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A democracia precisa ser defendida?

Os que me conhecem há mais tempo podem testemunhar o que venho dizendo desde o início do século. Estamos diante de uma bifurcação. Se enveredarmos por uma das pernas da bifurcação – aquela que não toma a democracia como um valor universal -, vamos caminhar para um cenário de horror (tipo Dark Age Ahead: título de um dos últimos livros de Jane Jacobs).

Estudem a Alemanha das décadas de 1920-1930. Verifiquem os isomorfismos. Tentem identificar os padrões que se repetem. O alerta de Rob Riemen – fundador e presidente da Nexus Institute deve ser levado a sério. Assistam: “Never Again?” How fascism hijacks democracies over and over.

A democracia é uma experiência extremamente frágil. E fugaz. Jamais se consolidou ou perdurou por mais de três séculos em lugar algum. Até nos USA há um clima avesso à sua continuidade, senão imediatamente como ameaça à dinâmica político-institucional, pelo menos como modo-de-vida.

Uma espiadinha na sétima temporada de Homeland pode ajudar a captar o climão: analisem o discurso do jornalista autocrata O’Keefe (na foto de capa deste artigo e também abaixo). Comparem com o discurso dos autocratas em qualquer lugar (inclusive no Brasil).

É exatamente a mesma pauta:

Defesa dos valores da civilização ocidental cristã (ou judaico-cristã) | Ora, isso, rigorosamente falando, não existe. É uma invenção regressiva.

Contra a conspiração globalista bancada por capitalistas como Soros, os Clinton e outros membros do Clube de Bilderberg em aliança (ou convergência) com o comunismo internacional | O tal globalismo é um fantasma criado, pelos autocratas de direita, das duas primeiras décadas dos anos 2000, com os mesmos propósitos guerreiros do fantasma do neoliberalismo, que foi criado pelos autocratas de esquerda dos anos 90 do século 20.

Estímulo ao armamentismo popular | Que não se confunde com o direito das pessoas de portar armas, o que seria correto, mas tenta criar um emocionar guerreiro, no mínimo de desconfiança do outro, na população.

Anticomunismo (na vibe da guerra fria) | Ou seja, produção de militância, falsificação da verdade (qualquer verdade), guerra e, inevitavelmente, autocracia.

A democracia é uma plantinha muito, muito delicada. Assistam, se possível umas dez vezes, o vídeo de pouco mais de 2 minutos da bela Elif Shafak sobre o que está acontecendo na Turquia:

Não estou falando de democracia apenas como modo político de administração do Estado e sim dos modos de regulação de conflitos que incidem na nossa vida comum mesmo.

As pessoas, em geral, não veem os sinais de decomposição, a não ser quando já é muito tarde. Mas, como dizia Ralf Dahrendorf, não há democracia sem democratas. Mais do que nunca, talvez em toda a história, a democracia precisa ser defendida: pelos democratas.

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