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2030, um horizonte otimista para a oposição democrática

Eis um retrato da difícil situação dos democratas liberais (que hoje significam, em termos práticos, os democratas não-populistas) no momento em que vivemos no Brasil.

O chamado centrão, dedicado profissionalmente a parasitar e chantagear o governo, não fará oposição democrática (porque isso é ruim para os negócios). Com o tempo, tende a ir aderindo ao governo (não só vendendo seus votos ao governo, se deixando alugar pelo governo para servir como força auxiliar, mas até indicando ministros – ou seja, entrando no governo).

Isso, por um lado, isola o bolsonarismo-raiz que decidiu, para manter sua identidade, fazer uma oposição vale-tudo visando a desestabilizar o governo. Nesse caminho, a oposição antidemocrática populista (bolsonarista) tende a minguar no curto prazo, sendo empurrada para as margens do espectro político (reduzindo-se a 10 a 15%).

Mas, por outro lado, tende também a desestimular a adesão a uma oposição democrática, que ficará igualmente marginalizada e numa situação dificílima. Porque é obrigada a apoiar medidas importantes de modernização do Estado (como a reforma tributária) propostas pelo governo e, quando isso acontece, seus votos entram no bolo dos votos do centrão, tirando-lhe a identidade. Ou seja, o centro democrático da política – o centro de gravidade em torno do qual devem orbitar as forças políticas numa democracia liberal – foi engolido pelo buraco negro chamado centrão (um condomínio de negocistas com seus interesses difusos, que está pouco se lixando para a democracia como valor universal e como principal valor da vida pública e que, portanto, se comportaria de maneira parecida caso Bolsonaro tivesse sido reeleito).

Quando apoia medidas de interesse do país, a oposição democrática é obrigada então a explicar que não faz parte do centrão (até porque oposição, por definição, não pode aderir ao governo, nem se deixar alugar pelo governo para se converter em força auxiliar).

E, quando se opõe a medidas do governo, juntando objetivamente seus votos aos votos da oposição sectária bolsonarista, a oposição democrática é obrigada a explicar que não é bolsonarista (e que não joga no quanto pior melhor para desestabilizar o governo de modo antidemocrático).

Como não há democracia sem oposição democrática, mesmo na situação tão difícil, que foi descrita acima, a oposição democrática tem de continuar existindo, ainda que extremamente minoritária (de 5 a 10% – numa previsão otimista).

Em condições normais de temperatura e pressão, esperança de alterar tal situação no curto prazo (2026) não há (ou há pouquíssima). Mas se não houver mais oposição democrática, não haverá esperança também no médio prazo (2030 ou, quem sabe, 2034). E o governo neopopulista do PT irá, aos poucos, implantando sua agenda populista não-liberal no Brasil, sob os aplausos de Putin, Xi Jinping, Maduro, Ortega e de todos os autocratas do mundo que elegeram as democracias liberais como seus principais inimigos.

Claro que tudo isso acontece com essa velocidade e com essa intensidade porque vivemos sob uma terceira grande onda de autocratização, que tem tudo para ser mais longa e tenebrosa do que imaginamos. E se a coalizão das democracias liberais que apoia a resistência ucraniana contra a invasão da ditadura russa for derrotada, se Trump voltar ao governo dos Estados Unidos em 2024 ou se Le Pen ou outro populista-autoritário chegar ao poder na França, a situação para os democratas liberais ficará ainda mais difícil.

Não há saída para a democracia liberal no Brasil no curto prazo. Se não pararmos de sonhar com uma solução mágica imaginária de curto prazo não conseguiremos cumprir o papel necessário para construir uma alternativa real nos médio e longo prazos.

O primeiro ponto é este: não há democracia liberal sem democratas liberais (não-populistas). Tendo como horizonte 2030 (ou, numa perspectiva menos otimista, 2034) caberá à oposição democrática multiplicar o número de agentes democráticos (não-populistas) na sociedade brasileira, agentes capazes de se opor democraticamente a todos os populismos (ditos de esquerda ou de extrema-direita, no governo ou fora dele). E capazes de criar, em rede, zonas livres de populismos na suas comunidades de vizinhança, de prática, de aprendizagem e de projeto, mantendo acesas suas pequenas luzes para usinar e experimentar novas formas de interação mais amistosas e cooperativas.

A democracia não é a luz de um holofote e sim a de miríades de pequenas velas. A falta de saída no curto prazo e, talvez, no médio prazo, não pode levar à desesperança total. Grandes estruturas, por mais poderosas que sejam, não resistem a enxames de pequenas estruturas. Se continuarmos democratizando, nas sombras das pirâmides, um dia elas cairão. E a luz poderá brilhar novamente entre nós.

Entrevista com Moisés Naím

Meus artigos de junho de 2023 na Crusoé