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BRICS. Libertar o Sul Global do Ocidente?

Populistas (ditos de direita e de esquerda) estão comemorando a ampliação do BRICS (bloco político-ideológico que, ao que tudo indica, usa o biombo dos interesses econômicos para se articular contra as democracias liberais).

Não se sabe exatamente quais países pretendem (ou estão sendo cooptados para) entrar no bloco (que conta hoje com Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Fala-se, entre outros, em Afeganistão, Arábia Saudita, Argélia, Argentina, Cazaquistão, Egito, Indonésia, Irã, Nicarágua, Nigéria e Senegal.

Um mapa (de origem incerta) está circulando nas mídias sociais:

Bem, do ponto de vista da democracia, nem caberia aqui muita discussão. Bastaria comparar o mapa acima com o mapa global dos regimes políticos da The Economist Intelligence Unit (EIU):

A simples comparação dos dois mapas revela que se trata de um bloco composto, majoritariamente, por ditaduras: regimes autoritários ou híbridos (segundo a classificação da EIU). Mas isso também é corroborado por outros institutos que monitoram os regimes políticos no mundo. O BRICS é composto, em sua maioria, por autocracias fechadas ou eleitorais (segundo o V-Dem, da Universidade de Gotemburgo) ou por regimes não livres ou parcialmente livres (segundo a Freedom House – FH).

Os dois mapas abaixo (V-Dem e FH) são igualmente reveladores:


No mapa acima temos a distribuíção do Índice de Democracia Liberal (LDI) do V-Dem, que captura os aspectos eleitorais e liberais da democracia e vai do nível mais baixo (0) ao mais alto (1) da democracia.

No mapa abaixo, da Freedom House, os regimes livres estão em verde, os parcialmente livres em amarelo e os não livres em roxo.

Para entender os critérios utilizados pelos três principais institutos que monitoram a democracia no mundo é bom ler os relatórios mais recentes do V-Dem (da Universidade de Gotemburgo), da The Economist Intelligence Unit (EIU) e da Freedom House. Ou então, pelo menos, ler o artigo Democracia e autocracia no mundo em 2023.

Dos membros atuais do BRICS não há nenhuma democracia liberal (V-Dem) ou democracia plena (The Economist Intelligence Unit). Temos duas democracias apenas eleitorais (V-Dem), defeituosas ou com falhas (EIU) (Brasil e África do Sul) e três autocracias (Rússia, Índia e China).

Dos membros que estão para entrar no BRICS temos três democracias apenas eleitorais, ou duas democracias defeituosas ou com falhas (Argentina, Indonésia) e um regime híbrido (Senegal). Todos os oito pretendentes restantes são autocracias ou regimes não-democráticos (Afeganistão, Arábia Saudita, Argélia, Cazaquistão, Egito, Irã, Nicarágua e Nigéria). Ou seja, o BRICS já é – mas vai virar mais ainda – um bloco, majoritariamente composto por ditaduras e assemelhadas.

A tabela acima mostra que a democracia não foi critério para a formação dos BRICS e continua não sendo critério para a sua ampliação: pelo contrário, piorou. Parece que o critério fundamental é não incorporar as – ou se afastar das – democracias liberais.

Na verdade, libertar o Sul Global do Ocidente, como pregam os militantes populistas, significa, simplesmente, criar um bloco de países “livres” da democracia liberal.

BRICS AMPLIADO E SUL GLOBAL

A ideia de BRICS ampliado é da mesma natureza da ideia de Sul Global: é uma construção ideológica para objetivos de luta política antidemocrática. Veja-se que Austrália e Nova Zelândia, conquanto sejam países do extremo-sul do planeta, não entram no arranjo (e não entram, precisamente, não porque sejam países “mais desenvolvidos” e sim porque são democracias liberais). Com mais um pouco de esforço seria possível incluir até a Rússia no Sul Global. Mas talvez não seja mais necessário: o BRICS ampliado pode dar conta dessa tarefa.

Segue, no apêndice abaixo, um exemplo de conversa de autocratas, sobre BRICS e temas correlatos, que atacam as democracias liberais pelo mundo.


Apêndice

Como os países do BRICS estão liderando o esforço para libertar o Sul Global do sistema financeiro do Ocidente

O abraço caloroso que Lula da Silva recebeu na China é o mais recente sinal de relações que podem acelerar os movimentos dentro dos países do BRICS para criar uma nova arquitetura econômica global, criando maior distância para o Sul Global da influência do FMI e do Banco Mundial

Kalinga Seneviratne, scmp (26/04/2023)

Tradução automática Google

Durante sua visita à China neste mês, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva não escondeu seu desejo de ver o grupo de países BRICS fornecer um mecanismo de financiamento de desenvolvimento alternativo para rivalizar com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O agrupamento inclui Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, com Arábia Saudita, Irã e Turquia entre os interessados ​​em ingressar .

A visita de Lula à China incluiu uma parada em Xangai, onde participou da cerimônia de nomeação da ex-presidente brasileira Dilma Rousseff – aliada próxima de Lula e economista – como chefe do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB). Falando no evento, ele disse que o NDB “liberta os países emergentes da submissão às instituições financeiras tradicionais, que querem nos governar”.

A recepção calorosa que Lula recebeu em Pequim, onde se encontrou com o presidente Xi Jinping , foi um sinal da relação cada vez mais estreita entre as principais potências econômicas da América do Sul e da Ásia.

Isso poderia acelerar os movimentos dentro dos países do BRICS para criar uma nova arquitetura econômica global que crie maior distância para o Sul Global da influência do FMI e do Banco Mundial – as instituições de Bretton Woods – e do sistema de comércio internacional baseado no dólar americano.

Brasil e China fecharam mais de 20 acordos bilaterais durante a visita de quatro dias de Lula. A China é o maior parceiro comercial do Brasil, com o nível de comércio entre os dois tendo aumentado dez vezes desde a primeira visita de Lula à China como presidente em 2004.

O comércio bilateral entre os países atingiu um recorde de US$ 150 bilhões em 2022, e ambos os lados estão estabelecendo uma câmara de compensação que fará acordos comerciais em suas respectivas moedas, em vez do dólar americano.

Escrevendo no Indian Defense Review em 11 de abril, o pesquisador indiano Abhyuday Saraswat observou que a tentativa dos países membros do BRICS de negociar em moedas diferentes do dólar americano tem o potencial de revolucionar a economia global. Ele argumentou que esse movimento foi acelerado quando os EUA e seus aliados removeram o acesso da Rússia ao sistema de mensagens financeiras Swift após a invasão da Ucrânia, dizendo que “alarmou muitos governos, não apenas a Rússia”.

Ele também observou que os esforços entre os membros do BRICS para criar uma nova moeda podem abrir caminho para uma nova ordem global em que o dólar americano pode não ser necessário para o comércio internacional.

A Índia também tem liderado esses esforços, com sua pressão por uma moeda digital e o Reserve Bank of India aprovando contas especiais em rúpias com bancos correspondentes de 18 países para negociar a rúpia indiana. A Índia também está considerando reviver o acordo comercial rúpia-rublo que foi usado pela última vez em 1953 para o comércio entre os dois países.

A Rússia anunciou em março que havia adotado o yuan da China como uma de suas principais reservas e moedas de liquidação. De acordo com dados alfandegários da China, as importações chinesas da Rússia aumentaram cerca de 49% em termos de yuans no ano passado, para 763,7 bilhões de yuans (US$ 110,8 bilhões).

No início deste mês, Bangladesh e a Rússia concordaram que Moscou aceitaria o yuan para pagamentos na usina nuclear de Rooppur que a Rússia está construindo a oeste de Dhaka. Bangladesh pagará o equivalente a US$ 318 milhões usando suas reservas em yuan, com o pagamento canalizado por meio do Sistema de Pagamento Interbancário Transfronteiriço da China , que Pequim está desenvolvendo como alternativa ao sistema Swift.

Enquanto isso, Brasil e Argentina têm discutido a criação de uma unidade de conta comum para facilitar o comércio.

O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, quer usar o fato de seu país ser o anfitrião da cúpula do BRICS para promover os interesses do continente africano. Espera-se que ele convide outras nações africanas para a cúpula e faça parte dos esforços do grupo para desenvolver a África.

O NDB foi criado em 2015 com o objetivo de mobilizar recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável em países do BRICS e outras economias de mercado emergentes. Tem potencial para desempenhar o papel de alternativa ao FMI, onde os interesses do Sul Global seriam primordiais.

Até agora, porém, não percebeu esse potencial. Um obstáculo tem sido a desconfiança entre Índia e China, embora pareçam concordar sobre a necessidade de desenvolver uma nova arquitetura econômica global.

Depois de um discurso em agosto passado na Universidade Chulalongkorn de Bangcoc sobre a visão indo-pacífica da Índia, perguntei ao ministro de Relações Exteriores da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, se o NDB poderia se apresentar para socorrer o Sri Lanka depois que as negociações com o FMI chegaram a um impasse. Ele me disse que poderia salvar o Sri Lanka, bem como muitos outros países emergentes, mas também disse que as tensões entre a Índia e a China na fronteira com o Himalaia dificultavam essa colaboração.

Enquanto a China está tentando mediar entre a Rússia e a Ucrânia, a Rússia pode ter que intervir para negociar a paz entre a Índia e a China. Caso contrário, todas essas conversas sobre uma nova arquitetura econômica global poderiam dar em nada.

Kalinga Seneviratne é uma jornalista nascida no Sri Lanka, analista de mídia e especialista em comunicações internacionais atualmente baseada em Sydney

Democracia e autocracia no mundo em 2023 (V-Dem, EIU e FH)

Democratas liberais inovadores