmica da atividade política – não pode ser tão incremental que acabe se confundindo com mero aperfeiçoamento. Como já foi dito aqui, não se trata de melhorar a máquina de fac-símile (ou de salsichas).

71 – Indo agora diretamente ao centro da questão, podemos afirmar que inovações políticas, do ponto de vista democrático, são aquelas que impulsionam a continuidade do processo de democratização (que é o que se deve entender por democracia, no sentido forte do conceito). Como o processo de democratização pode continuar na nova e mutável realidade contemporânea? Esta é a pergunta-chave que os inovadores democráticos deveriam sempre ter em mente.

72 – Não se trata de inventar, em laboratório, novas instituições e procedimentos democráticos e sim de responder ao que já está emergindo da sociedade. E o que está emergindo? Uma nova dinâmica das multidões, um aumento vertiginoso da interatividade (com a consequente multiplicação ou exponenciação do número de agentes que intervêm no debate público, que no Brasil pularam, em 30 anos, de cerca de 5 mil para 1 milhão ou mais) e uma diversidade de experimentações glocais de novas formas de convivência social. Ora, tudo isso está ligado à emergência de uma sociedade-em-rede. Assim, inovações políticas que não sejam vulneráveis e responsivas a essa nova realidade emergente da sociedade-em-rede, não serão – a rigor – inovações capazes de modificar as formas e os modos de organização e ação políticas.

73 – Só em regimes democráticos (mesmo formais e defeituosos, como o nosso) podem se manifestar plenamente aquelas novas realidades emergentes aqui mencionadas. Em Havana, Cartum ou PyongYang – ou, agora, mesmo em Moscou, Caracas ou Ancara – dificilmente assistiremos a eventos que expressem uma nova dinâmica das multidões, dificilmente observaremos o aumento vertiginoso da interatividade (com a consequente multiplicação ou exponenciação do número de agentes que intervêm no debate público) e dificilmente teremos a liberdade necessária para o surgimento de uma diversidade de experimentações glocais de novas formas de convivência social. Portanto, defender a democracia que temos (a despeito de todos os seus defeitos e imperfeições), contra todas as tentativas de enfrear o processo de democratização, deveria ser cláusula pétrea e primeira na pauta de quaisquer inovadores democráticos.

74 – Infelizmente, porém, ainda não é assim. Empresários bem intencionados que querem deixar um legado público, jovens ansiosos por abraçar uma causa que dê sentido às suas vidas, pessoas dos setores médios da população dispostas a fazer o bem (e, o que é pior, imbuídas de um desejo de limpar a política e consertar o país), que têm dificuldades de aceitar o conflito e não querem se sujar ralando pra cima e pra baixo na praça do mercado, não resistem à tentação de fugir para frente. Todos esses parecem ecoar, em alguma medida, aquele discurso purista que construía mentalmente uma espécie de mundo do Avatar para a nova política.

75 – Mas a inovação política é sempre tópica, nunca utópica. É aquela que se pode fazer hoje, não amanhã. Mais liberdade, se não for conquistada agora, jamais o será no futuro. Inovar, em política, é assumir o presente, com todos os seus impasses e contradições.

76 – Portanto, tudo que foi dito aqui significa que devemos, sim, apresentar novos candidatos e concorrer às eleições (a todas elas), mas sem nos restringir a isso; ou seja, que devemos colocar no Estado novos representantes, sem abandonar a ação política feita na – e a partir da – sociedade. Significa que devemos defender a democracia que temos, sem porém deixar de fazer esforços para antecipar as novas democracias que queremos. Significa que devemos elaborar programas com novas propostas, sabendo, entretanto, que novas dinâmicas políticas dependem mais de novos comportamentos coletivos, que se manifestam sem o nosso controle, do que de novas ideias que nos esforçamos para conceber.

77 – Significa, no limite negativo da inovação, que podemos até tentar construir novos partidos, tendo a plena consciência de que a forma-partido tradicional, inventada pelos modernos, envelheceu e que ela não é mais capaz de expressar as energias inovadoras que brotam das novas dinâmicas sócio-políticas.

78 – Enfim, significa que qualquer organização ou ação política só será nova ou inovadora se estiver sintonizada com a nova morfologia e com a nova dinâmica da sociedade que está emergindo: a sociedade-em-rede. Assim, insistir em padrões de organização hierárquicos e modos de regulação autocráticos nunca poderá parir alguma coisa que seja realmente inovadora.

79 – A democracia vem recuando não apenas como modo político de administração do Estado-nação e sim, também, como modo-de-vida (20). Isso significa que parte das inovações políticas que o momento exige tem a ver com a experimentação de novos arranjos societários, novas Atenas glocais, experimentação inovadora de democracias em não-países, em comunidades de vizinhança, de prática, de aprendizagem e de projeto. Este é o grande desafio para os que apostam na inovação democrática.

Epílogo

Nosso papel – dos democratas – é o de ser agentes fermentadores da formação de uma opinião pública, não o de arregimentar seguidores. Claro que quanto mais fermentadores existirem, mais fácil será cumprir esse papel. Mas as pessoas não se convertem à democracia a partir de uma ideia (de liberdades civis e direitos políticos). A adesão à democracia exige um emocionar antes de ser uma escolha racional. Um emocionar de insatisfação, de repulsa mesmo, que não se conforma com a autocracia como modo-de-vida.

A democracia não é apenas um modo político de administração do Estado e sim a possibilidade de um emocionar não-guerreiro (diferente do modo guerreiro, que constrói e mantém inimigos como pretexto para erigir padrões hierárquicos de organização regidos por modos autocráticos de regulação de conflitos) que desencadeia comportamentos colaborativos, amistosos, humanizantes. Esse emocionar também permitiu a expansão do pensamento e o que chamamos de ciência, tal como a conhecemos, não teria podido se desenvolver em regimes onde há apropriação da verdade por parte de poderosos imbuídos de doutrinas, religiosas ou laicas, que funcionam como filtros para transformar caos em ordem, mas não ordem emergente e sim uma ordem pregressa, prefigurada antes da interação.

O papel dos democratas – ao contrário do papel dos populistas (majoritaristas) – não é o de arrebanhar e liderar grandes massas para nelas inocular uma ideia particular de ordem (que se pretenda universal) e sim o de atuar como agentes fermentadores da formação da opinião pública (capaz de construir ordem emergente da interação).

Por isso, os democratas não constroem e dirigem organizações hierárquicas, mas sempre redes, mais distribuídas do que centralizadas, de interação política. Sim, a política é um tipo de interação e só há política propriamente dita quando se configuram ambientes comuns (commons), mas para entender isso é preciso ver que este conceito é político, não econômico. O commons é o que há de emergência (e de emergente) no conceito de público. Ou seja, o que do público se forma por emergência é o commons: uma realidade social, não estatal.

O papel dos democratas é contribuir para a distribuição da rede social e, com isso, viabilizar as condições favoráveis à emersão do commons, quer dizer, de uma realidade social capaz de se autorregular pela política (ex parte populis) – e isto é a democracia.

Esperamos que este texto possa inspirar outras reflexões semelhantes e que daqui possam surgir novas iniciativas políticas, animadas pela paixão pela liberdade, de resistência sem guerra e de inovações democráticas.

Brasil, janeiro de 2019

Notas e referências

1. Estão planejadas várias versões deste documento. Por enquanto estão disponíveis a versão preliminar compacta para discussão, a versão preliminar completa para discussão e esta versão preliminar conceitual (sem referências à disputa político-conjuntural em curso no Brasil): voltada aos interessados em inovações democráticas, que não querem se envolver em lutas políticas. Brevemente sairá também uma versão estritamente política (com exigências democráticas feitas ao governo e à oposição autocrática): voltada aos que querem influir na disputa política atual, mas não concordam com as visões bolsonaristas e lulopetistas.

2. Seguimos neste parágrafo os critérios adotados pelo V-Dem Institute (Department of Political Science, University of Gothenburg), que faz uma classificação interessante dos países por tipo de regime: Democracia Liberal, Democracia Eleitoral, Autocracia Eleitoral, Autocracia Fechada. No geral o ranking do V-Dem não é tão diferente dos elaborados pelas instituições mais reconhecidas e respeitadas que monitoram a democracia no mundo, como o Democracy Index (The Economist Intelligence Unit), o Freedom in the World (Freedom House) e o The Human Freedom Index (Cato Institute, Fraser Institute, Friedrich Naumann Foundation).

3. Idem. Uma lista elaborada pelo Projeto Democracia, cruzando dados dos relatórios mencionados acima (nota 2) aponta cerca de 60 ditaduras na atualidade: Afeganistão, Angola, Arábia Saudita, Argélia, Azerbaidjão, Barein, Belarus, Brunei, Burkina Faso, Burma (Mianmar), Camarões, Camboja, Cazaquistão, Chade, China, Comoros, Congo (Kinshasa | Brazzaville), Coréia do Norte, Costa do Marfim, Cuba, Djibuti, Egito, Emirados Árabes Unidos, Eritreia, Etiópia, Fiji, Gabão, Gâmbia, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau, Iêmen, Irã, Jordânia, Kuwait, Laos, Líbia, Madagascar, Marrocos, Nicarágua, Nigéria, Omã, Palestina (Faixa de Gaza sob controle do Hamas), Qatar, República Centro Africana, República Democrática do Congo, Ruanda, Rússia, Síria, Somália, Suazilândia, Sudão, Sudão do Sul, Tajiquistão, Togo, Turcomenistão, Turquia, Uzbequistão, Venezuela, Vietnam e Zimbábue.

4. A ideia de política que tem como sentido a liberdade é, segundo a visão de Hannah Arendt (1950-1959) – em O que é política? – o conceito original de democracia dos atenienses do século 5 a. C., retomado por Spinoza (1670) no Tratado Teológico-Político, de certo modo contra a visão de Hobbes (1651), no Leviatã, para o qual o sentido da política é a ordem. Consideramos aqui que liberal, na acepção política do termo (e não econômica, que pressupõe a adesão a alguma doutrina do liberalismo-econômico) expressa essa visão: liberais-políticos são os democratas.

5. As condições ou critérios para uma democracia ser considerada liberal (aqui reorganizados em dez itens) foram sugeridas por Larry Diamond (2008) em The Spirit of Democracy: The struggle to build free societies throughout the world (New York: Henry Holt & Cia, 2009).

6. Estes critérios da legitimidade democrática foram sugeridos por Ralf Dahrendorf (1997) em After 1989: morals, revolution, and civil society. (New York: St. Martin’s Press, 1997) e modificados pelo Projeto Democracia.

7. A ideia, formulada dessa maneira, é de Jacques Rancière (1985) em O ódio à democracia (São Paulo: Boitempo, 2014): a democracia não é o regime (ou o governo) da maioria e sim o governo de qualquer um, quer dizer, se refere à indiferença das capacidades para ocupar as posições de governante ou de governado.

8. A formulação original é de Takis S. Pappas, no artigo Os diferentes adversários da democracia liberal, publicado originalmente como “Distinguishing Liberal Democracy Challengers”, Journal of Democracy, Volume 27, Número 4, Outubro de 2016 © 2016 National Endowment for Democracy and The Johns Hopkins University Press.

9. Cf. Quatro mitos sobre a corrupção segundo Bo Rothstein em Dagobah (26/10/2018). Disponível em
<https://dagobah.com.br/quatro-mitos-sobre-a-corrupcao-segundo-bo-rothstein/>

10. Para uma discussão sobre a diferença entre opinião pública e soma das opiniões privadas confira o artigo Opinião pública não é a soma das opiniões privadas da maioria, disponível em
<https://dagobah.com.br/opiniao-publica-nao-e-a-soma-das-opinioes-privadas-da-maioria/>

11. Cf. O apoio popular a posições autoritárias, disponível em
<https://dagobah.com.br/o-apoio-popular-a-posicoes-autoritarias/>

12. Cf. Poder computacional: automação no uso do WhatsApp nas eleições, disponível em
<https://dagobah.com.br/poder-computacional-automacao-no-uso-do-whatsapp-nas-eleicoes/>

Cf. também: Vivemos hoje mais netwar do que política (democrática): mas o problema é a guerra, não o WhatsApp, disponível em
<https://dagobah.com.br/vivemos-hoje-mais-netwar-do-que-politica-democratica-mas-o-problema-e-a-guerra-nao-o-whatsapp/>

Cf. ainda: Da libertação à desordem: redes sociais [leia-se: mídias sociais] e democracia, disponível em
<https://dagobah.com.br/da-libertacao-a-desordem-redes-sociais-leia-se-midias-sociais-e-democracia/>

E, por último, confira: As mídias sociais ameaçam a democracia?, disponível em
<https://dagobah.com.br/as-midias-sociais-ameacam-a-democracia/>

13. Para saber do que se trata, leia o verbete da Wikipedia, disponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_da_cat%C3%A1strofe>

14. Dahrendorf, Ralf. Op. cit.

15. Cf. o artigo de Ralf Dahrendorf, Democracia sin demócratas, para o jornal La Nacion (24/01/2004), disponível em
<https://dagobah.com.br/ralf-dahrendorf-e-a-legitimidade-democratica/>

16. Segundo Finley (1981), “ao eclodir a Guerra do Peloponeso, em 431, a população ateniense, então no seu auge, era da ordem de 250 mil a 275 mil habitantes, incluindo-se livres e escravos, homens, mulheres e crianças… Corinto talvez tenha atingido 90 mil; Tebas, Argos, Corcira (Corfu) e Acraga, na Sicília, 40 mil a 60 mil cada uma, seguindo-se de perto o resto, em escala decrescente…” – ou seja, o tamanho dos nossos atuais municípios. Cf. Finley, M. I (org.) (1998). O Legado da Grécia (Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1998).

17. Cf. Franco, Augusto (2013). A terceira invenção da democracia (São Paulo: Escola-de-Redes, 2013). Uma versão digital está disponível em
<https://dagobah.com.br/a-terceira-invencao-da-democracia/>

18. GOETHE, Johann Wolfgang von (1811). Memórias: Poesia e Verdade (Brasília: Hucitec, 1986).

19. Cf. o artigo de Augusto de Franco (2018), Os diferentes adversários da democracia no Brasil, disponível em
<https://dagobah.com.br/os-diferentes-adversarios-da-democracia-no-brasil/>

20. Sobre a democracia como modo de vida: a expressão nasce de uma conjunção de ideias de John Dewey (1939), Hannah Arendt (1950-59) e Humberto Maturana (1993).

Cf. Democracia como modo-de-vida (1), sobre John Dewey (1939), disponível em
<https://dagobah.com.br/democracia-como-modo-de-vida-1/>

Cf. também: Democracia como modo-de-vida (2), sobre Humberto Maturana (1993), disponível em
<https://dagobah.com.br/democracia-como-modo-de-vida-2/>

Cf. ainda: Democracia como modo-de-vida (3), sobre Hannah Arendt (1950-59) disponível em
<https://dagobah.com.br/democracia-como-modo-de-vida-3/>

Existe, informalmente, um partido militar bolsonarista?

Uma fatwa bolsonarista para comandar e controlar o rebanho dos fiéis