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As novas elites econômicas do Brasil profundo estão abolindo suas velhas elites políticas num sentido que não é o da democracia

As novas elites econômicas do Brasil profundo estão abolindo suas velhas elites políticas num sentido que não é o da democracia: uma conversa inbox no Facebook

Um velho amigo me pergunta inbox no Facebook (isso foi na terça-feira passada):

Quanto tempo você acha que demora para aparecer um general da reserva como candidato a líder desta turma [ele se referia aos intervencionistas e bolsonaristas infiltrados no caminhonasso]? Tem boa oportunidade para um que tenha uma mente social mais doentia.

Respondi:

Tem o Mourão. Tem o Bini. Tem o tal Heleno. E outros. Mas creio que não terão ainda chances no establishment. Numa sociedade com a complexidade da brasileira não pega bem governos de generais. Minha preocupação agora é a seguinte. Tem os caminhoneiros, mas eles não são o problema. O problema são as bases de apoio no interior do Brasil: e existem, sim, em lugares como Rio Verde, Jataí, vários municípios gaúchos, no Mato Grosso… Essa base quer uma solução autoritária e é composta não pelo povo pobre e sim pelos maiorais de cada lugar. Isso é uma divisão clara de dois Brasis. O outro problema é o bolsonarismo/intervencionismo que está infiltrado até a raiz nos movimentos. E essa base social que mencionei acima vai de Bolsonaro (se não houver alguém melhor, embora não acredite muito nele).

O amigo retrucou:

Sim. Fermentou, fermentou e agora espalhou.

Continuei:

Um terceiro problema é a constelação de entidades e partidos da tal Frente Brasil Popular. O MST (muito mais do que o Boulos) tem a contrapartida popular para essas forças. Não é improvável uma coligação tácita entre esquerda e direita, como aconteceu na Grécia. Um partido de ultra-direita está no governo do Syriza. Ou seja, o Brasil não é mais o mesmo. Já não era, só que não vimos…  E tudo isso foi despertado pelas cruzadas de limpeza promovidas pela “Liga da Justiça” (de procuradores desmiolados e analfabetos democráticos, que pensam que se pode reformar a política sem política, a partir de estamentos do Estado ou praticando a antipolítica robespierriana da pureza). Aliás, cá entre nós, vários juízes (de grande destaque na atualidade) são ligados ao empresariado conservador em termos de costumes – e, pior, iliberal (em termos políticos) – do interior do país. Gente com muito dinheiro (donos de usinas de álcool e açúcar, ligada ao agronegócio em geral e, inclusive, de grandes empresas de transporte) que não encontra mais representantes políticos no velho coronelismo do tipo nordestino, patrimonialista etc. (com exceção da Bahia, onde esses setores estão aliados ao PT). O Brasil democrático está ilhado nos grandes centros e cidades com mais de 200 mil habitantes e em alguns polos do interior, mas há um fundão avançado economicamente e atrasado politicamente, conservador nos costumes e iliberal na política. Há uma fratura que não é mais entre o avanço do PSDB e o atraso do PFL e do MDB e PP (da era FHC). Agora a fratura é outra.

Ele respondeu:

Sim, mais “embaixo”. A economia não acompanha a política. Está começando a rodar na linguagem Assembler da Matrix.

Emendei:

Há agora aqui um meio-oeste americano trumpista, que, no entanto, não é enferrujado, não é de perdedores da globalização e sim da vanguarda das commodities. Ninguém fala por esses caras. Nem o Bolsonaro, mas na falta de tu vai tu mesmo.

Meu amigo respondeu:

A energia destes movimentos é aquela “primitiva” da sociedade hierárquica. Sem sofisticação. A ideologia é baseada em raiva, medo, e a disposição para violência física.

Emendei:

Isso nos ativistas mais atirados. E a retaguarda endinheirada? Há base no Brasil para um governo conservador iliberal. Não havia. Mas agora há.

Ele concordou:

Acho que em parte também são movidos a isto: estas emoções se retroalimentam. Os caras tem ideólogos toscos como o Olavo.

Retruquei:

É por isso que alguns movimentos de rua [que convocaram as manifestações pelo impeachment de Dilma] não querem largar essa base. Embora não sejam olavistas, muito menos bolsonaristas, apostam em outsiders (mais ou menos), como Flávio Rocha. E começaram a apostar em Alvaro Dias (que se lascou um pouco agora com o oportunismo de apoiar os caminhoneiros). Daqui a pouco pode haver um impulso na campanha de Alvaro Dias, vindo de todo lugar.

Ele observou:

Sim. Estes políticos da velha guarda estão perdidos.

Continuei:

Exato. As novas elites econômicas do Brasil profundo estão abolindo suas velhas elites políticas saindo pela direita (como aquele Leão da Montanha), num sentido que não é o da democracia. Ocorre que as velhas elites políticas corruptas não tinham motivos para ser contra a democracia. Estas têm. Veja que situação esdrúxula. Teremos de gritar: queremos os velhos corruptos de volta? Quem vai entender isso, depois da Lava Jato?

Ele concordou:

Ninguém. O entendimento não é trivial; principalmente na emoção atual.

Continuei:

Sim. Mas mil vezes um corrupto tradicional do que um honesto autocrático.

Ele prosseguiu:

As pessoas “comprometeram” sua emoção quando, na luta contra o autoritarismo do PT, compraram “emocionalmente”, como base da sua própria explicação social, à sua rede, o discurso do “não tenho corrupto de estimação”. No clima de guerra que surgiu, era o discurso mais fácil. Mais fácil de “expressar”. De argumentar. De se expor. Depois de um tempo você fica prisioneiro dele.

Respondi:

O perigo mais imediato, nesta configuração, é a esquerda voltar ao poder para evitar um desastre maior. E o PT sabe disso. E vai de Ciro. Ou até de Marina, caso o Ciro se afunde.

Ele avançou:

Eu acho que em determinados cenários, nós vamos para assassinatos. O PT me parece ser irresponsável – e creio neste caso, imbecil – para provocar as emoções a este ponto. Há 2 anos dizíamos que os ingredientes estavam ali. Agora o pão já esta no forno.

Concordei e acrescentei:

Foi o meu artigo de hoje (na verdade, de 2 anos atrás, que se confirmou): uma década de guerra civil fria pela frente. A nós resta a resistência democrática. Vamos ser, de verdade, os Sense8s ou as Orphans Blacks num mundo coalhado de sussurros… Olha o discurso desse celerado (ele quer que falte comida nas casas das pessoas para engrossar o levante intervencionista-bolsonarista e antidemocrático).

Fim do diálogo.

Bem, como disse, essa conversa privada aconteceu na terça-feira passada (29/05/2018), no calor da hora dos radicalismos e do desabastecimento geral.

Agora a situação está um pouco diferente. Mas a preocupação permanece. Se foi possível bagunçar o país na intensidade que vimos, uma vez, por que não será possível bagunçá-lo novamente, sobretudo quando estivermos mais próximos das eleições, até durante a campanha oficial?

O ponto fulcral da análise, entretanto, não é este. O Brasil se acostumou às transições “pelo alto”. Mas há um novo fenômeno que é a questão da transição política (“por baixo”) que está ocorrendo (já há algum tempo) e não estamos vendo. Não se trata mais de um Brasil atrasado versus um Brasil avançado. Parte significativa do Brasil atrasado politicamente não é mais atrasado economicamente: tem recursos suficientes (inclusive intelectuais) para articular alternativas e, inclusive, como vimos, para parar o país (com a leniência ou a conivência das forças de segurança). E podem, sim – dependendo das circunstâncias do momento – contar com o apoio da maioria da população.

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